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Pai de amigo também tem importância

Quando um pai de um amigo do passado se vai, é acionado um mecanismo em nós que o reaviva em algum lugar, para sempre

Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7

Mesmo com a passagem do tempo, muito do que ocorreu na infância fica marcado. E basta um acontecimento para nos trazer de volta imagens e sensações de outrora.

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O pai do meu amigo Marcelo partiu na última semana, e logo isso veio à tona. Quando um pai de um amigo do passado se vai, é acionado um mecanismo em nós que o reaviva em algum lugar, para sempre.

Qualquer diálogo, qualquer passagem que se relacione aos adultos, na nossa infância, tem um impacto relevante. Um conselho, uma brincadeira, uma conversa, até mesmo uma bronca, ecoam em nós, anos depois, com uma mescla de ternura e inocência, que os fazem fortes e eternos.

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O homem é ínfimo diante da grandiosidade do universo, mas se torna gigante justamente pela força dessa pequenez. Em um gesto, a simplicidade humana passa muito mais do que a própria mensagem que, no momento, a pessoa queria deixar. O imediatismo é apenas um meio para, depois, se entender a essência da palavra eternidade.

Um "boa noite", por exemplo, antes de desligar a TV para ir dormir, em uma noite corriqueira na casa de um amigo, significa muito mais do que o tímido desejo de agradar.

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Torna-se um dos primeiros ensinamentos de como lidar com a solidão em uma casa alheia, um aprendizado infinito dentro do acúmulo de vivências que dão sentido a uma vida.

Conversei pouco com o pai do meu amigo. Mas a sua presença, diante de mim naquela época, ficou marcada pela postura tranquila e ao mesmo tempo firme de um homem generoso e educado, que, eu sempre soube, foi dedicado à família e à comunidade.

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A criança, assim como o tempo, não dimensiona o que se passa no interior do adulto, os problemas do cotidiano que ele pode estar carregando, as preocupações estampadas no olhar e que parecem apontar para o fim do mundo naquele momento.

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A criança só vê o adulto e, de seu prisma, capta as sensações que ajudam a formar a sua personalidade. Compara-as com a do seu pai. Faz a filtragem. Observa jeitos de falar, maneirismos, filosofias. Pode até não o conhecer bem, mas, mesmo assim, se baseia no adulto para aprender a conhecer a si mesma.

As imagens de um almoço na casa do pai do meu amigo, em um dia da semana, na copa do apartamento situado perto do meu clube, para mim uma região até hoje familiar, não se apagaram. O tema era o São Paulo, o time de coração dele e dos filhos.

Ou a cena de um almoço em família, comigo - o corintiano - de convidado, já na mesa da sala, quando se falava da expectativa da vinda do primeiro neto, durante a gravidez de uma de suas filhas.

E, desde que ouvi, há muitos anos, a história de que ele perdeu, na infância, um parente, atingido por um vidro que caiu de uma obra, fico sempre cauteloso ao passar ao lado de uma construção, olhando para o firmamento e sabendo que sua beleza pode ser traiçoeira.

Também nunca me esqueço da vez em que fui com o meu amigo para um sítio em Itapecerica e todos acharam graça porque eu, ainda menino, me embrenhei em uma profunda conversa política com uma das tias, na ampla sala, após o jantar.

Ser pai tem esse valor também. O seu significado para os amigos dos filhos. O que ele, voluntariamente ou não, pode lhes proporcionar. Seja o amigo próximo ou distante, mesmo que depois nunca mais se falem, os instantes de convivência podem ser um aprendizado, para os mais sensíveis ou não.

Vejo isso agora com meu filho e meço, em cada momento no qual um amiguinho vem em casa, a dimensão do significado de cada um dos meus atos.

Então brinco, busco ser agradável, participo, observo, às vezes não escondo o mau humor com a rotina e me recolho, deixando-os em paz. Em outras palavras, “me toco”. Saio conversando com o futuro, apalpando o tapete vermelho no qual torço para que eles caminhem rumo ao sucesso.

Poucos meses antes de o pai do meu amigo partir, o vi andando pelo clube, cabelos brancos e biotipo alto, um pouco curvado, como era seu estilo. Ia pelo trajeto que leva à sede social, ao lado da piscina.

Este trecho é acompanhado por bancos, canteiros e um amplo jardim arborizado, em relevo, chamado Praça Jerusalém.

Era fim de tarde. O céu estava limpo. O sr. Jayme já dava passos mais lentos, mas ainda firmes e em um ritmo adequado, mostrando a vontade de um vencedor, de caminhar pelos próprios pés. Deveria estar indo para mais um evento.

Não me reconheceu, enquanto passei por ele correndo, preocupado em completar uma volta do exercício. Mas sua imagem ativa foi mais uma que me marcou neste quebra-cabeça da vida.

Sonho que, um dia, um amigo de um filho meu me veja, já idoso, e me reconheça nas lembranças que deixei nele.

Ser pai, afinal, é, multiplicar o amor por seu filho, colocando algo desse amor em cada um de seus amigos. Pelo bem de seu próprio filho. Mesmo que silenciosamente.

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