Hoje em dia, há medicamentos para quase tudo. Acostumamos a recorrer a remedinhos para aliviar dores do dia a dia, como dor de cabeça, estômago, garganta etc., e somos bombardeados de receitas médicas ao procurarmos um profissional de saúde quando temos algo mais grave. Só que isso está começando a mudar: uma parcela da classe médica defende que alimentação balanceada e exercícios físicos são capazes de reverter diversos problemas de saúde e até doenças mais graves, como as cardiovasculares e autoimunes, tomando menos remédios. Essa é a chamada Medicina do Estilo de Vida.
Esta “nova medicina” defende a prevenção como melhor forma de tratamento e reversão de doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares, autoimunes e demências, que são a causa de aproximadamente 72,6% de mortes no Brasil, informou o cardiologista e presidente fundador da Abrasfev (Associação Brasileira de Saúde Funcional e Estilo de Vida), Fábio dos Santos.
— O atual estilo de vida da população é inadequado. As pessoas não se alimentam bem, não praticam atividade física, não dormem direito e vivem estressadas. O mundo também está problemático, principalmente do ponto de vista ambiental. Tomas Edison [inventor da lâmpada] já dizia que o médico do futuro não daria tantos remédios, mas [trabalharia] mais com dieta e exercícios físicos. Isso em 1890, 1900. Estudos mostram que pode ocorrer redução de 80% de doenças, inclusive de câncer, apenas com mudança no estilo de vida.
Durante o congresso LifeStyle Summit Brazil, realizado na semana passada em São Paulo, o especialista citou outro exemplo de um estudo americano (Lifestyle Heart Trial) onde através de um programa de alimentação mais baseada em vegetais, redução do estresse e atividade física reduziu e reverteu até 90% da angina (dor no peito) dos pacientes. Estes pacientes tiveram 300% de melhora no fluxo das coronárias (artérias do coração) do que o grupo que não fez nada ao final de 5 anos de acompanhamento.
Segundo a endocrinologista e nutróloga Vânia Assaly, a Medicina do Estilo de Vida começa ser mais aceita pela maioria dos médicos e profissionais de saúde, devido seu reconhecimento científico baseado em evidências.
— É muito melhor um modelo que valoriza a Saúde e educa o paciente do que apenas aquele que enxerga a Doença. O papel médico ficou, por muito tempo, mais em cuidar da doença do que preservar a saúde.
No entanto, Santos ressalta que essa visão não é contra os tratamentos tradicionais, mas acredita que os resultados podem ser potencializados com maior prevenção de doenças.
— Nós não somos contra os tratamentos medicamentosos e cirúrgicos que salvaram e salvam milhões de vidas. O problema é que, muitas vezes, o paciente chega na consulta com o colesterol elevado e o médico apenas prescreve medicamento, sem mudar o estilo de vida dele. Os profissionais têm que ser educadores e entender o todo.
A endocrinologista explica que, com a correria do dia a dia, as pessoas se preocupam menos com a qualidade do que comem. E isso contribui diretamente com o aparecimento de doenças ao longo da vida, inclusive de autoimunes.
— As pessoas estão malnutridas. Mesmo estando com sobrepeso, elas têm deficiência em nutrientes, que não pagam a conta de tanta pressão. Com o tempo, a gente perde a capacidade de regeneração e a doença vai se concretizando. Por isso, é preciso agir antes de a doença aparecer por completo. Quanto menor a variedade na dieta, maior o número de doenças autoimunes, por exemplo.
Para Vânia, outro ponto importante é o tipo de parto. Dados mostram relação do aumento de doenças autoimunes com as cesáreas.
— O parto normal possibilita um contato maior com flora bacteriana da mãe no canal de parto. Essa flora reconhece a história daquela família e sabe quais nutrientes são bons. Elas contam o nosso passado. Com a cesárea, não há esse reconhecimento e isso aumenta a chance da pessoa desencadear uma doença autoimune, por exemplo.
Cada indivíduo reage de forma diferente até com coisas do dia a dia, dependendo de sua sensibilidade, disse Santos.
— Uma pessoa coloca um aromatizador em casa para deixar o ambiente mais cheiroso, por exemplo. Essa substância pode não desencadear nada em uma pessoa, mas o contato agudo ou crônico pode desencadear diversas reações diferentes em uma outra pessoa. Isso demonstra um padrão individual de sensibilidade. Assim acontece com medicamentos, alimentos, etc. Precisamos entender o que é mais adequado para cada indivíduo.
Filhos sadios
A Medicina do Estilo de Vida também defende que é possível preparar futuros pais, pelo menos, nove meses antes de uma gestação. Desta forma, os filhos teriam mais chances de serem saudáveis ao longo da vida. A endocrinologista explica que, alguns vícios, como tabagismo, alcoolismo e drogas interferem na qualidade do espermatozoide que vai fecundar o óvulo.
— Não é só o óvulo e o útero que têm a responsabilidade de se encarregar da saúde daquele bebê. O espermatozoide também é um vetor de saúde. Isso é epigenética, que é como o ambiente e a atitude do indivíduo impactam na transcrição genética daquele feto, como se fosse um tricô. Eu vou construir um bom tricô se eu tiver nutrientes essenciais. O espermatozoide pode ser modificado se o homem fizer exercícios físicos e nutrição adequada antes da fecundação.
Ainda segundo o cardiologista, contaminantes ambientais podem ter consequências desastrosas para as pessoas e para o planeta.
— Nas últimas cinco décadas, a qualidade e quantidade de espermatozóides caiu em até 50-65% nas grandes cidades do mundo, segundo estudos. Não só nos homens, mas em várias espécies. Na Flórida (EUA), foi constatada infertilidade e até atrofia de órgão sexual em jacarés por causa da poluição ambiental.