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As ironias do promotor e a estupidez de quem não entendeu a piada

Em texto irônico, Avelino Grota critica preconceito contra negros no Brasil

Brasil|Celso Fonseca, do R7

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Num domingo de agosto, como ele mesmo disse, propício à reflexão, o promotor de Justiça José Avelino Grota usou o grupo do Facebook MP/SP Livre para discorrer num longo texto sobre pobres e negros.

Com uma crueza propositalmente exagerada, o texto fala em negros e pobres "catiguentos", entre outros despautérios. É uma peça obviamente carregada de uma brutal ironia, um hino de sarcasmo como perceberia qualquer inteligência mediana.

Avelino, que, pasmem!, é negro — ou pardo, de acordo com sua própria definição —, perpetuou uma pérola ácida sobre a condição do negro e do pobre no Brasil, a partir de uma decisão judicial que arquivou investigação sobre a obrigatoriedade de babás se distinguirem nas bordas das piscinas dos clubes da elite paulistana com seus impávidos uniformes brancos, esse sim um problema sério.

Avelino carregou na tinta, no exagero e de certa forma retratou o velado e camuflado pensamento que a elite tem a respeito de negros e pobres, mas tem vergonha de verbalizar. Foi fundo na ironia e qualquer um, ainda mais eruditos membros do Ministério Público, perceberiam suas intenções.

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Ironias, sarcasmo e exageros são recursos corriqueiros na literatura, na linguagem oral e, sem eles, não existiria algo tão precioso como o humor judaico.

Pois bem, colegas vazaram o texto para a imprensa e, estranhamente, para autoridades da Polícia Civil, e agora Avelino enfrenta ações disciplinares internas na Procuradoria Geral e na Corregedoria.

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Seu texto, repito, é uma pérola da boa e cruel ironia, mas o transformou num racista perigoso. É de lembrar o velho e bom Franz Kafka em seu clássico O Processo, em que um funcionário público se vê do nada engolfado por uma enrascada judicial sem volta. Daí o termo "kafkiano", sobre viver situações absurdas e sem sentido. O irônico Avelino vive seus dias de Kafka. E no Ministério Público, há quem não tenha entendido a piada.

A ironia de Grota numa rede social já lhe rendeu, ao menos, uma investigação interna do MP. O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, determinou a abertura de um processo para apurar a postagem do promotor.contra a decisão judicial que arquivou investigação sobre a exigência de clubes paulistanos para que as babás usem uniforme branco. “Foi ironia pura, sarcasmo.”

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Leia a seguir mensagem original do promotor:

“Domingos convidam à reflexão, e, como não tinha muito o que fazer aqui em casa – e trabalhar estava fora de cogitação -, passei a meditar sobre a questão das babás e das roupas brancas que os clubes dos paulistanos ricos exigem dessas profissionais. Analisei, ponderei e cheguei a algumas conclusões. Vamos a elas. Pobre, em regra, é feio; babá, em regra, é pobre; logo, babá, em regra, é feia.

Atentem que disse “em regra”, porque, devemos admitir, há pobre bonito; mas, visivelmente, isso é uma exceção.

Já rico, se não nasce bonito, fica bonito com o tempo, porque o dinheiro ajuda ao menos a corrigir alguns defeitos de nascença e os avanços médicos nessa área são notáveis. Quanto ao pobre, coitado, nasce feio e morrerá feio, porque não tem dinheiro suficiente nem para comer direito, que dirá para suplantar as várias imperfeições que, unidas, formam e conformam a feiura.

Aliás, pobre não tem dinheiro sequer para se vestir direito, e suas roupas, assim, são também feias, o que agrava a situação estética de quem as usa.

Pobre, ademais – e isso é notório -, costuma ser negro.

Negro no sentido lato da classificação, o que inclui, além de que é preto, o vasto contingente de pardos, dos mais clarinhos aos mais escurinhos.

E negro, como todos sabem, tem o péssimo costume de não dar muita atenção à higiene – tanto do corpo quanto da roupa.

Não se pode também deixar de registrar que a cor branca reflete o calor do sol, em vez de absorvê-lo.

É por isso que negro, em geral, é catinguento, porque sua muito e, não tomando a quantidade diária certa de banhos, acaba fedendo mais do que o recomendável.

Daí porque o uso da roupa branca pelas babás é uma solução muito adequada.

Em primeiro lugar, o branco é a cor da pureza, e, ao usar roupa branca, a babá, que é feia, se transforma, ficando um pouquinho menos feia – porque pureza não combina com feiura e, assim, passamos a dar mais atenção ao puro branco da roupa do que à feiura de quem a veste.

Em segundo lugar, roupa branca é a que suja com mais facilidade, e, desse modo, o patrão da babá verá mais nitidamente se a empregada está ou não limpa – e, se não estiver, ordenará imediata troca de roupa, precedida, é claro, de um banho, o que tornará a babá menos fedentina.

Em terceiro lugar, roupa branca esquenta menos; portanto, a babá suará menos; por conseguinte, federá menos.

Em quarto lugar, como geralmente repugna ao bonito dar de cara com o feio, o uso de roupa branca permitirá aos mais sensíveis desviar-se a tempo do caminho, evitando encarar a feia criatura que verga o traje branco.

Em quinto e último lugar, a roupa branco também serve para que os novos capitães-do-mato, que nos clubes de ricos, são chamados de seguranças (e, mesmo sendo, em regra, negros, usam roupas pretas), possam ficar de olho nas babás, não para fins libidinosos, como é próprio dessa gente, mas para cuidar de que elas não se sentem em lugares proibidos a babás, não entrem em lugares vedados a babás e mesmo não comam e não bebam comidinhas e bebidinhas que babás não podem e não devem comer e beber.

Sei que minhas reflexões podem não ter alcançados todo o espectro do problema – afinal, domingo também clama pelo ócio e pela preguiça mental -, tanto que, consultados alguns colegas, não encontrei ninguém que com elas concordasse, e, ainda que viesse a entrevistar um por um todos os promotores e procuradores, estou certo de que não acharia ninguém que desse razão a este pensador dominical.

Estou tão convicto, no entanto, da justeza de minhas ponderações e conclusões que não poderia deixa-las apenas em minha cachola, motivo único de compartilhá-las aqui no grupo.

Dito isso, e esperando ter contribuído para o regozijo geral, vamos à feijoada domingueira, que ninguém é de ferro".

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