'Ela está doente, e vocês são a companhia dela'
Meus colegas repórteres, eu, o Gottino, o Lombardi, a Fabíola e até a cobra Judite representamos aquela visita tão esperada, que combinou de chegar ao meio-dia
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7
O silêncio não durou nem cinco minutos. Quando entrei no carro por aplicativo, percebi o motorista me olhando pelo retrovisor. Logo ele fez questão de se livrar da dúvida: “Você é repórter, não é?”.
Respondi: “Sou, sim”.
“Da Record, né?”, continuou ele. “Eu vi que te conhecia de algum lugar. É do Balanço Geral.”
A partir dali, começamos a conversar um pouco. Bastou meia dúzia de palavras para eu perceber que aquele papo terminaria ao fim do meu trajeto, mas poderia continuar aqui.
Às vezes, trabalhamos tão no automático que não conseguimos ter uma dimensão do que a gente representa para os outros. Vagner disse que assistia ao Balanço Geral, mas que a esposa dele era fã de carteirinha.
“Minha esposa vê o Gottino todos os dias. Ela está doente, e vocês são a companhia dela”, contou.
Aquilo me pegou, de certa forma.
Quando escrevo uma reportagem ou me posiciono para entrar ao vivo, o meu foco está no conteúdo que preciso apresentar. Minha maior preocupação é entregar o melhor que eu puder, com informações quentes, bem apuradas e atualizadas. Mas nem sempre quem me assiste me enxerga como um porta-voz da notícia. Entende?
Para a mulher do Vagner, em algum momento, eu fui, simplesmente, a companhia dela. Eu e meus colegas repórteres, o Gottino, o Lombardi, a Fabíola e até a cobra Judite, representamos aquela visita tão esperada, que combinou de chegar ao meio-dia.
Perguntei qual doença a esposa do motorista tinha. “Vixe, ela é cheia de problemas de saúde”, revelou, sem enumerá-los. Mas, pelo que pude perceber, provavelmente são questões que a impedem de sair muito de casa e, por isso, passar o dia com a televisão ligada se torna uma opção.
Ao me despedir de Vagner, pedi a ele que que mandasse um abraço a sua esposa. “Será dado, Lucas”. Finalizamos, ali, nosso curto, mas proveitoso diálogo.
Nesta semana, praticamente na porta da Record, uma senhora se aproximou de mim e me chamou pelo nome. Pode parecer algo sem um significado maior, mas, numa cidade como São Paulo e numa emissora com inúmeros repórteres, ser lembrado pelo nome por alguém representa muito.
Significa que sou famosão? Não, significa que despertei a atenção de quem me chamou. Dona Vera se aproximou para sugerir uma pauta, mas, antes disso, mencionou o nome de quase todo mundo que trabalha no Balanço. Brinquei com ela: “Assiste mesmo, hein?”.
“Não perco um, menino!”, fez questão de afirmar.
Se, por um lado, há quem faça questão de achincalhar jornalistas e equipes de televisão na rua, por outro, existem pessoas que enxergam na gente uma parte importante do dia delas. Não há, absolutamente, nada capaz de pagar esse tipo de reconhecimento.
Não é sobre fama, gente. Não é sobre ser conhecido. A nossa conversa não é sobre isso. Eu me refiro ao significado que nós temos na vida dos outros. Todo mundo gosta de se sentir útil para alguém. Todo mundo gosta de viver a experiência de ser importante e especial para alguma pessoa.
Os relatos que compartilhei aqui me fazem refletir, ainda mais, sobre o meu papel como comunicador. Não falo nem como jornalista. Falo como comunicador, mesmo. No sentido mais amplo da palavra.
A gente comunica, e a mensagem que o público recebe nem sempre é aquela que sai da nossa boca. Às vezes, a conexão é, puramente, pela energia, pelos olhos. Isso nos torna mais próximos, a ponto de o telespectador nos considerar amigos.
Ser companhia para alguém traz tanta responsabilidade quanto noticiar um fato. Ser uma boa companhia, então, é quase que uma missão. O que chamam de audiência, eu chamo de presente. Contar com a preferência e com o carinho de quem nos vê pela TV é uma das faces mais honrosas do jornalismo.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.