Entre razões e emoções...
Na Record, já tive a oportunidade de acompanhar grandes acontecimentos. Um deles me marcou bastante. Era o caso de um pai, surtado, que mantinha a filha e um primo dele reféns numa casa da zona sul de São Paulo.
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
O jornalismo, ao vivo, me fascina. Às vezes, pode até ser mais arriscado, já que nem tudo está sob o nosso controle. Mas a televisão, em tempo real, é muito transparente. Dinâmica. E, sim, considero um diferencial para o profissional de TV. Saber conduzir um ao vivo, dar o tom adequado à notícia, transmitir a mensagem sem rupturas, pensar rápido, tomar decisões e apurar tudo na hora são tarefas desafiadoras enquanto o jornal está no ar.
Eu, particularmente, me esforço, diariamente, pra exercitar tudo isso que considero importante numa transmissão. Gosto do ao vivo, desse frio na barriga e de toda a adrenalina que toma conta da gente, dependendo da cobertura.
Na Record, já tive a oportunidade de acompanhar grandes acontecimentos. Um deles me marcou bastante. Era o caso de um pai, surtado, que mantinha a filha e um primo dele reféns numa casa da zona sul de São Paulo. Usando uma faca, ele ameaçava matar as vítimas.
Muito embora seja um assunto delicado, não dá pra negar que cobrir esse tipo de caso é, sim, muito emocionante. E entenda o que quero dizer com a palavra "emocionante". Estou me referindo, exatamente, às emoções que isso causa num repórter. Estou falando das sensações, medos e expectativas que, quem está em casa, às vezes, não percebe na gente.
Naquele dia, nossa primeira dificuldade foi ter acesso ao local. A região toda estava bloqueada. Foi difícil conseguir encontrar um ângulo que possibilitasse o nosso trabalho, sem atrapalhar o da polícia. Resolvido isso, ainda tinha todo o perrengue de tentar colher informações com a ocorrência toda em andamento.
Éramos a única equipe de reportagem no local. Comigo, estava o repórter cinematográfico Zé Paulo, um cara rápido, caprichoso e que embarca na onda da notícia sem titubear. Entramos, ao vivo, no SP no Ar, na época apresentado pelo meu querido André Azeredo. Tínhamos poucas informações. Apenas o básico, mesmo. O cenário, naquele momento, era mais descritivo.
A movimentação era intensa. Várias viaturas policiais fechavam a rua. Homens paramentados, com armas longas, preparados para qualquer confronto. Equipes de negociadores tentavam, a todo custo, garantir que as vítimas saíssem bem daquele sequestro. Quando falo sobre algumas habilidades necessárias no ao vivo, não quero dizer que as tenho. Mas que busco aprendê-las. Naquele dia, enquanto eu narrava o cenário, pessoas me davam sinais, vizinhos tentavam me contar detalhes e, ao mesmo tempo, eu buscava "pegar no ar" algum diálogo revelador entre os agentes da ocorrência. Tudo isso de uma vez só.
Foi uma busca por informações em tempo real. Eu perguntava aos policiais, que estavam perto de mim, se sabiam de alguma coisa. Tentava interpretá-los. Fazia isso mesmo diante da possibilidade de uma negativa ou de uma resposta mais atravessada. Essa ousadia, no jornalismo ao vivo, é importante. Muita coisa a gente só descobre assim: em meio à adrenalina.
Naquele dia, foi desse jeitinho. Passavam das 7h30 da manhã e o sequestro teria começado por volta das 5h. Respeitamos os limites impostos pelos policiais, mas na primeira brechinha nos aproximamos pra poder sentir a história. Um agente do GATE se aproximou de mim e disse que o criminoso havia acabado de se entregar. Eu, num primeiro momento, não havia compreendido a mensagem dele porque estava ao vivo. Achei que o sinal era pra que eu não avançasse mais. Mas, não. Ele repetiu a informação e o Zé Paulo e eu partimos em busca dessa confirmação.
Estabeleci, ali, um diálogo respeitoso com os policiais. Fazia perguntas e nem sempre elas eram respondidas. Mas essa dinâmica, mostrada em tempo real, fez o telespectador compreender que eu estava, de fato, cumprindo o meu papel que era o de tentar entender aquele quebra-cabeça todo. Num determinado momento, recebi autorização pra me aproximar mais da casa onde o sequestrador estava com as vítimas. Enquanto eu descrevia tudo o que estava vendo, o capitão que comandava a operação se aproximou de mim e eu, rapidamente, o abordei. Comecei a fazer inúmeras perguntas.
Ali, começava, junto ao público, a construção da história. Ali, ao vivo, descobri que eram dois reféns. Quando cheguei, tinha, apenas, a informação de um. Ali, com o jornal no ar, fui questionando, interagindo e montando o enredo. Ficamos quase 15 minutos no ar, sem interrupções. Em televisão, um minuto e meio já é tempo pra caramba. Imagine 15.
As vítimas foram resgatadas bem, apesar do susto. O sequestrador, que já tinha passagens pelo mesmo tipo de crime, no passado, tentava cometer o chamado "suicídio por policial", que é quando alguém deseja acabar com a própria vida, mas não tem coragem pra isso. Então, ele cria um cenário para que a polícia seja obrigada a reagir à sua agressão e responda com força letal.
Se você ficou de boca aberta com isso, saiba que eu também fiquei na hora. Na verdade, não conhecia esse tipo de ocorrência. Apesar de comum, ela é pouco divulgada. Depois da extensa entrevista com o capitão, ainda conseguimos flagrar a saída do criminoso, que foi colocado numa viatura e levado pra cadeia. Respirei aliviado com aquele desfecho. Bandido preso e vítimas fora de perigo. Um alívio pra todos nós.
Encerrávamos, naquele momento, uma das transmissões mais impactantes pra mim. Sempre a uso como referência quando vou falar de alguma cobertura ao vivo. É isso que me encanta nesse tipo de trabalho. Essa verdade. Acho que tem a ver com empatia. Do telespectador perceber pelo tom da voz, pela respiração mais ofegante, ou por um "tropeço" na fala que não somos robôs programados. Apesar da técnica – sim, porque tem – nós estamos vivendo a notícia e convidando o público a participar da construção dela.
Eu gosto de ter a oportunidade de ser espontâneo no ar. De rir, quando eu posso. De impor ritmo na voz, quando a narrativa permite. De caminhar de um lado pro outro buscando uma informação. De compartilhar isso com quem está em casa. Eu gosto de ser eu. Eu gosto dessa proximidade de um bom ao vivo. Você, em casa, só não pode me ver malvestido e de chinelo, que é como eu gosto de estar fora do ar. Nem pode me ver mal-humorado. De resto, acho essa nossa relação incrível.
Veja a cobertura que fizemos, ao vivo, no SP no Ar.
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