Só os meus olhos não bastariam
Faltavam menos de dois minutos pra eu entrar no ar. De repente, um assalto, a poucos metros de onde eu estava, mudou, absolutamente, tudo.
Conversa de Repórter|LUCAS CARVALHO, do R7 e Lucas Carvalho
A rotina é, justamente, não ter rotina. Enquanto o jornal está no ar, tem tanta coisa acontecendo, que uma decisão pode durar menos de 10 segundos. Ou, quem sabe, essa mesma decisão pode ser tomada, de novo, duas ou três vezes.
Um jornal como o Balanço Geral Manhã é sempre muito imprevisível. A base do programa é o factual. Ou seja, aquilo que está acontecendo no momento pra gente poder mostrar tudo ao vivo. Essa busca, confesso, é bem difícil. Todos os dias, o que nós fazemos é garimpar notícia. É buscar acontecimentos, flagrantes e assuntos que merecem ser repercutidos.
Mas, às vezes, é a história que vem até nós. Aconteceu isso comigo dias atrás. Eu estava no Mercadão Municipal de São Paulo pra falar, ao vivo, sobre uma realidade difícil, na capital, que é a situação de quem se alimenta do lixo. Aliás, isso rende uma conversa à parte por aqui. Vou até anotar pra não me esquecer.
Estava quase tudo pronto. Faltavam menos de dois minutos pra eu entrar no ar. De repente, surge o Paullus, que é meu parceiro de equipe, dizendo, insistentemente: "Tem um cara com uma arma apontada, ali, do outro lado da avenida".
Quando olhei, vi, de longe, a arma prateada nas mãos de um homem. Ele parecia render outra pessoa. Dali, de onde eu estava, não dava pra entender o que era, exatamente. Imediatamente, disse ao Zé Paulo, repórter cinematográfico: "Corre, Zé, vamos ver o que é".
Enquanto eu corria – agora, faltando menos de um minuto pra minha entrada no jornal – eu pegava o celular pra avisar à coordenação de link. Eu não podia entrar, naquele momento, pra falar de outra coisa que não fosse sobre o flagrante que estava, ali, diante dos meus olhos. Só que, ao mesmo tempo, eu precisava de tempo – ainda que poucos segundos – pra apurar a ocorrência.
"Segura meu link, segura meu link. Parece que tá rolando um assalto aqui na avenida. Mas, não me chama ainda. Não me chama. Preciso entender a história", disse eu, praticamente, aos berros, à coordenadora dos vivos. Enquanto me aproximava, pedia cautela ao cinegrafista. Afinal, um homem armado estava diante de nós.
Esse homem era um Policial Militar, à paisana, que tinha acabado de impedir um verdadeiro arrastão no trânsito. Ele estava de carro quando flagrou uma dupla de assaltantes roubando motoristas à frente. Imediatamente, ele desceu do veículo dele, correu atrás dos criminosos e conseguiu deter um deles. Armado, ele deu voz de prisão ao bandido.
Pelo menos três vítimas estavam lá, assustadas. E o policial, de folga, pedia reforço. Eu, no meio disso tudo, tentava construir a história. Lançava perguntas ao vento, esperando as respostas, porque, naquele momento, estavam o PM e as vítimas concentrados no que tinha acabado de rolar.
Quando me senti pronto, com, pelo menos, o básico da notícia, eu disse que poderia entrar pra falar da ocorrência. Jornalismo, ao vivo, é sempre muito dinâmico. Enquanto eu falava o que tinha, tentava conseguir outros detalhes. Mostramos, absolutamente, tudo com exclusividade.
Muito embora seja um assunto lamentável, não dá pra negar que esse tipo de cobertura, ao vivo, traz adrenalina ao sangue. E entenda o que quero dizer. Estou me referindo ao misto de sensações que isso causa num repórter. Estou falando da responsabilidade da transmissão, do cuidado com as palavras, com a notícia apurada rapidamente, do respeito às vítimas, da importância de narrar tudo com exatidão e detalhes. É muita coisa pra pensar e sentir em tão pouco tempo.
Do ponto de vista do ofício, naquele dia, sentimos que fizemos um bom trabalho. A nossa missão é reportar e foi, exatamente, isso que fizemos. A opinião é do público. Mas, o dever da informação – seja ela qual for – é nossa. Ali, calhou de eu estar perto de tudo e conseguir mostrar a notícia do início ao fim. Mas isso foi pura coincidência. O que valeu, de verdade, foi o olhar do Paullus. Foi ele quem viu primeiro. Foi ele quem percebeu antes mesmo de mim.
Eu digo isso com orgulho porque sei que tenho uma equipe disposta a participar do trabalho pra valer. São caras que vão muito além do que está escrito no crachá. Não é "cada um faz o seu". É cada um fazendo o nosso. Eles são tão repórteres quanto eu. E, pra ser sincero, não seria possível fazer o Balanço Geral Manhã só com os meus olhos na rua. Eu não daria conta. O que você vê na televisão, representado por repórteres e apresentadores, muitas vezes, ou quase sempre, tem o carinho e o cuidado de quem passa longe do vídeo, mas chega, chegando, no fato. Vive da notícia. Vive a notícia.
Veja a cobertura, ao vivo, no Balanço Geral Manhã
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