A metamorfose do jornalismo
A gente põe terno, gravata, mas também mergulha, faz rapel e até voa, se for preciso.
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
Algumas experiências que tive na vida só foram possíveis graças ao meu trabalho. Se eu não fosse repórter, dificilmente, teria me aventurado em alguns esportes radicais, por exemplo. Aliás, desde moleque, esporte nunca foi meu ponto forte. Se eu não aprendi a jogar futebol, imagine só se, um dia, passaria pela minha cabeça praticar rapel? Óbvio que não. Mas aconteceu.
Vamos voltar quase uma década na vida deste repórter. Era agosto de 2012. Fazia pouquíssimo tempo que eu estava no vídeo. Era recém-contratado do SBT, em Araçatuba, no interior de São Paulo, e estava entusiasmadíssimo com o trabalho. Tudo novo, aquele frio na barriga, aquela vontade de mostrar serviço, de agradar, fazer o melhor... Gás total de um jovem em início de carreira.
A pauta era sobre uma galera que se reunia durante a noite para praticar rapel. Eles desciam do viaduto da linha férrea, às margens da Rodovia Marechal Rondon. O cinegrafista, Fernando Pessoa, e eu fomos até lá pra mostrar esses aventureiros noturnos, que não tinham medo de escuro e muito menos de altura.
O clima era de muita descontração nos bastidores. Isso é fundamental para uma reportagem que deseja transmitir leveza, alegria, diversão. Matérias esportivas, geralmente, têm esse propósito. É o tipo de texto que deve ganhar o telespectador pela simpatia. E se a vibe dos entrevistados é boa, isso ajuda muito no contexto. Uma palavra, uma frase, uma brincadeira... Qualquer detalhe pode render um bom texto, uma boa imagem.
Desde que saí da TV com a pauta, a minha ideia era brincar um pouco com essa "loucura" de fazer rapel durante a noite. O esporte, por si só, já é bem radical. No escuro, ele se torna bem mais desafiador. Em nenhum momento, eu pensei em participar da reportagem. Só que, ali, encontramos a brecha necessária pra isso. É incrível como a adrenalina do jornalismo faz a gente esquecer todos os medos e limitações.
Eu, que nunca fui muito fã de altura, estava prestes a descer também. A matéria ficaria muito mais atrativa se o repórter participasse da experiência. Ali, mesmo inseguro, todo mundo me incentivou a descer, dando a garantia de que seria uma experiência única e divertida. Todo o processo foi registrado pelas lentes do Fernando Pessoa. Da minha cara de medo, passando pela preparação, colocação de equipamentos, até a descida, tudo fui filmado.
A pauta ficou ainda mais legal porque uma colega repórter também estava lá e nós dois acabamos "nos desafiando". A Ana Claudia Palacio já tinha gravado com a galera, mas durante o dia. Eu não me lembro como ela foi parar lá naquela noite, mas, se não me engano, tinha ido como esportista mesmo. Ela acabou se apaixonando pela modalidade e começou a acompanhar o grupo. Fizemos uma festa.
Ainda nas alturas, também já fiz um salto duplo de paraquedas. A pauta era um encontro de paraquedistas, se não me engano, em Penápolis, na região de Araçatuba. Era só garantir umas boas imagens, entrevistar os praticantes, falar do evento e a reportagem estava pronta. Só que eu, mais uma vez, resolvi fazer graça e ser mais do que repórter na matéria.
Nada havia sido planejado. Nada tinha sido combinado com a organização do evento. As coisas fluíram. Simplesmente, fluíram. Ali, mesmo, alguém lançou a ideia: "Você não quer fazer um salto duplo? A gente instala uma GoPro (uma camerazinha pequena) no seu capacete e grava o salto todo pra você colocar na sua reportagem". Eu só pensei em como a matéria poderia ficar muito mais marcante se eu aceitasse. Disse que sim, rapidamente.
Porém, antes de saltar é preciso assinar um termo de responsabilidade. Ao ler a segunda cláusula, eu pensei em voltar atrás: 2. Risco - O aluno de salto duplo declara que tem pleno conhecimento da natureza, finalidade e risco na prática de qualquer salto de paraquedas e, livre e voluntariamente, decide incorrer nestes riscos fazendo o salto duplo.
A gente nunca pensa no pior, mas é claro que existiam alguns riscos. Riscos que não eram necessários pra fazer a reportagem, mas que eu estava assumindo em nome do trabalho e da vontade de entregar um material diferente e atrativo. Eu, ali, já não sabia mais o que era a adrenalina do jornalismo, a expectativa pelo resultado final da reportagem e o medo pela estreia no paraquedismo.
Depois de passar por uma sequência de instruções, fui para a aeronave. O cinegrafista não foi. Instalamos uma câmera pequena no meu capacete, que captava todas as minhas reações. Já lá em cima, assim que a porta do avião se abriu, meu coração veio na boca. Vi o mundo, realmente, redondo e em miniaturas. O vento batia forte no meu rosto. Eu só sabia rezar e pedir perdão por todos os pecados. Parece exagero, mas é uma sensação estranha.
Assim que o instrutor saltou, não teve jeito. Ali, amarrado nele, fui junto. Os primeiros minutos são de queda livre. É uma incrível sensação de liberdade que vai tomando conta do nosso corpo. É o vento, literalmente, te carregando. É a brisa no seu rosto. Eu gritava de emoção e, talvez, de medo também. Ainda que a sensação seja gostosa, melhor mesmo é quando o paraquedas é acionado e, finalmente, a gente tem a certeza de que tudo está sob controle. É uma pena que eu não tenha encontrado a reportagem na internet. Adoraria compartilhar e rever esse momento.
Outra experiência inusitada que tive foi debaixo d’água. Eu, que não sei nadar, fiz um mergulho no Rio Paraná, em Castilho, interior de São Paulo. O objetivo da pauta era mostrar um curso de mergulho na região, que, até então, era novidade. Fiz daquela reportagem uma oportunidade incrível. Mais uma vez, me vi superando dificuldades, medos e limitações pelo meu trabalho. Evidentemente, como tudo foi muito rápido, o mergulho que fiz foi numa área rasa, mas com a possibilidade de ver de perto coisas que eu só conhecia por livros e filmes.
Debaixo d’água, a tranquilidade relaxa. A paisagem é bela, colorida. Sabe aquela sensação gostosa que a gente tem só de colocar o pé no mar? Imagine, então, ficar submerso nas águas cristalinas de um rio que corta o interior paulista? Foi, realmente, algo muito marcante pra mim.
Tão marcante quanto o próprio jornalismo, que leva a gente do céu ao inferno em questão de segundos. Do rapel ao mergulho em questão de meses. Eu amo essa metamorfose do jornalismo, as aventuras do ofício. A gente põe terno, gravata, mas também mergulha, faz rapel e até voa, se for preciso. E, eu, quero viver nessa metamorfose ambulante. Se me permite, Raul: "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante".
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