Nunca antes na história deste país, pessoas comuns se interessaram tanto em saber detalhes sobre a composição das vacinas como vem ocorrendo durante a pandemia. Dá para entender, claro, devido a seriedade da crise de saúde que estamos enfrentando. Mas, esse conhecimento raso tem feito com que parte do público queira selecionar qual tomar.
"Só tomo Pfizer", diz um. "A AstraZeneca acho melhor não arriscar", observa outro. Essa predileção por marcas vem sendo criticada por muitos especialistas, já que, apesar de não termos respostas concretas sobre efeitos colaterais ou até mesmo eficácia, a vacina tem sido a única esperança do mundo para o retorno a uma possível normalidade.
De todo modo, quando falamos em vacinas, um questionamento necessário e urgente a ser feito é sobre a nossa dependência enquanto nação de insumos importados e a nossa baixa capacidade para produzir esses imunizantes em território nacional.
Investimento na época do regime militar
Em 1985, por exemplo, o país abrigava cinco fábricas com capacidade para produzir vacinas. Naquele ano, os militares queriam tornar o Brasil independente no que se refere a criação de imunizantes e lançaram o Programa de Autossuficiência de Imunobiológicos (Pasni). O principal objetivo da ação era reduzir drasticamente as importações.
E assim aconteceu. Houve um grande destino de recursos financeiros para os institutos ampliarem a capacidade de produção e tal investimento tornou o país capaz de montar suas próprias vacinas, como a da febre amarela, poliomielite, tuberculose (BCG), tríplice viral e hepatite B.
Porém, com o passar dos anos e com a entrada de novos governos, os investimentos e esforços se voltaram para a importação. "China e índia se destacaram, desde então, como produtores de insumos, inclusive, farmacêuticos. Assim, esses institutos brasileiros foram envelhecendo e muitos fecharam. A verdade é que não houve um investimento contínuo para o desenvolvimento científico e de novas tecnologias. Hoje temos apenas duas instituições de peso, a Bio-Manguinhos, da Fiocruz, e o Instituto Butantan", observa o médico, doutor em imunologia, professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração, Dr. Jorge Kalil.
Quando foi diretor do Instituto Butantan, o Dr. Jorge Kalil empenhou esforços para que a vacina da gripe fosse produzida em território nacional, e conseguiu. "Hoje a vacina da gripe é fabricada inteiramente no nosso país, mas precisamos de mais autonomia, ainda é pouco", alerta.
Vale lembrar que, ao mesmo tempo em que temos atualmente apenas dois institutos fortes para produção de vacinas, o que chama atenção é que, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal, há dezenas de fábricas voltadas para vacina veterinária, auxiliando o Brasil a se manter na liderança da exportação de gado.
Privatizar pode ser uma solução?
A pandemia escancarou esse problema antigo que atinge o setor farmacêutico. É claro que a Bio-Manguinhos e o Instituto Butantan são extremamente importantes. Só que para deixarmos de depender tanto do produto externo para ter sucesso nos programas de imunização precisamos pensar em como mudar essa realidade. "Apesar de termos uma ciência brasileira muito forte, com excelentes profissionais, não conseguimos acompanhar a evolução, por falta de investimentos", destaca o Dr. Jorge Kalil.
Para ele, algumas possíveis soluções seriam priorizar a ciência e fazer parcerias com o setor privado. "As empresas privadas estão se interessando mais por esse processo. Temos que incentivar essa participação. Precisamos deixar de lado o medo da relação entre o público e o privado para que as boas pesquisas consigam caminhar para as indústrias. Para, assim, termos uma indústria farmacêutica inovadora e de qualidade, e não apenas produzindo genéricos", acrescenta.
Desse modo, seria necessário investir esforços para que o país se torne, cada vez mais, independente. "Nos Estados Unidos, por exemplo, o grande Instituto de Pesquisa de Vacinas fica dentro do Instituto Nacional de Saúde, que é governamental, mas a produção é privada. Nós fazemos ao contrário, a pesquisa é privada e a produção, pública. Precisamos refletir sobre isso", destaca.
Kalil diz acreditar no sucesso da vacinação brasileira, mas revela que essa não deve ser a última pandemia a assolar o Brasil. "Com o ministro da saúde, Marcelo Queiroga, passamos a fazer um trabalho forte de compra de vacinas. Até o final do ano, poderemos vacinar toda a população brasileira, o que é fantástico, porque em países do mesmo tamanho que o nosso é bem difícil conseguir isso. Mas, a verdade, é que nós, especialistas da área, sabemos que o coronavírus não será o último a nos atacar. Os vírus estão sempre ameaçando sair do controle. Por isso, devemos nos preparar da melhor forma. Temos que investir mais em pesquisas, no desenvolvimento tecnológico e ter uma política de acompanhamento das doenças", conclui.