No mesmo dia em que a comissão do impeachment do Senado votará o relatório sobre seu possível impedimento, a presidente Dilma Rousseff usou mais uma cerimônia no Palácio do Planalto para defender seu mandato e atacar o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP).
— Não vamos nos iludir. Todos aqueles que são beneficiários desse processo, como, por exemplo, aqueles que estão usurpando o poder, infelizmente o vice-presidente da República, são cúmplices de um processo extremamente grave.
Em seu discurso, Dilma comentou o afastamento de Cunha na quinta-feira (5) pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e afirmou que, com isso, o Poder Judiciário confirmou que o presidente da Câmara afastado "usava de práticas condenáveis".
"Uma das práticas mais condenáveis foi a chantagem explícita contra o meu governo", disse, ressaltando que a situação é "descarada".
Sem comentar que o governo pretende questionar no Supremo o fato de Cunha ter conduzido o processo de impeachment na Câmara, Dilma disse que "o pecado original deste processo não pode ser escondido".
— Não foi só chantagem explícita, é um golpe explícito e o desvio de poder.
Dilma reiterou que o processo de impeachment que enfrenta é um golpe e representa uma eleição indireta, e disse que o eventual governo liderado pelo vice-presidente Michel Temer vai querer aplicar programas que não foram referendados nas urnas.
Na quinta-feira, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo disse que pedirá ao STF a anulação do processo com base no "desvio de finalidade" do presidente da Câmara.
A presidente, que participou nesta sexta-feira (6) de cerimônia relativa ao Programa Minha Casa Minha Vida, afirmou ainda que sabe que é "muito incômoda" para alguns e reafirmou que não irá renunciar.
— Eu tenho a disposição de resistir. Resistirei até o último dia. Vivemos um impeachment golpista; é ridícula essa questão de pedaladas fiscais.
Pouco antes de começar a cerimônia, o ministro do desenvolvimento agrário, Miguel Rossetto, chamou o vice-presidente Michel de "impostor" e ameaçou avisando que seu "governo ilegítimo não terá um minuto de sossego". "Ele (Temer) é um golpista e seu governo não terá legalidade", comentou o ministro. E acrescentou: "Será uma crise prolongada e não haverá estabilidade política no País com um presidente impostor".
Retrocesso
Ao defender o programa Minha Casa Minha Vida, Dilma afirmou ter "consciência" de que o "golpe" não é exclusivamente contra o seu mandato.
— Fui eleita com 54 milhões de votos e com um programa. O que está acontecendo é uma eleição indireta, que é travestida de impeachment. Vão querer, na maior cara de pau, referendar um programa que não foi eleito nas urnas", completou.
Sem citar diretamente Temer, Dilma disse que vão querer reduzir o Bolsa Família "a pó". Segundo ela, a proposta sugerida pelo PMDB de limitar o benefício a 5% da população deixará "mais de 36 milhões de pessoas à margem". "O bolsa família hoje contempla 47 milhões de pessoas. A proposta reduziria para 10 milhões", disse.
Mesmo com o impeachment em estágio avançado, Dilma seguiu falando de metas e prometeu a contratação de mais 2 milhões de casas no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida Segundo ela, ao final de 2018, o governo terá construído mais de 5 milhões de unidades habitacionais. "A cada oito brasileiros, um terá uma casa do Minha Casa Minha Vida", afirmou. Na cerimônia desta sexta-feira, o governo anunciou a contratação de 25 mil unidades habitacionais no âmbito do programa.
Apoio social
Como aconteceu nos últimos eventos no Palácio do Planalto, a cerimônia teve uma plateia - desta vez bastante reduzida - formada por claque de apoiadores de Dilma, como os movimentos sociais. Das cerca de 400 cadeiras separadas para o evento, mais de 100 estavam vazias.
O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, que discursou no evento, fez duras críticas ao processo de impeachment e disse que "é importante que se reafirme que há um golpe, conduzido pelo maior bandido da história, que é o senhor Eduardo Cunha".
Boulos questionou o fato de o Superior Tribunal Federal (STF) julgar pelo afastamento de Cunha. "Por que demoraram quatro meses para afastar Cunha? Dizem que tentaram higienizar o golpe, mas nem com muito desinfetante vão higienizar o golpe neste País", afirmou.
Boulos afirmou ainda que há um risco "real e iminente" de retrocessos no Brasil e garantiu que os movimentos sociais vão tomar as ruas após o afastamento de Dilma. "Não daremos nenhum passo atrás, presidente, e barraremos nas ruas esse golpe e qualquer retrocesso", disse o coordenador do MTST a Dilma. "O jogo ainda não está jogado. Nas ruas o povo está pronto para defender o golpe." "Para aqueles que querem ameaçar a democracia: não mexam com as conquistas históricas do povo brasileiro. A luta está na rua".