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"Devemos ter menos medo de experimentar a angústia", afirma especialista sobre consumo excessivo de remédios

Crítico da indústria farmacêutica, ele está no Rio de Janeiro para palestras nesta quinta (15)

Saúde|Eugenio Goussinsky, do R7

No livro Admirável Mundo Novo, do escritor inglês Aldous Huxley, publicado em 1931, a sociedade foi programada para ser feliz e desfrutar de permanente prazer. Bebês eram preparados geneticamente para realizar no futuro determinadas tarefas, de acordo com suas funções sociais. As classes mais baixas eram formadas pelos ypslons que, no entanto, jamais reclamaram e tampouco ansiaram alguma evolução em suas condições.

Nada disso. Estavam eternamente satisfeitos com o que o destino, mesmo que muitas vezes injusto, lhes proporcionara. E quando qualquer ameaça surgisse para colocar esse cenário perfeito em risco, a solução comum era um medicamento: o soma. O soma era a solução "salvadora" para evitar qualquer tipo de tristeza ou depressão, situações tidas como tabus naquele meio.

Nesta linha de pensamento, uma corrente cada vez maior de médicos e psicanalistas tem trabalhado contra a ideia de que angústias e momentos de tristeza sejam automaticamente ligados a transtornos psicológicos que necessitam de medicamentos, como a sociedade criada, de forma crítica, por Huxley.

O médico Allen J. Frances, 74 anos, psiquiatra e catedrático da Universidade Duke, nos Estados Unidos, é um dos que se embrenharam no combate aos modismos da psiquiatria, que tem insistido, segundo ele em função de interesses de laboratórios, em diagnosticar distúrbios equivocados. Com isso aparece um também crescente número de casos, em grande parte apontados erroneamente como depressão, bipolaridade e TDHA (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), que, no fundo, deveriam ser considerados normais do dia-a-dia.

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Allen já liderou a equipe que ela­borou em 1994 o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico), o manual que define quais são, como se manifestam e como são os tratamentos das doenças e transtornos mentais. Desde então ele se tornou um crítico dos conceitos da Associação Americana de Psiquiatria, entidade responsável pela publicação também do DSM V, manual em vigor desde 2013.

O médico passou a se manifestar contra o surto de diagnósticos e o uso excessivo de medicamentos nesta área, escrevendo o best-seller Voltando ao Normal (editora Versal). Nesta quinta-feira (15) ele estará no Rio de Janeiro para dar palestras no IPUB/UFRJ, às 10h e no Pró-Cardíaco, às 19h30. Antes, deu a seguinte entrevista ao R7.

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R7 - Qual a diferença de “normalidade” hoje em relação a outras épocas passadas?

Allen Frances - A medicalização dos problemas da vida cotidiana encolheu o reino da "normalidade" e nos fez sentir clinicamente ou psiquiatricamente doentes. Há 50 anos Aldous Huxley colocou, muito bem, que "a investigação médica está fazendo um progresso tão extraordinário, que em breve nenhum de nós ficará bem." O excesso de diagnósticos de doenças ocorre igualmente nas práticas médica, cirúrgica e psiquiátrica e resulta em enorme quantidade de tratamentos exagerados e erros médicos frequentes.

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R7 - A ânsia por receitar e comprar medicamentos não é por si só uma patologia dos tempos modernos? Por quê?

AF - O maior responsável pela mercantilização das doenças são as empresas farmacêuticas, que obtêm enormes lucros por convencerem as pessoas de que elas estão doentes e precisam de pílulas.

Os pacientes, de maneira muito rápida, acabam tomando uma pílula para cada problema. Devemos ter menos medo de experimentar a angústia, mais medo das contra-indicações e das complicações destes comprimidos, especialmente os analgésicos opióides e os benzodiazepínicos ansiolíticos. Nos EUA, o dobro de pessoas morrem por causa de overdose de medicamentos de prescrição, em comparação com o consumo de drogas de rua.

R7 - Qual deveria ser o procedimento desses médicos que têm insistido em receitar medicamentos automaticamente?

AF - Hipócrates, o pai da medicina, disse há 2.500 anos algo que continua a ser verdade hoje: "é mais importante conhecer o paciente que tem a doença do que a doença que o paciente tem". Muitas vezes hoje os médicos não têm tempo para entender suas reais atribuições e acabam tratando dos exames laboratoriais, não das pessoas. Deveríamos ter mais clínicos gerais que falam com os pacientes e menos especialistas que se concentram em procedimentos.

R7 - De que maneira a indústria farmacêutica influencia para que os diagnósticos exijam o consumo de medicamentos?

AF - As empresas farmacêuticas têm criado uma barreira nebulosa para esconder o insucesso na criação de melhores drogas. Seu foco está na otimização dos lucros através da mercantilização da doença, cobrando preços ridiculamente altos, com um marketing agressivo direcionado a médicos e pacientes e controlando políticos.

R7 - Qual a melhor maneira de a pessoa saber se está realmente com uma depressão grave ou está passando por emoções que não podem ser consideradas doenças?

AF - O paradoxo é que a depressão severa é muitas vezes esquecida e negligenciada, enquanto a tristeza normal é mais diagnosticada e medicada. A depressão severa é caracterizada por alterações no sono, alimentação e energia; perda de interesse e envolvimento; agitação ou incapacidade de se mover; delírios ou alucinações; e pensamentos e impulsos suicidas. Esta é uma emergência médica que não vai desaparecer por si só. O tratamento imediato é necessário para evitar prejuízo ou até mesmo a morte.

Depressões leves são geralmente uma resposta compreensível a fatores de estresse, são transitórias, não necessitam de medicação e melhoram com o tempo, resiliência, redução do estresse e apoio familiar.

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R7 - Qual a melhor alternativa para alguém que, não precisando realmente de medicamentos, necessita lidar com situações de angústia e desânimo?

AF - As pessoas no Brasil enfrentam muitos problemas sociais e econômicos, que exigem soluções sociais e econômicas, não pílulas que aparecem em quantidade exagerada. Medicamentos psiquiátricos que são úteis - até mesmo essenciais - para os que realmente estão doentes, são desnecessários ou mesmo prejudiciais para as pessoas que estão passando por angústia, que é uma parte do dia-a-dia inevitável da condição humana.

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