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A quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus virou o mundo de cabeça para baixo e causou grande impacto nas relações humanas e no consumo. A psicanalista Maria Homem destaca o aumento no consumo de entretenimento, comida, produtos de decoração e de notícias, além de uma reconexão com a família, o fim da terceirização dos cuidados com a casa e a busca pelo autoconhecimento
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Houve um aumento no consumo de redes sociais (26,2%), entretenimento (22,8%) e jogos (20%), segundo pesquisa realizada pela empresa de mídia Comscore. A comparação foi feita entre os períodos de 9 a 15 de março (fora da quarentena) e 16 e 22 de abril. “Um dos efeitos do isolamento social é o consumo exacerbado. Consome-se de tudo: comida, filme, livro, live, streaming, internet. É uma forma de espantar o desespero”, afirma Maria Homem
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Um setor chama particularmente a atenção da psicanalista: casa e decoração. Uma pesquisa realizada pela plataforma de gestão de logística Intelipost, entre 26 de fevereiro de 10 de maio deste ano, aponta que esse setor registrou aumento de 250% na comercialização de produtos em comparação ao mesmo período de 2019. Para Maria Homem, isso se deve ao fato de a quarentena ter proporcionado às pessoas uma reconexão com elas mesmas e com tudo ao seu entorno
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A quarentena está contribuindo para mudança de hábitos já arraigados na cultura brasileira. “Nas classes mais altas, existe uma terceirização entre você e a sua casa. Nesse caso, há pessoas que se conectam com sua casa por você, como babá, empregada, faxineira e motorista. A quarentena desmonta isso”, diz
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Ela ressalta, no entanto, que esse não é um fenômeno exclusivo da classe alta. “As classes mais baixas, que normalmente faziam esses serviços para outras classes, se estão em casa e estão podendo receber o salário, também têm mais tempo de se ocupar da própria casa. Essas pessoas também terceirizavam a casa e os filhos para outras pessoas, enquanto trabalhavam na casa de pessoas mais ricas no centro. Tem todo um circuito centro-periferia que está repaginado, que dá oportunidade para tanto o centro quanto a periferia olharem melhor os seus entornos”, diz a psicanalista
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Segundo Maria Homem, outra consequência positiva do isolamento social é a aproximação das famílias. “Você está em maior conexão com seu filho, por exemplo. Com isso entende melhor o que ele pensa, como ele brinca e como ele aprende”
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Em paralelo a essa reconexão das pessoas consigo mesmas, com suas casas e com suas famílias, a psicanalista comenta outra faceta do isolamento social: a busca pelo autoconhecimento. “O que muitos pacientes relatam no consultório é que, ao olhar para si mesmos e para as coisas ao seu redor com mais atenção, percebem o quanto não estão bem dentro da própria casa, ou melhor, dentro da própria pele. Essa quarentena é uma oportunidade inédita na história de todo mundo se analisar. Não tem como você escapar de um confronto com você mesmo. Eu acho que isso justifica a explosão que houve na demanda de terapia”
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Observa-se, ainda, um aumento no consumo de notícias, o que revela um maior interesse das pessoas de entender não só a si mesmas, mas também o mundo ao seu redor. Ainda segundo a pesquisa realizada pela empresa de mídia Comscore, o número de acessos a notícias subiu de 725 milhões para 1 bilhão entre os períodos analisados. “Há uma demanda muito grande por informação. Por mais que haja dúvidas sobre o que é verdade e o que é mentira, devido às fake news, existe um movimento de entender o mundo, então aumentou também a absorção de notícia, de mídia em geral”
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Segundo a especialista, não há como afirmar categoricamente se essas mudanças tendem a perdurar no futuro, mas ela se mantém otimista. “Eu acho que vai depender do quanto a gente vai conseguir elaborar dessa experiência tão determinante. A gente tem mecanismos de defesa que tendem a nos ‘jogar’ sempre no mesmo. A gente é seduzido pela mesmice, pela repetição, por fazer as coisas da maneira como a gente sempre fez. Uma parte de nós é profundamente conservadora. Mas também temos um lado que é irrequieto, que vai adiante, e que quer, de alguma maneira, interrogar e fazer novas conexões”
*Estagiária do R7 sob supervisão de Deborah GianniniFreepik