Sair por aí livre e saudável. Mesmo com a grana curta, tomar a vida nas próprias mãos nem que por um período apenas. E realizar, materializar um desejo.
Se eu não tivesse entregado no título, aposto que ao ler o parágrafo anterior o leitor seria induzido a pensar no período pós-pandemia e em algumas das coisas boas a se fazer quando as ondas de contágio se forem na areia.
No entanto, estou a dizer sobre junho de 1990, quando saí pela segunda vez do território nacional (a primeira nem deveria revelar, mas fui dois anos antes a Ciudad del Este, no Paraguai, comprar telefone sem fio da marca Cobra ) e cruzei por terra a fronteira entre o Brasil e a Bolívia por Corumbá (MS).
Ao adentrarmos ao solo boliviano depois de saltar do táxi que até ali nos levou (estávamos eu e o grande amigo Jaime Lopes), chegamos a pé à estação de trem de Puerto Quijarro para lá pegar o mítico ‘Trem da Morte’, que nos desovaria 20 horas depois em Santa Cruz de La Sierra.
A época uma cidade de médio porte, enriquecida pelo tráfico de entorpecentes que transformava proporcionalmente a grande quantidade de drogas circulante em picapes 4X4 rodantes por largas alamedas. De lá seguimos por Cochabamba até La Paz, capital do país a 3600 metros de altitude em relação ao nível do mar e base para conhecer as lindas ruínas pré-colombianas de Tiwanaku.
Depois Lago Titicaca, nova fronteira (agora com o Peru), cidade de Puno e finalmente baixamos em Cuzco, centro do império Inca onde o coração, que já batia forte até então com tanta riqueza cultural, patrimonial, artística e geográfica do lado boliviano (aconselho a quem tiver algum preconceito com aquele país, deixar isso de lado e mergulhar fundo em todas as suas dimensões), disparou na Plaza de Armas, centro da cidade e polo de encontro entre incontáveis mochileiros de literalmente todos os cantos do planeta.
No dia 24 de junho, um pouco depois da nossa chegada, acontecia a Inti Raymi, a festa do Sol dos antigos Incas cujos descendentes até hoje celebram, na data em que anualmente o sol se encontra no seu ponto mais distante do hemisfério sul, a colheita e oferecem sacrifícios aos deus-sol.
Após dias de toneladas de chuva e de neve, e (úmidos) passeios indescritíveis pelos arredores da cidade, finalmente o divino sol atendeu aos pedidos e descemos no km 88 da ferrovia que leva os turistas de Cuzco ao início da Trilha Inca. Cruzamos o rio Urubamba numa manhã e, três dias e meio após percorrermos o caminho de cerca de 40 quilômetros de vales, picos andinos, paisagens maravilhosas e um cansaço insano, descortinamos Machu Picchu numa branda manhã.
Continuarei na próxima semana, ainda a bordo da mochila que me levou não só nesta rota como a outras tantas que ainda viriam a ser experimentadas.