Salário pago por organização social de saúde está abaixo do piso
Tiago Queiroz/Estadão ConteúdoEnfermeiros e supervisores que prestam serviços ao hospital de campanha do Anhembi, de responsabilidade da Prefeitura de São Paulo, têm recebido salários abaixo do piso da categoria – sem benefícios – e, a partir de contratações feitas por duas organizações sociais de saúde distintas, até cinco vezes menores que outros colegas pelas mesmas funções.
Profissionais do hospital, que preferiram não se identificar, relataram ao R7 que supervisores de enfermeiros admitidos pela OSS (organização social de saúde) Iabas, contratada pela prefeitura, recebem mais de R$ 11 mil por mês (sem descontos). Já os técnicos em enfermagem ganham mais de R$ 6.600 mensais.
No entanto, pela Univitta, uma espécie de quarteirizada contratada pelo próprio Iabas, o salário é muito menor: realizando as mesmas funções e com a mesma carga horária, os técnicos recebem R$ 1.950 por mês e seus supervisores, R$ 2.250 – os colegas de função do Iabas chegam a ganhar cinco vezes mais.
Os valores mensais pagos pela Univitta são, inclusive, inferiores ao piso salarial da categoria, informado pelo Sindhosfil-SP (Sindicato das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado de São Paulo): R$ 2.701,81.
Imagem do holerite, cedida por profissional do Iabas, foi editada previamente por denunciante
Arquivo pessoalPresidente do sindicato, Edison Ferreira da Silva explica que as OSS, “ao assumirem a administração em regiões distintas, devem por lei seguir as CCTs (convenções coletivas de trabalho) firmadas em cada região, independentemente de onde está situada a sua sede, respeitando assim a legislação vigente”.
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Soma-se à situação de precariedade de vínculo empregatício o fato de que os profissionais da Univitta não recebem benefícios como adicionais noturnos e ajuda de custo para condução, oferecidos aos contratados pelo Iabas. Muitos dos trabalhadores, inclusive, se deslocam por mais de duas horas por dia para chegar ao trabalho, tirando todo o valor do transporte do próprio bolso.
“Eu saí do projeto por causa disso. Os riscos são os mesmos, sendo que o profissional (supervisor) do Iabas recebe mais de 11 mil reais [mensais], sem considerar o adicional noturno. E nós tiramos 150 por plantão”, contou uma denunciante que havia sido contratada pela Univitta e deixou o trabalho pelas condições oferecidas e a diferença salarial entre as organizações.
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Segundo ela, em conversa com um dos coordenadores da Univitta logo ao início das contratações, ele teria explicado que a verba repassada pelo Iabas seria baixa, e por isso não havia possibilidade de aumento.
“Quando eu entrei eu vi que a diferença [de salários] era enorme, e a gente executava as mesmas tarefas. Não é justo. E ainda não tivemos respaldo nenhum. Eu aceitei, sim, mas não sabia que havia essa diferença. Quando descobri, aquilo me deixou tão em choque que preferi sair”, relata.
As profissionais que relataram a situação à reportagem disseram que a Univitta não permite que os contratados fiquem com suas cópias dos contratos. Relatos similares no hospital do Anhembi foram feitos pelos médicos do local, que, em reportagem, disseram que a OGS, também quarteirizada, não entregou as cópias dos contratos até o momento.
Como observa Flavio Batista, professor de Direito do Trabalho da USP (Universidade de São Paulo), há uma relação complicada na discrepância dos salários dos enfermeiros e supervisores no hospital de campanha do Anhembi.
Batista cita o artigo 461 da lei de nº 5.452: “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”.
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Segundo o professor, o trecho “mesmo empregador” é o ponto que garante regularidade às empresas, pois, apesar de fornecerem serviços diretos ou indiretos à Prefeitura de São Paulo, são organizações diferentes. “Desde que a lei liberou a terceirização e o STF disse que era constitucional, me parece difícil entender que essas pessoas trabalham para 'o mesmo empregador'”, comenta.
No entanto, de acordo com Batista, o ponto possível, ao qual os empregados citados na reportagem poderiam recorrer à justiça, são as convenções coletivas de cada categoria. Sendo o salário dos enfermeiros inferior ao piso, pondera o advogado, eles podem procurar por seus direitos.
Presidente do sindicato, Edilson Ferreira aponta sua orientação para a mesma direção do argumento de Batista:
“Se esses profissionais recebem valor inferior ao estabelecido na convenção coletiva, eles podem reclamar na justiça para que tenham seus direitos reconhecidos“.
Univitta
Procurada, a organização social de saúde Univitta afirmou, em nota, que foi contratada junto ao Iabas para trabalhar em caráter de urgência com a intermediação de mão de obra no hospital de campanha do Anhembi.
No texto, a organização ressaltou ser uma empresa privada e disse que as políticas internas de recursos humanos da empresa são de sua confidencialidade. Escreveu, ainda, que entende que as diferenças de valores pagos e benefícios são prática comum e que defende a livre concorrência do mercado.
Iabas
O Iabas respondeu por meio de nota. Confira o texto na íntegra:
O IABAS foi contratado para gerir o Hospital Municipal de Campanha do Anhembi e, para isso, além de empregar funcionários próprios, contratou temporariamente a Univitta para reforçar o quadro de colaboradores de enfermagem. O IABAS mantém relação contratual com a Univitta, que é responsável pela contratação e pagamento dos seus próprios colaboradores, sem que haja qualquer relação deles com o IABAS.
Com relação aos funcionários do IABAS, o Instituto mantém um plano de cargos e salários e oferece os benefícios previstos pela legislação trabalhista.