São Paulo Cidades de SP e RJ têm pelo menos 120 mil moradias em áreas de risco

Cidades de SP e RJ têm pelo menos 120 mil moradias em áreas de risco

IBGE apontou que municípios possuem 1.119.222 de pessoas nessas regiões. Salvador têm 45% da população em habitações inadequadas

  • São Paulo | Fabíola Perez, do R7

Deslizamento em Mauá deixou quatro crianças mortas e três adultos feridos

Deslizamento em Mauá deixou quatro crianças mortas e três adultos feridos

Amanda Perobelli/Reuters - 17.02.2019

As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro têm juntas, pelo menos, 120 mil moradias em áreas de risco monitoradas pelas prefeituras em fevereiro desse ano. Segundo dados obtidos pelo R7, a capital paulista possui 105.816 moradias monitoradas e a fluminense, 14.204 habitações precárias.

As administrações municipais não estimam, porém, o número de pessoas que vivem em áreas sujeitas a deslizamentos, enchentes, desabamentos e incêndios. No ano passado, um mapeamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelou que os dois municípios possuem 1.119.222 de pessoas em áreas consideradas de risco.

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O estudo apontou Salvador como o município com maior contingente de pessoas residentes em áreas com risco de movimentos, inundações e enxurradas com 1.217.527 cidadãos nessas condições, o que significa 45,5% da população em regiões inadequadas e precárias do ponto de vista da arquitetura, urbanismo e dignidade humana. São Paulo aparece em segundo lugar com a maior população do país vivendo sob condições precárias de urbanismo, com 674.329 pessoas, o que corresponde a 6% da população. O Rio de Janeiro está na terceira posição da lista, com 444.893 pessoas em moradias de risco, ou 7% dos moradores.

Distante de São Paulo apenas 51 quilômetros está a cidade de Mauá, onde, no sábado (16), quatro crianças morreram e três adultos ficaram feridos após um deslizamento de terra, provocado pelas fortes chuvas, atingir duas casas no bairro Jardim Zaíra. “São Paulo teve um enorme desenvolvimento industrial nas décadas de 1960 e 1970 com uma migração direcionada para a região do ABC paulista e nas proximidades”, afirma Luciana de Oliveira Royer, professora de planejamento urbano da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP.

A migração motivada, sobretudo, pela necessidade de mão de obra fez com que diversos trabalhadores se instalassem nessas regiões com empregos formais e moradias informais. “É o fenômeno da urbanização com baixos salários. Comunidades se formaram e geraram um passivo sem orçamento municipal para dar conta das demandas dessa população”, afirma.

Além dos movimentos populacionais, as características geológicas de São Paulo ajudam a entender como os fatores de risco se multiplicaram ao longo das últimas décadas. “São Paulo é muito rica hidrograficamente, a cidade inteira é formada por pequenos córregos e o padrão de ocupação urbano foi com avenidas sobre rios”, diz a professora. “Ao longo das décadas os córregos foram pavimentados ao mesmo tempo que a ocupação se intensificava.” O principal sistema viário foi construído sobre ou próximo de rios, como as marginais Tietê e Pinheiros, a avenida Nove de Julho sobre o rio Saracura, a avenida Vinte e Três de Maio sobre o rio Tororó. 

Os rios foram sufocados em áreas em que a água costumava desembocar. "As margens começam a ser ocupadas e o curso da água sofre retificações. As margens são impermeabilizadas, que absorvem água e provocam o alagamento", diz Luciana. Já os deslizamentos de terra ocorrem por ocupaçõpes em áreas em que mata ciliar é retirada. "O volume de água pressiona a terra e as regiões mais íngreme se tornam áreas vulneráveis."

Historicamente, a legislação impediu o desenvolvimento imobiliário em áreas com nascentes. Com isso, segundo Luciana, o mercado se direcionou às áreas com melhor infraestrutura, deixando as demais regiões sujeitas a ocupações. De acordo com a Defesa Civil de São Paulo, existem hoje 407 áreas de risco de alagamentos e deslizamento na cidade de São Paulo. A maioria está na região sul, com 176 pontos, seguido da zona norte, com 107 registros, zona leste com 100 locais mapeados e, por fim, a zona oeste com 24 pontos. Segundo a Secretaria Municipal de Segurança Urbana, 105.816 moradias são monitoradas em áreas que variam de baixo a alto risco em na capital paulista.

Áreas de risco e falta de planejamento

Chuvas provocam deslizamentos e deixam pelo menos sete mortos no Rio de Janeiro

Chuvas provocam deslizamentos e deixam pelo menos sete mortos no Rio de Janeiro

Divulgação Prefeitura Rio de Janeiro

Regiões de risco não estão restritas apenas a favelas. A professora do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Magaly Pulhez afirma que se trata de uma categorização técnica de terrenos relativa à estabilidade do solo e à geologia e localização do terreno. “São avaliadas e monitoradas a capacidade ou vulnerabilidade de determinadas áreas a deslizamento, alagamentos ou incêndio”, diz.

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Magaly, que também é pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da USP, diz que o deslizamento de terra é o maior risco, porém enchentes e alagamentos também são considerados riscos urbanos. “O que agrava as condições de habitação nesses locais é que são áreas que não têm mata ciliar, o solo fica exposto e, com uma carga de água muito intensa, fica sujeito ao deslizamento”, diz. Além disso, as moradias costumam ser precárias nesses locais.

A tendência para os próximos anos, segundo ela, é o cenário se agravar em função da ausência de uma política habitacional voltada a essas populações. “O Brasil tem programas muito antigos de urbanização e nunca foram suficientes”, diz. “Tivemos significativos investimentos, mas nos últimos anos houve uma redução de recursos destinados a programas de habitação.”

De acordo com dados do IBGE, a população total do país em áreas de risco era de 8,2 milhões habitantes vivendo em 872 municípios brasileiros. O estudo, realizado em parceria com o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), mostrou que 17,8% das pessoas nessas regiões eram idosos ou crianças, grupos etários mais vulneráveis. 

Destino das famílias

Fiações expostas e alagamentos castigam moradores na zona leste de São Paulo

Fiações expostas e alagamentos castigam moradores na zona leste de São Paulo

Edu Garcia/R7

As áreas de risco são repletas de agravantes que tornam a rotina de quem vive na região ainda mais difícil. “Estamos falando de precariedade habitacional: casas próximas de acúmulo de lixo, falta de acessibilidade, fiações elétricas expostas e falta de saneamento básico”, diz Magaly. “As ocupações ocorrem em áreas acessíveis para pessoas que não tem condição de comprar ou alugar e querem ter o direto de morar.”

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Para evitar desastres e tragédias como as que ocorreram no Rio de Janeiro, onde pelo menos sete pessoas morreram no início de fevereiro em decorrência das chuvas e deslizamentos. “O aumento do preço dos imóveis provoca o adensamento populacional nessas áreas e o sistema geológico não sustenta”, afirma Luciana. “Soluções paliativas devem ser tomadas em conjunto com medidas estruturais”, diz a professora.

A criação de um plano de contingência para situações muito evidentes é uma das medidas defendidas por especialistas. Um eventual plano de remoção, diz Luciana, deve ser acordado com as famílias. “Elas não têm condições de pagar aluguel por uma moradia digna. Uma vez removidas não conseguem sobreviver com um auxílio aluguel de R$ 400 por mês”, diz. “A política precisa ser pensada no longo prazo.” De acordo com dados divulgados nesta terça-feira pela pesquisa Fipezap, São Paulo foi a capital que apresentou o preço do m² mais caro do País: R$ 37,02/m².

* Colaborou PH Rosa, do Rio de Janeiro

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