Uso de máscara já é comum nos grandes centros, mas deve ser feito de maneira adequada
Julio Muñoz / EFE - 29.4.2020O médico e ex-ministro Luiz Henrique Mandetta havia afirmado em julho acreditar que o “novo normal” ocorreria a partir de setembro. Mas essa previsão será confirmada?
Para especialistas, essa flexibilização vai variar de acordo com a realidade de cada município. Além disso, muitos locais já vivem um “novo normal”, em que as pessoas voltaram para as atividades laborais, mas com novas regras de convivência, mesmo durante a quarentena e com o número de casos e mortes sem desaceleração significativa. “A gente vê pessoas circulando pelas ruas, mas a grande maioria fazendo o uso de máscara", afirma o infectologista Adilson Westhermeier, coordenador do centro de infectologia da Associação Paulista de Medicina.
Para ele, a retomada das atividades e o fim da quarentena depende do comportamento das pessoas e na aderência de medidas de prevenção, como uso de máscaras de maneira adequada, higiene das mãos, distanciamento social e assepsia do ambiente.
Atualmente, o país tem 3.722.004 casos de covid-19, sendo 47.828 registrados nas últimas 24 horas - o dado se refere ao boletim epidemiológico do Ministério da Saúde de quarta-feira (26). A média móvel de casos é de 37.370 por dia, uma variação de -16% em relação aos casos registrados em 14 dias.
Já em relação às mortes provocadas pela doença são 117.756 desde o início da pandemia, sendo 1.090 nas últimas 24 horas. O número de óbitos variou -5% em comparação aos últimos 14 dias. O Ministério estima que mais de 2,9 milhões de pessoas estão recuperadas.
“Ter essa diminuição é importante, mas mil mortes em 24 horas é um número alto, mesmo em um país continental como o Brasil. O ideal é que cheguemos a 0 mortes por dia, mesmo que ainda tenham casos”, explica Westhermeier.
Uma análise da Universidade Imperial College, em Londres, mostrou que o R0 da doença no país, índice que avalia a velocidade de transmissão, calculando quantas pessoas um infectado pode contaminar, começou a diminuir, mas aumentou novamente.
Na semana iniciada em 9 de agosto, o R0 era 1,01; na semana de 16 de agosto, baixou para 0,98; e na semana de 23 voltou para 1. “Se o R0 estiver abaixo de 0,9 significa que estamos caminhando para a diminuição dos casos. Se estiver acima, de 1 é um sinal de que a doença está fora de controle e as medidas precisam ser mais restritivas.”
Westhermeier explica que é necessário fazer o levantamento do R0 para cada município e organizar as ações separadamente. “Municípios que estão em um momento muito crítico da pandemia podem estar puxando esse número para cima no país inteiro.”
O pediatra Renato Kfouri, da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunização), explica que os números de morte e de casos nos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, que foram o epicentro da pandemia, já estão começando a se estabilizar e, por esse motivo, as flexibilizações estão sendo possíveis.
“Claro que temos que estar abertos a ter que recuar, se no monitoramento se perceber que está aumentando o número de novas internações, então precisamos fechar novamente”, explica.
Westhermeier acredita que talvez as mudanças no comportamento não sejam permanentes, mas podem perdurar por alguns anos, cerca de 4 ou 5, na opinião dele. “Se a gente voltar 100 anos e olhar para a gripe espanhola, em uma época que não se tinha vacina, no começo, as pessoas usaram máscara, mantiveram o distanciamento, mas depois isso foi esquecido.”
Ele explica que, no curto prazo, os comportamentos sociais serão diferentes. “Nada de aperto de mão, abraço, beijo, entre amigos. O jeito social de viver vai ser diferente. Mas a medicina está bem evoluída e quando conseguirmos desenvolver uma vacina ou um tratamento eficaz e acessível, poderemos voltar à normalidade.”
A pediatra Cristina Gonçalves Alvim, integrante do Comitê Permanente de Enfrentamento ao Coronavírus da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), explica que, para definir em que fase determinada localidade está são utilizados três indicadores: o número de casos, a velocidade de transmissão e a ocupação de leitos.
Para ela, é importante que a população se aproprie do conhecimento científico e entenda como ele funciona para que o combate à pandemia seja eficaz.
“Esse combate exige o comportamento individual. Ninguém quer andar de máscara, ninguém quer evitar aglomeração, por isso as pessoas precisam compreender por que é necessário nesse momento. As pessoas que mais são acometidas pela covid-19 são aquelas sem acesso à educação formal por isso precisamos levar informações de qualidade para a população.”
Cristina prefere não utilizar o termo “novo normal”, mas acredita que as transformações provocadas pela pandemia serão mais duradouras. “Se é novo, não é normal. Mas a pandemia nos colocou em um momento de reflexão e de pensar como a gente quer que seja daqui para frente.”
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Ela se diz otimista e acredita que haverá um senso maior de comunidade, de cuidado com o meio ambiente, do bom uso da tecnologia e de novos hábitos de organização nas cidades. “Poderemos ficar mais em casa, ver o que é possível de fazer nesse espaço, reduzir o trânsito nas cidades, os custos de tempo e dinheiro.”
Ela destaca que o país é continental e que as diferentes regiões estão em estágio diferentes da pandemia. “Isso não significa que devemos agir de forma independente. Existe dependência de produção de alimentos, de rede de serviço de saúde, as ações precisam ter uma coordenação, mas entendendo que as cidades estão em momentos diferentes.”
Para a pediatra, a chave para o combate da covid-19 é a vigilância rigorosa dos indicadores de estágio da pandemia. “Se está no nível amarelo, liberamos algumas atividades. Se não tiver adesão da população, os números de casos vão voltar a subir. A vigilância detectando isso, já fechamos novamente e esse movimento vai acontecendo até que seja possível liberar.”
Para Cristina, o momento atual pede três ações principais dos órgãos governamentais: fazer uma estratégia de comunicação clara e objetiva para que aumente a adesão às medidas de prevenção; investir em ciência e investir no SUS (Sistema Único de Saúde).
“O SUS é um modelo que serve de inspiração no mundo inteiro, mas sofre com sucateamento e falta de investimento. E é por meio do SUS que é possível fazer essa vigilância.”
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Westhermeier acredita que a melhor estratégia de combate da pandemia seria alocar os recursos em prevenção, fazendo testagem em massa e isolamento, mesmo das pessoas sem sintomas. “A prevenção é muito mais barata que o tratamento, que precisa de UTI, equipe médica, equipamento, medicação.”
“Para algumas famílias é muito difícil fazer o isolamento, em uma casa de um cômodo que moram 7 pessoas. No meu dia a dia no hospital eu vejo famílias inteiras internadas, a mãe, o pai, o filho, o irmão, cada um em um quarto. Teria que testar e levar essas pessoas que não têm condições de fazer o isolamento para um hospital, um ginásio adaptado como hospital de campanha, um hotel, para que ela possa fazer o isolamento.”
*Estagiária do R7 sob supervisão de Deborah Giannini