A tarde era nublada em São Paulo naquele 4 de julho de 1990. Na sala, de frente para o jardim da casa, assistia com meu amigo à semifinal da Copa do Mundo, entre Inglaterra e Alemanha, na Itália.
Inglaterra vence a Suécia por 2 a 0 e vai à semifinal da Copa após 28 anos
As cenas são inesquecíveis daqueles últimos minutos da prorrogação. O marcador na TV se aproximava do fim de jogo e eu via extasiado aquela saga, de duas equipes ainda à procura do gol. Era um tempo de inseguranças no Brasil e de esperanças no mundo.
O presidente Collor estava no meio de seu curto governo, já deixando muitos brasileiros atônitos diante daqueles dias de tensão, dificuldades econômicas, instabilidade da democracia e sensação de a população estar à mercê de grupos políticos.
Na seleção brasileira, a sensação de distância chegava a assustar, já que não estávamos tão acostumados com essa onda de jogadores atuando fora do país. Era um clima de falta de transparência e arrogância. Dava mesmo a impressão de haver um vácuo entre a equipe e o povo, situação simbolizada naquela fraca campanha e no discurso também assustador, por ser isolado e teimoso, do treinador Lazaroni.
O mundo, por outro lado, trazia novidades. A queda do muro de Berlim ocorrera meses antes, após o colapso das ditaduras soviéticas. A imagem conciliadora de Gorbachev trazia bons ventos. Também na África do Sul, o clima se pacificara, com a libertação de Nelson Mandela e sua mensagem de paz e esperança.
Não foi à toa que Alemanha e Inglaterra chegaram àquela etapa da Copa. A esperança havia preenchido também as equipes. E preenchiam, com aquela entrega, a sala de minha casa, aquecida por um velho tapete verde.
O futebol segue as movimentações geopolíticas e, naquela tarde em São Paulo, via aqueles minutos finais, na verdade tentando pará-los, porque ambas as equipes esbanjavam esperança, luta, determinação, como se refletissem o que suas populações sentiam em seus países.
O Brasil vivia um momento distinto. E eu em minha juventude, também. As perspectivas de uma vida pela frente em um país ainda atrasado, sentindo-me envolto na incompreensão alheia, me assustavam. Social e individualmente. Assistia àquela semifinal europeia com uma dose de admiração. Pela organização, pela conquista de novos tempos.
Waddle, da Inglaterra, chutou a bola por cima, nos pênaltis. A Alemanha brindou a reunificação com o título.
Naquela tarde, eu briguei com minha irmã porque ela queria que eu tirasse o carro da frente da casa, minutos antes de o jogo acabar. Meu pai ficou bravo comigo. Lembro-me de seu olhar acusador, de como me senti mais solitário. A bola de Waddle subiu, também solitária.
Parece estar caindo agora, 28 anos depois, quando a Inglaterra volta a uma semifinal de Mundial. Caiu em um Brasil turbulento e em um mundo um tanto intolerante.
Aquela Copa era a da reunificação. A Inglaterra não perdeu a alegria após a derrota. Esta é a Copa do Brexit. Entre elas, uma bola, ainda sem saber para onde ir. Mas não há retrocesso sem evolução.
E ambos viajam pelos anos, em forma de acontecimentos, perdas e perdões. Da Inglaterra, de pais, de irmãs. Tudo na memória, aquecido por um tapete verde. Acho que para isso é que servem as Copas do Mundo.