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Paraguai se torna o maior obstáculo para o Mercosul

Nação guarani se recusa a aceitar adesão da Venezuela, efetuada quando o país estava suspenso do bloco

Internacional|Fábio Cervone, colunista do R7

O governo paraguaio mantém a postura intransigente em relação à aprovação da Venezuela como sócio pleno do Mercosul e ameaça não retornar ao bloco até que esta e outras medidas sejam revisadas. Nesta semana, o ministro de Relações Exteriores guarani, José Félix Fernández, foi porta-voz da revolta diplomática:

- As últimas decisões do Mercosul não se ajustam ao direito internacional, não se ajustam a uma política internacional racional e que o Paraguai possa aceitar.

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Para as autoridades paraguaias, o país não deveria ter sido suspenso do Mercosul em 2012, após o impeachment do ex-presidente Fernando Lugo. Como a deposição do governante cumpriu com a Constituição nacional, a ação não foi antidemocrática e não feriu as regras do bloco, alegam os representantes da nação. Por isso, Assunção entende que, desde então, todas as decisões e propostas consolidadas na instituição pelos demais sócios não são legítimas , uma vez que os interesses do Paraguai foram ignorados. Tal postura é hoje o maior obstáculo para a harmonização e avanço da organização sul-americana.

Mesmo os afagos políticos das últimas semanas feitos pelos membros do Mercosul para amenizar a crise não convenceram as autoridades paraguaias a aceitarem as decisões aplicadas durante a suspensão do país. O comportamento expõe uma indisposição delicada de um dos fundadores do bloco e deverá ter impacto direto no processo decisório interno, o que implicará numa instabilidade institucional dificultando os consensos políticos exigidos para novos avanços.

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Ainda que seja evidente a dependência econômica do Paraguai em relação ao Mercosul, que agrupa os mercados e investidores estrangeiros mais importantes para o país, os governantes guaranis sabem também que a nação é essencial para o bloco. Os paraguaios são fundadores, ao lado de Brasil, Argentina e Uruguai, da organização regional e compartilham identidades e realidades similares. Os guaranis, além disso, ocupam geograficamente uma região estratégica para a integração do cone sul do continente. Tais aspectos lhes permitem uma conduta mais ríspida e lhes confere uma relevância diplomática inexistente em outras esferas internacionais.

Tudo indica que este é mais um sinal de que os governos paraguaios menos alinhados aos grupos de esquerda que atualmente dominam a política nacional dos sul-americanos não serão cooperativos com os parceiros de Mercosul. Esta realidade também afetará as relações bilaterais da região. É certo que em breve o Paraguai deverá questionar novamente os acordos de Itaipu, o que poderá acarretar no aumento do preço pago pelo Brasil pela energia comprada do vizinho.

Sobretudo para os brasileiros, que se consolidaram recentemente como a potência hegemônica da região, a crise no Mercosul é uma desagradável pulga atrás da orelha. Antes de qualquer coisa, Brasília precisa apagar o incêndio atual sem afetar os progressos do presente, como a incorporação da Venezuela. No médio prazo, é necessário construir um ambiente que evidencie os benefícios materiais, sociais e diplomáticos oferecidos pela organização. Concomitantemente, o Mercosul deve de fato ser incorporado ao projeto de desenvolvimento nacional do Paraguai.

Não é produtivo nem agradável para o bloco sul-americano ter que conviver com constantes imbróglios diplomáticos, como ocorre atualmente. Para se aprofundar a integração entre os membros do Mercosul é imprescindível um consenso político e cultural, além de um projeto econômico equilibrado, distributivo e duradouro.

Por que o Paraguai está fazendo tanto barulho?

Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que nos últimos dez anos o Brasil se consolidou como a principal potência da América do Sul. A nação se descolou em termos econômicos, políticos e sociais dos demais países da região. A Argentina, que no passado rivalizava com os tupiniquins, hoje não possui cacife para enfrentar diretamente o vizinho. Tal hegemonia brasileira alterou o equilíbrio de poder no Mercosul criando uma nova dinâmica institucional.

Antes, os sócios do bloco se dividiam apenas em dois grupos: de um lado os membros mais imponentes (Argentina e Brasil) e de outro os de menor relevância (Paraguai e Uruguai). Quando os brasileiros se distanciaram dos demais, eles criaram uma categoria específicas para a nação de maior peso. Ou seja, há algum tempo existem três classes de países na região, os pequenos (Paraguai e Uruguai), os médios (Argentina) e o maior de todos (Brasil).

A adesão da Venezuela reforçou tal hierarquia já que o país engordou a parcela mediana do grupo ao lado dos argentinos. Com isso, os venezuelanos também colaboraram para desgastar o peso político do Paraguai.

Além disso, o impeachment presidencial do líder de esquerda Fernando Lugo em 2012 e o atual cenário econômico e social paraguaio denunciam uma dissonância ideológica entre os guaranis e a maioria das nações sul-americanas. O Paraguai é o Estado com a maior concentração de terra do mundo. A atividade local depende da agricultura, que é dominada por um punhado de famílias. Por isso, a elite nacional é limitada e muito conservadora. Não existe uma diversidade produtiva, os meios de comunicação pertencem a poucos e a elite é composta por um grupo restrito de cidadãos.

Esta situação particular do Paraguai atrapalha a construção das prioridades coletivas do Estado. As autoridades nacionais tendem a privilegiar seus objetivos pessoais e impedem o desenvolvimento de projetos de interesse comum com resultados longínquos. Para os dominantes paraguaios, qualquer mudança é uma ameaça ao status desfrutado atualmente.

A elite paraguaia ainda acusa o Brasil de ser invasivo e imperialista, pois se limita a ver o Mercosul como um mecanismo de submissão política e econômica. Ela não percebe que as iniciativas de integração regional possuem um caráter ideológico e estratégico vital para o futuro sul-americano. No contexto internacional, a organização permite a projeção da cultura local para o mundo e o fortalecimento dos laços sociais e produtivos necessários para um ambiente pacífico de interdependência.

Especificamente para o Brasil, a conexão territorial com os demais países do continente é um aspecto que não só assegura uma realidade geográfica que estimula o convívio com outras culturas, como também implica numa permeabilidade fronteiriça bastante peculiar. O Estado brasileiro vê a exposição de seu território como uma fragilidade para a segurança nacional. A enorme e multinacional linha que delimita o País não pode ser controlada com eficácia. Diferente da realidade testemunhada entre EUA e México, onde foi possível erguer um muro que impede a circulação de bens e indivíduos ilegais, Brasília teria que gastar bilhões para conseguir cercar toda a nação.

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Por isso, diferente do que creem as autoridades paraguaias, o Brasil não pode se dar ao luxo de sugar as riquezas dos vizinhos. Uma desigualdade econômica e social extremamente destoante entre brasileiros e os demais sul-americanos resultaria em uma série de problemas para a nação privilegiada. Não é interessante para Brasília, entre outros sintomas, ver cidadãos da vizinhança invadirem seus centros urbanos a procura de empregos e assistência social.

O Mercosul exige muito pouco de seus membros e permite várias situações excepcionais. Seu projeto de integração é mais adequado e respeitoso com as características competitivas dos sócios que a corrida incondicional do mercado internacional. Se belgas e holandeses do alto de seus invejáveis padrões entendem que a UE (União Europeia) é um território muito mais confortável para seus produtos e interesses, pois assim evitam encarar potências globais como China e Índia: Porque o Paraguai teria um futuro mais promissor como combatente solitário contra o resto do mundo?

Será que a classe dominante paraguaia acredita que os objetivos que motivam o Mercosul são mais perversos que aqueles que alimentam os demais Estados do globo? As alianças internacionais se tornaram uma opção mais que necessária com o aprofundamento da globalização. Neste sentido, os laços culturais, geográficos e produtivos são as únicas referências que restaram para as nações.

Paraguaios, em vez de espernearem pelo leite derramado, tratem de sentar a mesa para palpitar sobre o cardápio que será servido. Quando o jantar chegar, tenha disposição para aproveitar a refeição e compartilhar a construção de uma vizinhança pacífica, equilibrada e democrática. 

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