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Conversa de Repórter

O combinado não sai caro

Dei minha palavra de que aquelas imagens não sairiam do meu celular. E foi o que fiz. Nenhum chefe meu soube da existência desse material. Agora, vão saber.

Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho

Um dos assuntos mais comentados dos últimos dias é o caso da atriz, vítima de estupro, que teve a vida pessoal exposta e, infelizmente, foi obrigada a reviver o drama que passou diante da imensa repercussão. Especificamente sobre isso, a única coisa que me atrevo a dizer é que o fato não era notícia, não era de interesse público, não deveria ter sido publicado e, muito menos, passeado de boca em boca por aí. Nem tudo é da nossa conta.

Embora eu tenha puxado um fiozinho dessa história, não é sobre ela a nossa conversa. É sobre o respeito que, nós, jornalistas, devemos aos personagens e às fontes que trazem alguma informação pra gente. É sobre a importância da palavra dada, do compromisso firmado com alguém. No caso da atriz, um colunista se propôs a não escrever sequer uma linha sobre o assunto. Não cumpriu.

Exemplo de quando o entrevistado não quer ser identificado durante uma entrevista
Exemplo de quando o entrevistado não quer ser identificado durante uma entrevista

Faço jornalismo policial diariamente. A pegada é, totalmente, diferente. Quase sempre, o que recebo vira notícia. Mas a construção dela merece um cuidado especial. Várias vezes, testemunhas ou pessoas muito ligadas a algum caso de grande repercussão aceitam gravar entrevista sob a condição de não ter a identidade revelada. Isso quer dizer nome, idade, profissão, imagem e voz. Se eu, como repórter, garanto isso, é minha responsabilidade cuidar pra que nada saia do combinado.

Particularmente, costumo gravar esse tipo de entrevista e mostrar, logo na sequência, para que a pessoa veja a imagem dela toda desfocada. Eu gosto de dar essa tranquilidade ao personagem. Se pego o contato da pessoa pra acompanhar uma história, em hipótese alguma passo pra algum colega. Qualquer dúvida que deva ser esclarecida, serei eu o intermediário.


Isso acontece, também, com fontes da polícia. Inúmeras vezes recebo informações quentes de policiais que não querem ter exposição pública. Alguns, deixam isso claro. Não passo o contato nem mesmo pra redação. Isso é palavra e respeito.

Semana passada, mesmo, soube, em primeira mão, da prisão de um homem que se dizia integrante do grupo que matou o indigenista, Bruno Pereira, e o jornalista britânico, Dom Phillips, no Amazonas. Dias depois, a Polícia Federal descartou a participação dele nos assassinatos. Mas, naquele momento, onde se tinha, apenas, a informação de que Gabriel Dantas havia se entregado, fui o primeiro a descobrir e a chegar na delegacia, em São Paulo.


Gabriel Dantas se entregou à polícia dizendo ter participado de assassinatos no Amazonas
Gabriel Dantas se entregou à polícia dizendo ter participado de assassinatos no Amazonas

A fonte que avisou minha equipe enviou uma foto e um vídeo pra que a gente soubesse quem era o homem. Mas a pessoa deixou claro que o material não poderia ser divulgado. Do contrário, poderia "sujar" pra ela. Dei minha palavra de que aquelas imagens não sairiam do meu celular. E foi o que fiz. Nenhum chefe meu soube da existência desse material. Talvez, algum fique sabendo, agora, lendo meu texto. Embora fosse algo que somente eu tinha, preservei e respeitei a minha fonte.

Jornalistas dependem de pessoas, assim, pra que tenham informações em primeira mão. E muitas dessas fontes, preferem o anonimato. Elas, apenas, confiam no nosso trabalho e fazem questão de facilitar nosso caminho de apuração. Como repórter, não posso, em hipótese alguma, revelar minha fonte ou, simplesmente, ignorar um compromisso assumido. Não seria ético nem responsável.


É claro que os meus exemplos são diferentes do caso de maior repercussão dos últimos dias. Não tem a ver com a exposição da vida íntima de uma pessoa, com um segredo, com algo, extremamente, particular. Mas tem a ver com palavra, com respeito, com compromisso. Quando você diz que não vai publicar uma história ou que não vai revelar quem te passou uma história, é isso que o profissional precisa fazer.

Não é segredo pra ninguém que os meios de comunicação precisam de audiência. No entanto, eu sigo uma máxima que norteia o meu trabalho: fama não me traz credibilidade; credibilidade me traz reconhecimento. São coisas muito distintas e, pra mim, esse é um conceito muito valioso. Continuo pensando que o respeito vale bem mais do que a busca pelo maior número de televisões ligadas no jornal. Vale muito mais do que um clique. Certas coisas não têm preço, têm valor.

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