Secretária de Comunicação de São Paulo acumula dois cargos e ganha mais que o governador Tarcísio
Além dos R$ 31 mil como secretária, Lais Vita recebe quase R$ 10 mil para atuar como conselheira na administração de um porto no litoral paulista
São Paulo|Thiago Samora, da Record TV
A secretária de Comunicação do Estado de São Paulo, Lais Vita, acumula desde maio o cargo no Executivo com uma vaga no Conselho de Administração da Companhia Docas de São Sebastião, autarquia estadual que cuida do porto da cidade. A trajetória profissional da secretária é voltada para a área de comunicação, sem atuação no setor portuário.
Com a nomeação, ela passou a ganhar mensalmente R$ 40.988,27. O salário de secretária é de R$ 31.115,58, e a remuneração de conselheira, de R$ 9.872,69. A soma é maior do que o que recebe o chefe dela, o governador Tarcísio de Freitas, que tem remuneração de R$ 34,5 mil.
Ao ser questionada pela reportagem sobre ter uma possível experiência na área portuária, a ponto de assumir vaga como conselheira do setor, a secretária de Comunicação de Tarcísio de Freitas tentou justificar sua presença no Conselho de Administração da Companhia Docas de São Sebastião com um trabalho que afirma ter desenvolvido, entre 2019 e 2022, quando foi assessora de Tarcísio no Ministério da Infraestrutura.
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Lais diz ter feito parte da Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, responsável pela formulação das políticas públicas do setor, mesmo sem nenhuma formação profissional ligada ao setor portuário. Natural de Salvador (BA), Lais tem 35 anos e é jornalista. Ela se mudou de Salvador para Brasília em janeiro de 2019, quando foi trabalhar com Tarcísio no Ministério da Infraestrutura como chefe-adjunta da Secretaria Especial de Comunicação.
Na página oficial do Governo de São Paulo, o currículo de Lais Vita não cita nenhuma atuação na área portuária, muito menos o que teria feito na Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, responsável pela formulação das políticas públicas do setor.
Solicitamos à secretária de Comunicação de Tarcísio que apresentasse exemplos de trabalhos desenvolvidos por ela na Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, bem como quais conselhos deu à administração da Companhia Docas de São Sebastião, mas ela não se manifestou sobre essas questões, ao menos até a publicação desta reportagem.
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Na Unidade Central de Recursos Humanos do Governo de São Paulo, há um manual que disciplina a acumulação de cargos e a remuneração no estado. Lá consta que a regra geral é a proibição da acumulação, mas que há exceções.
A lei permite a acumulação de dois cargos de professor, de professor com outro técnico ou científico e profissionais de saúde com profissões regulamentadas.
No fim de 2021, Lais assumiu a chefia da comunicação do ministério, de onde saiu para a campanha ao governo do estado em 2022.
A secretária costuma acompanhar o governador em viagens. Em março, Lais foi com Tarcísio na viagem à Europa, quando ele visitou Londres, Madri e Paris. Em maio, a secretária de Comunicação viajou para Nova York com o chefe. Ela já tinha essa rotina na época do ministério. Em 2019, ela acompanhou o então ministro em um evento da área de transportes em Washington.
Antes de trabalhar para Tarcísio, Lais atuou na Rede Bahia, afiliada da TV Globo no estado, e para políticos do Partido dos Trabalhadores. Ela foi secretária parlamentar do então deputado estadual Zé Neto (PT) e depois diretora de comunicação da Prefeitura de Amargosa, na Bahia, administrada pelo petista Júlio Pinheiro.
Outro lado
Procuramos a secretária Lais Vita para uma entrevista, mas ela não quis falar sobre seus vencimentos. Por meio de sua assessoria, enviamos as seguintes perguntas:
— Qual o conhecimento da senhora na área portuária?
— De quantas reuniões a senhora participou desde que foi nomeada conselheira?
— Qual a função da senhora no conselho?
— Qual é o trabalho da senhora como conselheira?
— Como concilia o trabalho de secretária com o de conselheira?
— Somando as duas remunerações, ganha mais que o governador. A lei permite isso?
Lais Vita enviou a seguinte nota oficial, por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Comunicação:
“Todos os representantes dos Conselhos de Administração de empresas públicas, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, devem atender as exigências e critérios estabelecidos pela Lei Federal 13.303, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como pelo Decreto estadual 62.349/19, que regulamenta a aplicação da citada lei na esfera estadual.
Os representantes dos conselhos estaduais são eleitos e têm mandatos definidos por assembleias ordinárias, além de serem profissionais com experiência nos setores público e privado. A secretária preenche todos os requisitos e sua nomeação foi aprovada por todas as instâncias. Lais Vita, inclusive, integrou a equipe do Ministério da Infraestrutura de 2019 a 2022, do qual fazia parte a Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, responsável pela formulação das políticas públicas do setor.
As indicações de membros de conselho nas empresas estatais sob controle do Estado de São Paulo são realizadas de acordo com Deliberação do Conselho de Defesa dos Capitais do Estado-Codec e os Conselheiros são nomeados pela Assembleia de acionistas. A remuneração de conselheiros também obedece à Deliberação do Codec.
A secretária participou de todas as reuniões do Conselho desde a sua nomeação, em 01/05/2023. As reuniões são mensais e não impactam no pleno exercício de suas atribuições na Secretaria de Comunicação.
Sobre o teto remuneratório do funcionalismo estadual, há reiteradas manifestações da Procuradoria Geral do Estado, Tribunal de Contas do Estado e Supremo Tribunal Federal de que o valor pago por participação em conselhos não é considerado como salário, e sim verba de representação. O Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 1.485 – DF, consolidou o entendimento de que é permitido aos agentes públicos acumularem ao salário as gratificações recebidas pela participação em reuniões de conselhos estaduais.
As atribuições e responsabilidades de um conselheiro de administração podem ser conferidas nas leis federais nº 6.404/1976 e nº 13.303/2016. Tais atribuições evidenciam que as atividades de membro do Conselho de Administração e de Secretária conciliam-se perfeitamente, mesmo porque a atuação do Conselho não está ligada às atividades operacionais da empresa, mas sim a seu direcionamento estratégico e monitoramento da Diretoria, funcionando como elo entre a Diretoria e os sócios”.