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Conversa de Repórter

Das duas, uma: eu escolho ser humano!

A notícia é importante, mas eu nunca vou extrapolar os limites em busca dela

Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7

Definitivamente, não era a cena que eu esperava ver num domingo. Uma moto caída e um corpo estirado a poucos metros dela. A vítima era um jovem rapaz, de 30 anos, que morreu depois de bater a cabeça, violentamente, durante a queda.

Se pra mim já estava difícil, imagine pro pai. Um homem, de boné, óculos e barba branca desceu da viatura da Polícia Militar sem acreditar no que estava diante dos próprios olhos. O pai não teve coragem de se aproximar. Enquanto o corpo do filho estava jogado no chão, ele andava de um lado pro outro, com as mãos na cabeça. Mas sempre de longe.

A cada três passos pra frente, aquele homem dava seis pra trás. Ele olhava, se abaixava, colocava as mãos no joelho e, logo na sequência, as levava novamente à cabeça como sinal de incredulidade. O pai chorava, respirava fundo, buscava fôlego e custava a acreditar que aquilo era verdade.

A perícia chegou, fez o trabalho dela e eu tentava descobrir o que, realmente, aconteceu. São duas possibilidades. O jovem pode ter sido fechado no trânsito e se desequilibrado, batido na guia e caído no asfalto, debaixo de um viaduto na Avenida 23 de maio, na zona sul de São Paulo. Ele pode, também, ter dormido enquanto pilotava, já que o acidente foi cedinho e o rapaz estava com fones de ouvido.


A investigação fará a parte dela, mas aquele pai precisava de respostas imediatas. Tente imaginar a dor. O relógio de cada uma das partes funciona em tempos diferentes. Durante o tempo todo, eu só observei aquele homem. Não tive coragem de abordá-lo, imediatamente. Só depois que o vi conversando, espontaneamente, com o motorista da equipe de reportagem é que cheguei nele.

Como sempre faço, me apresento com respeito. Ao apertar as mãos do pai, ofereci um abraço porque aquilo era o que ele mais precisava no momento. Gilson me abraçou forte, agradeceu e retribuiu o meu gesto com gentileza. Sentiu-se à vontade para falar do filho e colaborar com o meu trabalho, que, sim, parece ser inconveniente, às vezes.


Mas tem algo que aprendi ao longo de 12 anos de jornalismo. A notícia é importante, mas eu nunca vou extrapolar os limites em busca dela. Também não costumo ficar onde não sou bem-vindo. Se a vontade do pai fosse me ver longe dali, certamente, procuraria outro ponto pra me posicionar ou, simplesmente, avisaria à redação que estava indo embora.

Gilson, no entanto, quis falar. Sentia-se angustiado e precisava colocar pra fora aquilo que amarrava a garganta dele. "Obrigado pelo profissionalismo, Lucas", me disse. Ganhei o dia não pelo elogio, propriamente dito. Mas, sobretudo, por compreender que minha postura foi entendida corretamente pelo pai. Eu me orgulho de não precisar desrespeitar o espaço de ninguém pra conseguir alguma informação. Há coisas que, durante a rotina, a gente faz sem concordar, mas jamais eu seria capaz de ir na contramão do que eu acho correto.


Senti pena daquele pai. O almoço que o filho havia marcado com a família não aconteceu. A mãe do rapaz, recém-recuperada de um câncer, estava desolada. Gilson estava tentando ser forte e eu, dentro da fé que professo e acredito, buscava conciliar meu papel de repórter com o de ser humano. Ser testemunha desse tipo de história ou nos torna um pouco mais sensíveis ou endurece o nosso coração de vez.

Escolho a primeira opção.

Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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