A vereadora Marielle Franco, morta na quarta-feira (14) no centro do Rio
Reprodução/InstagramOs últimos dias da vereadora Marielle Franco (Psol), morta com o motorista Anderson Pedro Gomes na quarta-feira (14), na favela em que nasceu, o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, foram corridos. Ela se dividia entre militância, organização de atos, horas de trabalho na Câmara Municipal e a vida pessoal.
No domingo (11) ela passou rapidamente na casa da namorada, Mônica, por volta das 12h30. Sem se demorar, voltou aos afazeres habituais. Ao entrar na casa da companheira, ela acenou para Carlinhos. Foi a última vez que ele a viu.
“A linha de pensamento dela praticamente reafirmou sua atuação, mas ela não queria ser política”, afirma Carlos Alberto dos Santos Gonçalves, 26 anos, morador da Maré.
Carlinhos, como era chamado por ela, conheceu Marielle no Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, em 2012 Ambos estudaram e organizaram encontros no local. “Ouvia ela falar sobre direitos humanos e isso me ajudou e influenciou muito. Ela era uma ponte muito específica que conseguia unir todos os movimentos, inclusive os que tinham algum tipo de atrito entre si”, diz ele.
Quando pensa em Marielle, Carlinhos se lembra dos atos na Maré. Em 2016, eles organizaram juntos uma manifestação contra a intervenção das Forças Armadas. “Ela era extremamente contra essa política”, lembra. “É muito difícil falar em atos em favelas porque qualquer coisa que acontece de errado pode ter consequências bem sérias e, mesmo assim, Marielle falava de um jeito forte, irônico, intelectual.”
Nascida na Maré e cria da favela, como gostava de se definir, Marielle preferia trabalhar de forma discreta, reservada. “Lembro dela como uma pessoa bastante resguardada”, afirma Jorge Magnun Santos Martins, 25 anos, também morador da Maré e amigo de Marielle. “É muito louco ver essa imagem dela tão pública.” Com os amigos, por exemplo, a então estudante tinha comportamento recatado e tímido.
O ponto de virada, segundo eles, foi quando Marielle decidiu se tornar vereadora pelo Psol. “Houve um problema, o partido não conseguiu atingir a cota mínima de mulheres como parlamentares, e Marielle veio nesse contexto. Ela chegou para representar esse conjunto de coisas: mulher, negra, da favela”, afirma Carlos. “O Psol é um partido branco, que está nas faculdades, não está na favela. Marielle se tornou esse ponto fora da curva.”
Apesar de sua representatividade na Maré, Marielle não era conhecida por todos os grupos da comunidade. Era entre os jovens que suas causas ecoavam mais fortemente. Carlos afirma, porém, que a Maré possui “ilhas políticas” que exercem influência sobre moradores. Era com os representantes desses grupos que a jovem tinha que disputar espaço. “Ela era contra o toma lá, dá cá entre políticos tradicionais, por isso, a resistência em atuar nesse espaço.”
Jorge Martins, também morador da Maré, conheceu a então estudante, a partir de um grupo comum de amigos em 2010. “Ela gostava de sentar na mesa do bar e trocar uma ideia”, lembra. Nessa época, quando não estava trabalhando, Marielle gostava de frequentar um samba organizado por amigos da Maré.
Marielle não bebia cerveja, apenas suco. Também gostava de falar sobre suas causas. Quando se sentava num bar ou restaurante o assunto não divergia muito de sua rotina normal. “Não tínhamos como não falar dessas coisas no bar. Ela levava a vida muito a sério”, diz Carlos. Ele se lembra que no Carnaval, por exemplo, enquanto outros líderes faziam uma pausa na agenda, Marielle brigava contra o assédio.
Para essas pessoas, próximas de Marielle, a imagem da transmissão publicada momentos antes de seu assassinato mostram exatamente o lado militante da vereadora.
Na noite em que Marielle foi morta, Jorge estava em casa quando recebeu a notícia. Demorou a acreditar. O olhar vazio, que carrega até hoje, é de quem ainda procura explicações. “No dia seguinte, havia pessoas chorando nas ruas da Maré”, diz. “A sensação que ficou agora é: como vamos resistir, como vou denunciar as coisas?”
Jorge se lembra que no último evento que ocorreu na Casa das Pretas, espaço em que Marielle participava do debate “Mulheres Negras Mudando Estruturas”, uma amiga lhe falou: “Temos que tomar cuidado, 2018 será um ano muito difícil.” Mas, segundo ele, nunca imaginariam que um assassinato vitimasse justamente uma representante do Estado.
Os moradores da Maré organizam para este domingo (17) um ato em homenagem à Marielle. “É um momento da história brasileira que não conseguimos entender bem. Só vemos um general na televisão para dar informações. É como se tivéssemos voltado a 1964”, diz Carlos.
“Agora entramos em uma outra etapa, precisamos reagir, mesmo sem saber direito como”, afirma Jorge. “Esse ato será o choro reprimido da quinta-feira na Maré.”