O dia em que Tite não 'calou a boca' e encarou a Mancha Verde. A infernal passagem do treinador no Palmeiras
Tite só conseguiu comandar o Palmeiras em 20 jogos. Sua passagem foi marcada pelo rompimento com o diretor de futebol e pela perseguição das organizadas. Amigos garantem que o clube será o 'último' a que Tite voltaria
Todos os Blogs|Do R7 e Cosme Rímoli
São Paulo, Brasil
"Era sexta-feira, dia 28 de setembro de 2006.
"Eu trabalhava no Jornal da Tarde, que pertencia ao grupo Estado de São Paulo. Estava aguardando Tite no aeroporto de Guarulhos. A grande expectativa era que ele confirmaria ou não a demissão, pedida no Recife, depois que o então diretor de futebol, Salvador Hugo Palaia, o mandou 'calar a boca.'
"Tite havia reclamado da arbitragem de Alicio Pena Junior, que foi o juiz na derrota por 3 a 2 para o Santa Cruz. Ainda dentro do gramado, não para a imprensa. Mas Palaia tratou de mostrar sua irritação. De maneira agressiva, pública, mandando o técnico se calar.
"'O conselho que eu dou para o Tite é ele calar a boca e parar de criticar a arbitragem.' Na verdade, acompanhava muito bem o que acontecia nos bastidores. Palaia queria ter muito mais acesso às escalações, ter direito a palpitar sobre o time, que era fraco.
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"Gamarra, no final de carreira, lento, nem sombra do zagueiro espetacular que havia sido. Edmundo completamente descontente pela fragilidade dos companheiros. O esforçado Paulo Baier tentava motivar os parceiros de time. Mas faltava talento a Enílton, Daniel, Marcinho Guerreiro, Alceu, Francis, Marcio Careca.
"Tite assumiu a equipe na última colocação no Brasileiro. O treinador vivia uma péssima fase, havia encaminhado o rebaixamento do Atlético Mineiro, em 2005. Foi lembrado por estar desempregado e ser um técnico, àquela altura, barato.
"Ele tratou de aproveitar o intervalo da Copa do Mundo de 2006 para se trancafiar com os jogadores em um hotel em Itu. E trabalhou muito para dar estrutura tática a jogadores limitados. A missão dada pela diretoria era o Palmeiras não ser rebaixado de novo, como em 2002.
"Já com Cléber Xavier como auxiliar e Fábio Mahseredjian como preparador físico. Os resultados começaram a surgir. O futebol era feio de acompanhar. O Palmeiras de Tite era competitivo, deixava as linhas mais atrás, repassava a iniciativa do jogo aos rivais. O que desagradava a torcida.
"Tite tinha péssimo relacionamento com as organizadas palmeirenses. Lembro bem que Palaia tentou aproximar a Mancha Verde do treinador, que não aceitou dar explicações, se reunir com a cúpula da torcida. Situação que só complicou ainda mais sua vida no clube.
"A equipe fraca foi goleada pelo São Paulo, treinado por Muricy Ramalho. Perdeu por 4 a 1. Depois, o Santos, de Vanderlei Luxemburgo, massacrou o Palmeiras, na Vila Belmiro, por 5 a 1.
"De 20 partidas, Tite teve oito vitórias, cinco empates e sete derrotas.
"Se esforçava muito, apelava para o 3-5-2, 4-5-1. Não tinha apoio nas arquibancadas e nem nos corredores do Parque Antártica. A pressão pela sua demissão beirava o insuportável.
"Ele não tinha o apoio de Palaia, que nunca o perdoou por mantê-lo afastado das decisões sobre o time e também por não aceitar 'trocar ideias' com os chefes das organizadas.
"A situação ficou ridícula porque Palaia mal falava com o treinador. E não o defendia nas entrevistas. Muito pelo contrário. Deixava claro o arrependimento de tê-lo contratado.
"Durante os jogos, as organizadas, principalmente a Mancha Verde, chamavam o técnico de 'retranqueiro', 'covarde'. Era assustador.
"Tite já estava disposto a ir embora do Palmeiras. Considerava injusta tanta falta de apoio. Até que chegou a gota d'água, com Palaia o mandando calar a boca.
"O treinador, assim que soube da frase do diretor de futebol, o Tite pediu demissão do Palmeiras, ainda no Recife. A expectativa dos jornalistas era enorme em Guarulhos. Se o treinador confirmaria sua saída ou voltaria atrás.
"Só que no saguão do aeroporto não estavam apenas jornalistas afoitos pelo técnico, como eu. Mas centenas de torcedores da Mancha Verde. Com coros de 'covarde', 'retranqueiro' e 'fora do Palmeiras', estava clara a intenção dos torcedores.
'Mal o voo do Palmeiras chegou, o saguão virou um tumulto só. Os jogadores e a diretoria saíram por um portão lateral, evitando a imprensa e as organizadas, depois da derrota para o Santa Cruz.
"Nós, jornalistas, tivemos a possibilidade de entrevistar Tite em um reservado, fora do saguão. O treinador foi muito firme. A decisão da demissão estava tomada e ele não voltaria atrás. E ele estava pronto para ir embora do aeroporto.
"Assim que acabou a sumária entrevista, eu e alguns colegas repórteres avisamos a Tite que o melhor seria ele ir pelo portão lateral. Não passar pelo saguão. Aliás, de onde o entrevistamos, era possível ouvir as ofensas dos torcedores, chamando-o de 'covarde'.
"Foi quando me surpreendi com a coragem de Tite.
"'Não devo nada a ninguém. Vou sair pela saguão do aeroporto. Estou indo embora.'
"Policiais se apressaram a fazer um cordão para evitar agressões ao treinador. Mas, mesmo os mais ríspidos torcedores, não se atreveram a tocar em Tite. Os gritos de 'covarde' diminuíram. E ele saiu, de peito estufado, de cabeça erguida.
"Foi um dos atos mais dignos de treinadores que vi na minha carreira de 37 anos.
"No dia seguinte, Palaia teve atitude patética. Deu uma 'autoentrevista'. Ele mesmo se perguntava sobre a saída de Tite e respondia. O dirigente se mostrou completamente perdido, mal orientado. Sua saída do Palmeiras foi deprimente.
"O clube, já comandado porJair Picerni, escapou do rebaixamento na última rodada daquele Brasileiro de 2006.
"Tite só cresceu na carreira.
"Amigos do treinador dizem que o Palmeiras seria o último clube em que ele trabalharia. Ainda mais depois de sua enorme identificação com o Corinthians.
"Palaia deixou seu cargo de diretor ao fim do Brasileiro de 2006 e nunca mais teve cargo no futebol do clube..."
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