Aquele dia tinha tudo pra ser tranquilo. Tranquilo até demais. E jornalista tem mania de nunca se contentar com nada. Se o trabalho está puxado, reclama da correria. Se está calmo, pede por adrenalina. Naquela manhã, eu me queixei da “paradeira”. Mal sabia o que estava por vir.
Janeiro de 2017. Na época, eu era repórter da Record, em Bauru, no interior de São Paulo. Se não me falha a memória, minha pauta do dia era alguma reclamação de bairro. As produtoras Karina Catto e Marcela Gomes tiveram que me aturar falando: “Gente, não tem nada mais forte rolando? Bem que poderia pintar um factual”.
Dito e feito. Fechei a boca e o mundo, praticamente, desabou em Bauru. Mas a gente só foi descobrir o que estava acontecendo depois que eu já tinha saído da redação. Começaram a chegar pelo WhatsApp da Record alguns vídeos com a informação de uma suposta rebelião no CPP-3 (Centro de Progressão Penitenciária). Num primeiro momento, isso gerou alguns questionamentos entre os colegas da produção, já que a unidade abrigava detentos do sistema semiaberto. Então, não faria muito sentido que eles estivessem fugindo.
O assunto virou a prioridade daquela manhã. O primeiro passo era confirmar o motim. Enquanto a produção fazia isso, por telefone, eu já tinha sido deslocado para a unidade prisional. Era uma forma de ganhar tempo. Não demorou muito pra gente descobrir que a fuga dos detentos tinha acontecido mesmo.
Quando o cinegrafista Marcos Jeziel e eu chegamos ao CPP-3, a movimentação policial era intensa. De longe, dava pra ver uma enorme cortina de fumaça. Os detentos haviam ateado fogo em dois pavilhões e iniciado a fuga em massa após um agente repreender um preso que foi flagrado usando celular dentro do presídio. Mais de 150 fugitivos estavam espalhados pelas ruas de Bauru, o que gerou pânico na cidade. Rapidamente, notícias falsas se espalharam, o que acabou mudando, de vez, a rotina da cidade.
Dezenas de viaturas da Polícia Militar percorreram bairros próximos e cercaram possíveis rotas de fuga. Foi uma grande mobilização, que contou com o apoio do helicóptero Águia. Na porta da penitenciária, familiares dos presos se aglomeravam em busca de informação. Naquele momento, ainda não havia confirmação de mortos ou feridos.
O Balanço Geral Interior estava prestes a começar. Eu precisava entregar um VT (que nada mais é do que a reportagem gravada) com as primeiras informações do caso. Mas como seria impossível voltar pra emissora, tivemos que gerar o material pelo mochilink, por meio da internet. E o local ainda era afastado, então estávamos com oscilações na conexão. O jeito foi sair da porta da penitenciária, com tudo rolando, e procurar um lugar onde o sinal estivesse melhor.
Depois de tudo isso, ainda tínhamos entradas ao vivo no Balanço Geral Interior. Meu retorno estava falhando. Eu tinha dificuldades pra ouvir o apresentador. Abrimos o programa com esse assunto. Entramos no ar no exato momento em que um capitão da Polícia dava uma entrevista coletiva sobre a fuga. Eram inúmeras perguntas para poucas respostas. Mas respostas importantes pra tentar tranquilizar a população, que estava apavorada.
A adrenalina daquela cobertura tomava conta da gente. O assunto mudou, completamente, o direcionamento do jornal. Saímos do CPP-3 no limite da nossa jornada. Aguardávamos uma outra equipe de reportagem pra fazer nossa rendição. Fomos embora, praticamente, esgotados. O dia, que havia começado parado, terminou de ponta-cabeça. O jornalismo tem dessas coisas. Basta um piscar de olhos pra gente ir do céu ao inferno.
Veja a reportagem daquele dia.