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Massacre de Suzano: o desejo de matar

Arquivo Vivo|Percival de Souza

Não gostei das tímidas medidas de segurança, apenas ensaiadas, quando o massacre na Escola Raul Brasil – dez mortos - completa um ano. Isso porque confunde-se técnicas de pedagogia com técnicas de segurança e seus rígidos protocolos. De modo geral, a Polícia é hostilizada na escola, porque consideram que ela “invade espaço”. Resultado prático e não teórico: abolidos os uniformes, entra na escola quem quer, traficantes inclusive, e a Polícia somente pode entrar se for acionada. E quando é chamada... consumatum est.

Alguém precisa colocar na cabeça dos responsáveis internos pela educação que os idos de 1964 já engoliram, e faz tempo, os detentores do poder que implantaram no país os sombrios tempos de arbítrio institucional. O generalato de hoje – Exército, Marinha, Aeronáutica – era pré-adolescente nos anos sessenta. A atual geração militar nada teve com acontecimentos pretéritos. A contemporânea enfrenta as idiossincrasias geradas pelos desvarios ideológicos. Fato é que a segurança no interior das escolas é precária. Quem faz segurança não é comitê. É Polícia.

É por isso que não gostei das “providências” arquitetadas. Tenho professores na família e sei muito bem que significa ter medo de dar aula, ser atormentado (a) por alunos atrevidos, precocemente trogloditas, que agridem e espancam os mestres, submetendo-os a violência física e constrangimentos deprimentes. Tudo isso é muito mal, mas...mesmo assim Polícia não pode entrar. É preciso que se assuma isto, sob pena de cairmos na hipocrisia embrulhada em farisaísmo. Não basta se limitar aos burocráticos encontros com familiares para “conversar” e deixar absolutamente impunes (suspensão, admoestação, expulsão) os autores de fatos criminosos, eufemisticamente chamados de “atos infracionais”.

Por essas razões, e outras mais, é que a tragédia propriamente dita, dentro da Escola de Suzano, ficou em segundo plano. Vamos então ao prioritário primeiro plano, que gira em torno dos personagens da matança. Não sou fariseu. Trabalho com o primado do real, necessário de ser exposto aqui.

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Quem matou? Um adolescente de 17 anos (atividade criminosa, ressalte-se, não possui relógio biológico), Guilherme Taucci, e seu amigo de infância Luiz Henrique de Castro, 25. Ambos ex-alunos da Raul Brasil, invadiram a escola pela manhã, encapuzados e vestidos de preto, com coturnos, como se fossem arsenais bélicos ambulantes: revólver calibre 38 (numeração raspada, coisa de bandido), carregador de munição, machadinha e arco para disparar flechas. Ou seja: entraram na escola deliberadamente para matar.

Forte e incontrolável desejo de matar

Essa vontade de exterminar foi cultivada pelo ódio. Aprenda-se que não se passa a odiar da noite para o dia. A violência evolui aos poucos, aprendendo-se antes a odiar. Ou seja: torna-se violento depois, o ódio nasce bem antes. A Secretaria da Educação planeja contratar mais de 80 psicólogos ”para cuidar da saúde mental dos professores”. Não sei se da linha Freud ou Lacan, mas sei que os professores estão aterrorizados com o status quo. Afinal, os alunos problemáticos precisam é de disciplina, freios contensores. Em recente caso na zona leste de São Paulo, a diretora chamou a Polícia porque um ex-aluno se recusava a sair das dependências escolares. O moleque atrevido encarou a Polícia, que precisou usar da energia necessária. Resultado: policiais e diretora da escola afastados. Ridículo: o agressor virou anjinho.

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Guilherme foi o estopim. Mais novo que Luiz Henrique, tinha sobre ele total ascendência e domínio. Quando a Polícia chegou, já havia mortos e feridos na escola. Guilherme matou Luiz Henrique e depois suicidou-se. Era o pacto.

Observe-se que ambos não “invadiram” a escola, no exato sentido do termo, mas simplesmente entraram, porque nada os impedia de entrar. Afinal, nas escolas entra quem quer - menos a Polícia, é claro. Sandice ideológica implantada, à revelia do bom senso.

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Mas como seria a cabeça de Guilherme, o matador transpirando ódio? Era um menino sem eira nem beira, criado pela avó, porque pai e mãe, dependentes de drogas, não estavam nem aí com ele. Há quem diga que menor nessas condições precisa retornar ao convívio familiar, para se reestruturar. Há quem diga que qualquer droga precisa ser liberada, de maneira ampla e irrestrita. Há quem diga que tal personagem, precisa ser “reeducado”, dirigindo o mantra mesmo para quem nunca foi educado. Posições que não se ajustam com a nudez da realidade, que segundo Brecht, só muda pela própria realidade. Veste-se, então o manto diáfano da fantasia, como diria Eça de Queirós, com figurino desenhado para todos os tamanhos. O rei e seus súditos estão nus. O filósofo espanhol Ortega y Gasset já resumiu: “entre querer ser e pensar que já se é, vai a distância entre o sublime e o ridículo”.

“Família” de Guilherme... “todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira”, escreveu Tolstói em Anna Kariênina. A mal-aventurança de Guilherme foi escrita na carência e na ausência, na falta de afeto e na galopante vitória da banalização do mal em todos seus contatos cada vez mais triunfantes. Ele não existia, era o invisível que queria tornar-se visível, um “herói” em seus delírios de ascendência social. O “herói”, no caso, tem modelos. Os dos matadores de Suzano foram os atiradores da chacina de Columbine, nos Estados Unidos, em 2019, que deixaram um saldo de 13 mortes. Queriam algo que consideravam mais “grandioso”: matar mais e causar maiores impactos.

Por que? As perguntas morfológicas, funcionais, neurológicas, genéticas e biológicas se concentram no palco do duelo entre o “eu” pessoal” e o “seu” social. Guilherme se queixava de que era vítima de bullyng na escola. Ele tinha muitas espinhas no rosto, o motivo das chacotas. Acne, marca registrada para se considerar completamente diferente de outras pessoas. Essa análise é do FBI, a Polícia Federal norte-americana, que tem sua sede em Quântico, Virgínia. Ela traça o perfil do criminoso e é considerado modelo por várias Polícias do mundo, inclusive a brasileira. Na hora do confronto, diz o FBI, é preciso buscar a “solução satisfatória”, ou seja, a preservação, até as últimas consequências, da vítima. Sendo prioridade salvar a vítima, a vida do bandido fica em segundo plano. Entre nós, há uma preocupação muito grande em preservar o bandido em detrimento da vítima. É óbvio o equívoco.

O plano dos matadores de Suzano era vitimar o maior número que conseguissem, estuprar meninas e deixá-las nuas. Já feridas, as vítimas no chão eram golpeadas com a machadinha. A insanidade teve como primeiro alvo a coordenadora pedagógica Marilena Umezu, 59 anos, meiga e suave, que trava os alunos sempre com candura. Guilherme sabia disso, mas Marilena foi sua primeira vítima. Uma funcionária também foi morta a tiros.

Desejo de matar, desejo de vingança. Prazer mórbido, erotizado até, em ver o pavor das vítimas estampado nos rostos. Alegria, satisfação em matar.

Agora que você já sabe o que aconteceu dentro da escola em Suzano, pense nas medidas prometidas pelas autoridades consultadas – menos as da segurança, é claro. São consideradas “polêmicas”. A Polícia Militar, se eventualmente admitida, ficaria sem farda e desarmada. Protocolos de segurança seriam elaborados por professores e alunos. O que eles entendem segurança? Nada. Mas, ao que parece, entender não tem a menor importância.

Considerando-se tudo o que aconteceu no interior da escola Raul Brasil, responda: as providências em gestação são inibitórias para a prática de crimes? Professor deve ser agredido primeiro, para “apoio psicológico” ser oferecido depois? Psicólogo não é mago. Trabalha para decifrar os enigmas da alma humana. Na esfera criminal, existe a psicologia forense, que não é assistência social. É especialização. Não é para qualquer um. Não existe varinha de condão. Não se salta de paraquedas dentro de um cenário desses.

O dramaturgo siciliano Luigi Pirandello bem disse: “assim é, se lhe parece”. Aqui, assim não é, porque nada se parece cm o cotidiano escolar.

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