Fome, bullying e depressão: as lágrimas de Diego Hypólito
Todo o incrível sacrifício do maior ginasta da história do Brasil por uma medalha olímpica numa entrevista reveladora, chocante, exclusiva e que revela os bastidores do esporte deste país...
Bicampeão mundial e medalha de prata na Olimpíada de 2016.
Maior ginasta da história do Brasil.
Quem tem uma visão superficial de Diego Hypólito, aos 38 anos, pleno, comunicativo, palestrante, comentarista, estrela circense, dono de instituto para crianças carentes que desejam ser ginastas, não pode ter ideia da sua sofrida trajetória.
“Treinava pulando em pneus e caindo em tatame de judô. Via minha irmã [a também ginasta Daniele Hypolito] fazendo suas piruetas e eu imitava. Viram que tinha talento e comecei a treinar no Sesi”, diz.
Morava em um bairro pobre em Santo André (SP). Seu pai era motorista de ônibus e sua mãe, costureira. Não imaginavam ter dois ginastas espetaculares em casa. Logo o talento dos dois foi reconhecido. E o Flamengo os convidou para treinarem no Rio.
“Só que foi um caos. O Flamengo havia prometido emprego para o meu pai. E nos dar uma ajuda confortável de custo. Iríamos só nos preocupar em treinar. Mas o Flamengo quebrou financeiramente. Não havia dinheiro para os atletas. Foi terrível. Passamos imensas dificuldades em casa. Sem dinheiro para pagar a luz. Ficamos oito meses vivendo com velas”, revela.
“Tínhamos dificuldade até para nos alimentar. Teve um dia que a minha mãe pegou emprestada com a vizinha uma lata de leite condensado. E diluiu a lata com água. E nos deu para beber. Para matar a nossa fome e nos dar força para treinar”, relembra.
Não bastassem todas essas dificuldades, Diego ainda teve de enfrentar a crueldade dos atletas mais velhos do Flamengo. Passou por humilhações absurdas. Tendo de pegar pilhas com partes do corpo. Uma situação recorrente era deixá-lo trancado em aparelhos e coberto com talco. Traumas que se transformaram em claustrofobia, o que fez ficar anos com medo de elevador e entrar em aviões. Diego teve de superar uma severa depressão.
“Infelizmente isso acontecia porque havia permissão. Era impossível as pessoas mais velhas que nos coordenavam não saber do que a gente vivia. Os garotos mais novos que chegavam para a ginástica do clube sofriam muito. E ninguém nos protegia”, diz.
Com a crise financeira, comida escassa, casa sem luz elétrica, a ascensão de Diego no esporte chega a ser surreal. Os resultados eram espantosos. Foi conquistando Brasileiros, Pan-Americanos, etapas das Copas do Mundo. Até ganhar o bicampeonato mundial em 2005 e 2007.
“Foi aí que veio o apoio. De desconhecido, me tornei uma celebridade. Não tinha a menor estrutura psicológica para o que chegou. Era a época dos paparazzi aqui no Brasil. Passaram a me perseguir. Não podia ir para lugar algum. Eu só queria viver, aproveitar as minhas folgas. Viver também. Mas jornalistas fizeram muita maldade comigo”, relembra.
Tudo ficaria pior com a Olimpíada da China, em 2008. Era apontado como favorito para ganhar a medalha de ouro, no solo. Só que ninguém sabia que, mesmo bicampeão mundial, treinava em aparelhos sem a medida oficial olímpica: “Era absurdo. Quando chegou a disputa em Pequim, eu estava muito desgastado. Vinha de contusões. E, quando fui terminar a minha série, veio o famoso tombo de bunda. Foi terrível. Nunca senti tanta vergonha na minha vida. Tive de enfrentar mais crueldade”.
O tombo atrapalhou demais a sequência de Diego. Novas contusões e, mesmo assim, conseguiu índice para ir à Olimpíada de Londres. Outro vexame para um atleta com seu potencial. “Na semana da competição, estava gravemente contundido. Mas fui assim mesmo, querendo me superar. Só que meu corpo não conseguiu reagir. E eu caí de cara no chão. Foi horrível. Passei ainda mais vergonha. Não tive apoio. Só críticas”, revela.
Acabou inclusive o patrocínio do Flamengo. Foi convidado para treinar em São Bernardo. Mas quando chegou, tinha como seu técnico Fernando Carvalho Lopes, acusado e, depois, condenado por assédio sexual em ginastas.
“Eu não sabia nada disso. Foi um horror quando tudo explodiu. Mas eu queria de qualquer maneira competir na Olimpíada do Rio de Janeiro, por tudo que sofri. E conseguiu índice. Sentia que ninguém acreditava em mim. Estavam todos preparados para um novo vexame. Eu era um ginasta ‘velho’, com 30 anos”, afirma.
“Mas veio uma força gigantesca dentro de mim. Pensei em Deus e em tudo o que sofri. Fiz uma série excelente. E veio a medalha de prata. Foi uma redenção. Chorei muito. O ginásio inteiro no Rio ficou gritando o meu nome. Foi incrível. Valeu todo meu sofrimento.”
Mas a “recompensa” foi terrível. O São Bernardo deu calote no atleta. Mesmo com a medalha de prata, ficou sete meses sem o salário prometido, o que acabou o desgastando, encaminhando sua aposentadoria.
“Não quero nem pensar que competi na Olimpíada do Rio por esse clube. Fiquei com a medalha como um ex-atleta do Flamengo, que eu amo”, diz. Diego Hypólito sofreu 11 cirurgias durante a carreira. Diego segue sua vida agora como artista circense, comentarista, palestrante. “E o maior orgulho, meu instituto para crianças carentes que querem ser ginastas, no Rio. Quero encaminhar atletas no meu esporte, com todo respeito e dignidade toda criança e adolescente merecem”, finaliza.
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