O Brasil em pedaços
Se antes, a luta era pra acordar um gigante adormecido, hoje, é necessário conter o monstro que ele se tornou. É muita gente, sem rumo, preocupada em ser de esquerda ou de direita, mas incapaz de olhar pra frente.
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
Não faz muito tempo que o normal era não gostar de política. Era assunto proibido em qualquer roda de conversa. Os poucos que, ainda, se atreviam a comentar ou opinar diziam que era preciso mobilizar a sociedade em torno da participação política. Eu, mesmo, sempre fui um defensor desse debate. Mesmo antes de me tornar jornalista, achava importante que as pessoas pudessem discutir mais os interesses delas.
Pois bem.
As coisas mudaram e os tempos, realmente, são outros. Nunca se falou tanto sobre política como agora. É como se essa fosse a nova paixão nacional, o que não quer dizer que isso seja bom. Parte da sociedade deixou de ser espectadora pra assumir um papel na história. Resta saber qual.
Continuamos não discutindo política, mas, agora, brigamos por causa dela. Regredimos. Os que antes não suportavam políticos e diziam isso de boca cheia, agora, os adoram. A expressão "político de estimação" nunca foi tão representativa. Uma parcela do povo, que decidiu sair da zona de conforto, passou a trilhar um caminho obscuro e, temo, que sem volta. As redes sociais, impulsionadas por radicais embebedados pelo ego, levaram para as ruas o ódio e a raiva que, antes, se escondiam por trás de uma tela.
O que aconteceu, essa semana, em Brasília é o retrato de um Brasil que ainda não aprendeu o básico: respeitar a democracia. Não concordar com o resultado de uma eleição é direito de qualquer pessoa. Ninguém é obrigado a se sentir representado por quem venceu a disputa. Mas isso é só uma questão de opinião. Quem perde, faz oposição crítica, não atravanca o andamento do País. Quem ganha, governa, mas não recebe cheque em branco.
Lembro que em 2013, ainda morando e trabalhando no interior de São Paulo, participei, no meu início de carreira, das primeiras manifestações de massa da história política recente. Foi um movimento iniciado na capital paulista, em atos contra o aumento de R$ 0,20 nas tarifas do transporte público, e se espalhou pelo Brasil inteiro, ganhando novas pautas. Quem poderia imaginar que essas mobilizações resultariam, tempos depois, no impeachment da ex-presidente Dilma e num levante contra a corrupção no País.
Em 2017, também no interior paulista, participei da cobertura dos protestos de movimentos sociais e sindicais, além de partidos de esquerda, contra as reformas trabalhista e da previdência. Todos esses atos contaram com cenas de violência, vandalismo e depredação. Tivemos de manifestantes ocupando o teto do Congresso Nacional até a ação de "black blocs", que resultou na morte de um cinegrafista da Band, no Rio de Janeiro.
A gente tem mania de comparação pra tentar justificar os absurdos que vão surgindo depois. É como se um erro pudesse anular outro. Mas entre tantas semelhanças e diferenças na forma como se deram os movimentos de 2013, 2017 e 2023, o que se viu agora foi um propósito de derrubada de um governo legitimamente eleito – gostando ou não – e uma tentativa de enfraquecer e destruir as instituições democráticas.
É preciso dar tempo ao tempo e entender que, pra que surta efeito, qualquer manifestação deve ter um objetivo claro e constitucional. O que aconteceu em Brasília é vergonhoso e não há justificativas. Se antes, a luta era pra acordar um gigante adormecido, hoje, é necessário conter o monstro que ele se tornou. É muita gente, sem rumo, preocupada em ser de esquerda ou de direita, mas incapaz de olhar pra frente e restaurar, com civilidade, esse Brasil que chora, em prantos, e aos pedaços.
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