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França interfere no Líbano e busca recuperar poder no Oriente Médio

Indicação de novo primeiro-ministro libanês remete aos tempos em que França e Reino Unido redesenharam a região, após a Primeira Guerra

Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7

Adib (esquerda) teve reunião Macron em Beirute
Adib (esquerda) teve reunião Macron em Beirute Adib (esquerda) teve reunião Macron em Beirute

A indicação do diplomata Mustapha Adib como primeiro-ministro do Líbano, na segunda-feira (31), sob influência da França, foi mais um evidente exemplo da configuração do Oriente Médio após a Primeira Guerra Mundial.

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Adib se reuniu em Beirute com o presidente francês Emmanuel Macron. Ele foi escolhido após o governo anterior renunciar por causa da explosão no porto de Beirute, no início de agosto.

Neste modelo, há uma tipo de controle indireto. Em vez de se enraizarem nos próprios países, administrando-os diretamente, potências europeias como a França e o Reino Unido, historicamente, buscaram livrar-se da pressão e ficar apenas com as vantagens deste tipo de domínio.

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A solução encontrada foi a tentativa de conceder aos países desta área conflituosa uma espécie de "independência controlada".

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Com o tempo, porém, fatores internos, como a briga pelo poder entre etnias locais, e externos, com a ascensão dos Estados Unidos e da União Soviética, depois Rússia, passaram também a influenciar o jogo político, esvaziando o objetivo inicial.

Mas resquícios deste domínio europeu ainda predominam, exemplificados nas últimas interferências francesas na política libanesa.

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A ingerência vem sendo retomada principalmente desde 2018, quando o então primeiro-ministro Saad Hariri, sentindo-se ameaçado pelo Hezbollah, renunciou e foi para a Arábia Saudita, depois retomando a função.

Na ocasião, Macron recebeu Hariri no palácio presidencial do Eliseu para uma reunião que ajudou a fortalecer a base do primeiro-ministro.

Além da tentativa de pacificar o Líbano, este papel de mediador, para o governo da França, o impulsiona a se manter no jogo de poder na região, na qual ela vinha perdendo força, apesar de seu forte vínculo cultural com a sociedade libanesa, que em grande parte fala o idioma francês.

França e Reino Unido, desde o esfacelamento do Império Otomano, que controlava a região até o fim da Primeira Guerra, viam nesta parte do Oriente Médio uma posição estratégica e riqueza petrolífera.

Ambas, inclusive, já interferiam na região desde o século 19, nos prenúncios da industrialização e da busca de mão de obra e fornecedores baratos. Em 1842, após conflitos violentos entre drusos e maronitas, franceses e britânicos aproveitaram para apoiar os grupos locais.

Ganharam, assim, terreno por aquelas áreas, mesmo com o Império Otomano tendo formalmente o controle do que antes era apenas denominado como Síria (a Grande Síria, que englobava o Líbano).

Os franceses deram apoio aos maronitas no norte e os ingleses apoiaram os drusos no sul. Sangrentos conflitos se sucederam, enfraquecendo o poderio otomano, que, já sem recursos e infraestrutura, via seu domínio se esfacelar.

Foi um passo inicial para uma nova configuração do Oriente Médio, que iria se desenhar a partir de 1918, quando o fim da guerra deu início a novas disputas.

Disputa territorial

O Acordo Sykes-Picot, assinado em 1918 por França e Reino Unido combinava, em vez da plena autonomia, uma divisão daquele cobiçado Oriente Médio entre os dois governos.

A informação foi vazada pela Rússia, inimiga na Primeira Guerra, e acabou fazendo com que ingleses e franceses perdessem a confiança das populações árabes.

O jeito, então, foi buscar governos que atendessem aos interesses das duas nações europeias e, ao mesmo tempo, conseguissem manter sob controle as populações.

A Conferência de San Remo ratificou o acordo Sykes-Picot. Pela divisão, os ingleses continuaram com o controle da província otomana da Mesopotâmia (hoje Iraque) e da parte sul da província otomana da Síria (Israel, Palestina, Síria e Jordânia).

Para a França, foi destinada outra parte da Síria do império otomano (o atual Líbano e a província de Hatay, hoje parte da Turquia).

Os ingleses não deixaram os franceses ocuparem a parte setentrional da então Palestina (hoje Israel), argumentando que a Declaração Balfour (que prometia conceder aos judeus o direito a um Estado na refião) lhes dava legitimidade sobre a área.

O interesse maior era competir com os franceses, que iriam controlar o oleoduto de Mossul, no controle do oleoduto de Haifa, o que deu aos ingleses o mandato sobre a Palestina.

Iniciou-se, então, uma disputa velada entre França e Reino Unido que instigou muitas revoltas de árabes contra judeus.

O interesse francês era financiar combatentes árabes para alimentarem a instabilidade da região e obter ganhos territoriais, já que as fronteiras ainda não estavam estabelecidas.

Membros de famílias poderosas locais, então, barganhavam o poder. A divisão dos países acabou ocorrendo com base em interesses da França e do Reino Unido.

Grupos ligados a Faiçal, por exemplo, filho do xerife de Meca, derrotaram franceses na região mas, no momento em que este iria assumir o trono da Síria, acabou expulso pela própria França.

Os ingleses, então, para compensá-lo, ofereceram o controle da região ao redor de Bagdá e ele foi proclamado rei de um novo país, o Iraque. Seu irmão, Abdullah, passou a comandar a recém-criada Jordânia.

A ideia de a França e Reino Unido manterem militares nestes locais e governá-los diretamente, portanto, estava para caducar, em função da revolta das populações contra a presença de ambos.

Seria mais fácil, então, interferir à distância.

Mas, com o tempo, disputas locais acabaram por desviar a prioridade destes novos governantes em atender os desejos das potências que, por outro lado, abriram mão da perda de poder direto para, pelo menos, ajudá-los a se manter no cargo.

Algo semelhante ao que acontece hoje com o sírio Bashar al-Assad e seu protetor maior, a Rússia. E a rotina do Oriente Médio prossegue atendendo muito mais aos interesses de governos aliados a potências ou a grupos que predominam pela violência.

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