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Casal que teve filho morto na escola dá recado ao Brasil: 'Copiem tudo dos EUA, menos a violência'

Joaquin Oliver, de 17 anos, morreu assassinado em massacre na cidade americana de Parkland, em fevereiro de 2018

Internacional|Sofia Pilagallo, do R7

Joaquin Oliver com os pais, Manuel e Patricia Oliver
Joaquin Oliver com os pais, Manuel e Patricia Oliver Joaquin Oliver com os pais, Manuel e Patricia Oliver

Era uma quarta-feira como qualquer outra na vida do casal venezuelano Manuel e Patricia Oliver, que reside em Coral Springs, no estado americano da Flórida. Como de costume em um dia de semana, os dois trabalhavam em seus respectivos ofícios — ele, diretor criativo em uma empresa de música; ela, gerente de uma companhia de papel. Os dois ansiavam pelo final do dia, quando voltariam para casa e reencontrariam o filho, Joaquin, de 17 anos. Mas isso não aconteceu. Nem naquele dia, nem nunca.

Na tarde de 14 de fevereiro de 2018, Nikolas Cruz, um jovem de 19 anos, entrou armado com um fuzil na escola de Joaquin, a Marjory Stoneman Douglas High School, em Parkland, cidade vizinha a Coral Springs. O ataque ocorreu por volta das 14h20. Horas depois, Manuel e Patricia receberam um telefonema da escola, contam eles ao R7. O filho, assim como outros 16 adolescentes, estava entre as pessoas que morreram.

Cruz confessou o crime e foi preso logo em seguida. Depois, foi julgado e condenado à prisão perpétua. Mas, para Manuel e Patricia, o punitivismo está longe de ser o suficiente para proteger crianças e adolescentes americanas da violência armada. Por isso, eles criaram o projeto Change the Ref (Mude o Juiz, "juiz" entendido aqui como "os líderes"). Por meio de campanhas criativas, o casal conscientiza a população sobre os efeitos nocivos das políticas de armas nos Estados Unidos, uma das mais flexíveis do mundo. A arma adquirida pelo autor do ataque que vitimou Joaquin foi comprada legalmente.

Na última campanha do Change the Ref, Manuel e Patricia foram às ruas de Coral Springs e chamaram atenção ao fazer um apelo incomum. Eles pediram às pessoas que mandassesm seus filhos para a guerra, uma vez que estariam mais seguros lá do que na escola.

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Manuel e Patricia foram às ruas e pediram às pessoas que mandassem seus filhos para a guerra
Manuel e Patricia foram às ruas e pediram às pessoas que mandassem seus filhos para a guerra Manuel e Patricia foram às ruas e pediram às pessoas que mandassem seus filhos para a guerra

Segundo um dado trazido pelo casal, do relatório The State of America’s Children, produzido em 2021 pela organização Children's Defense Fund, desde 1963 quase 193 mil crianças e adolescentes foram mortos com armas de fogo nos Estados Unidos — mais de quatro vezes o número de soldados americanos mortos nas guerras do Vietnã, Golfo Pérsico, Afeganistão e Iraque juntas. Ataques a tiros em escolas representam 2% desse total, de acordo com Manuel.

Banner diz: 'Mande seus filhos para a guerra. É mais seguro do que mandá-los para a escola'
Banner diz: 'Mande seus filhos para a guerra. É mais seguro do que mandá-los para a escola' Banner diz: 'Mande seus filhos para a guerra. É mais seguro do que mandá-los para a escola'

No Brasil, ataques com armas de fogo em escolas vêm se tornando cada vez mais frequentes. Um levantamento do Instituto Sou da Paz, divulgado em novembro de 2022, mostrou que, nos últimos 20 anos, houve 12 ataques desse tipo em escolas no país. Os mais marcantes na memória dos brasileiros foram o massacre em Realengo, bairro do Rio de Janeiro, que em 2011 vitimou 12 crianças e adolescentes; e o massacre de Suzano, cidade do interior de São Paulo, que em 2019 deixou dez mortos. Na época, o episódio de Realengo foi tratado como um caso isolado.

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No último mês, o assunto "violência nas escolas" voltou aos noticiários no Brasil depois de dois casos que aconteceram com poucos dias de intervalo. Em 28 de março, um menino de 13 anos matou uma professora e feriu outros cinco estudantes com o uso de uma faca em uma escola estadual em São Paulo. Oito dias depois, em 5 de abril, um homem invadiu uma creche em Blumenau, no estado de Santa Catarina, e matou quatro crianças com uma machadinha.

Apesar de não se tratar de casos de violência com arma de fogo, como os de Realengo e Suzano, os episódios preocupam as autoridades. Governos de vários estados, entre eles São Paulo e Santa Catarina, anunciaram políticas públicas para ampliar a segurança nas escolas.

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Manuel acredita que os Estados Unidos exercem uma influência muito grande sobre o Brasil e o resto do mundo, o que possivelmente teria contribuído para os episódios de violência em escolas por aqui. Apesar disso, ele ressalta que os países são muito diferentes, sobretudo no nível social, e por isso não devem ser comparados.

"Os Estados Unidos exportam muitos comportamentos para o resto do mundo — por meio de Hollywood, das notícias, da moda. Mas o que eu digo é: 'Copiem tudo de nós, menos a violência'", afirma.

"No Brasil, há uma desigualdade social muito grande, problemas relacionados à violência entre gangues. Para mim, é mais fácil entender por que esses ataques ocorrem aí. Nós, por outro lado, vivemos em um país de Primeiro Mundo e, ainda assim, temos uma taxa de violência altíssima. Chegamos ao ponto de nos perguntar: 'Quando será o próximo tiroteio?' Pode ser agora mesmo, enquanto fazemos esta entrevista", completa.

Segundo a organização Everytown for Gun Safety, nos Estados Unidos, o ano letivo que começou em agosto de 2021 e terminou em maio de 2022 teve o maior número de incidentes com armas de fogo em escolas já registrado: 193. No ano anterior, haviam sido 62. Até então, o maior número de episódios de violência armada em escolas era de 75, desde que a pesquisa da organização Everytown for Gun Safety começou a ser feita, dez anos atrás.

Assista abaixo a uma mensagem de Manuel Oliver aos brasileiros, gravada com exclusividade para o R7:

Apaixonado por esportes e envolvido em questões sociais

De acordo com Patricia e Manuel, Joaquin era apaixonado por esportes, especialmente por basquete. O nome do projeto, Change the Ref, surgiu por causa da relação que Joaquin tinha com o basquete. O filho do casal acreditava que um árbitro — em inglês, "referee", ou simplesmente "ref" — deveria fazer um jogo justo e limpo, sem aceitar favores nem tratamentos especiais de nenhuma das partes. Um dia, Joaquin teve uma discussão com um árbitro e ficou fora de um jogo. Semanas depois, foi assassinado.

Joaquin posa para foto na Ilha de Alcatraz, na Baía de São Francisco, na Califórnia
Joaquin posa para foto na Ilha de Alcatraz, na Baía de São Francisco, na Califórnia Joaquin posa para foto na Ilha de Alcatraz, na Baía de São Francisco, na Califórnia

O nome Change the Ref surgiu a partir da ideia de que os políticos americanos, "que também são nossos árbitros", nas palavras de Manuel, estavam financiando mortes como a de Joaquin, ao receber dinheiro da NRA [National Rifle Association, organização americana que protege os direitos dos proprietários de armas de fogo] e da indústria de armas. Logo, era preciso "change the ref", ou seja, mudar os líderes. 

Outro grande interesse de Joaquin eram as causas sociais — entre elas, as políticas em relação às armas. Patricia descreve o filho como um menino "curioso", "à frente do seu tempo" e que "estava sempre preocupado com tiroteios em massa".

"Meses antes de morrer, Joaquin demonstrou preocupação nas redes sociais com a falta de verificação de antecedentes dos proprietários de armas", conta. "Ele se perguntava como rifles AR-15 ainda circulavam nas ruas depois do que aconteceu em Sandy Hook [tiroteio em massa que deixou 28 mortos em Sandy Hook, no estado americano de Connecticut, em 2012]."

Para Manuel e Patricia, o Change the Ref é mais do que apenas uma forma de honrar a memória de Joaquim. É uma maneira de o filho "se tornar um ativista, e não uma vítima". Eles acreditam que ainda há muitas coisas que Joaquin pode fazer com a ajuda deles e, principalmente, com a ajuda da tecnologia.

Em 2020, ano da eleição presidencial nos Estados Unidos, o casal usou inteligência artificial para trazer o filho "de volta à vida" e incentivar a população a votar em políticos que apoiam a proibição de armas no país. No vídeo, em apelo emocionante, o avatar de Joaquin diz: "A eleição de novembro é a primeira em que eu poderia votar. Mas nunca poderei escolher o tipo de mundo em que gostaria de viver. Portanto, você precisa votar por mim".

Manuel e Patricia ressaltam que, apesar do que muitos pensam, uma maior circulação de armas de fogo não é a solução para combater a violência, pelo contrário. Para eles, a indústria das armas criou a narrativa de que um cidadão desarmado é um cidadão vulnerável, "o que não é verdade". Pesquisas mostram que qualquer mínimo atrito pode evoluir para uma tragédia quando se tem uma arma.

Veja imagens do tiroteio que deixou 17 mortos em escola na Flórida

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