Logo R7.com
Logo do PlayPlus
Publicidade

Rodrygo é mais uma prova de que drible virou o vilão do futebol

Agressões como a que ele sofreu têm sido aceitas com certa submissão no meio futebolístico, que também é um reflexo da sociedade atual

Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7

Rodrygo recebeu entrada violenta de Fucile
Rodrygo recebeu entrada violenta de Fucile Rodrygo recebeu entrada violenta de Fucile

Vivemos tempos muito estranhos. Agora precisamos de um VAR para saber se houve má intenção de Fucile em sua polêmica entrevista, na qual admitiu que tirou Rodrygo de campo porque estava levando um baile. Seria verdade ou não o teor da declaração após o jogo?

Este tipo de discurso do agressor, no entanto, sendo brincadeira ou não, tem sido aceito com submissão no meio futebolístico, um reflexo da sociedade. Porque, se depois ele se retratou, seu ato de agressão foi incontestável.

Santos publica manifesto contra violência de Nacional sobre Rodrygo

Precisamos de muitos VARs para tentar reverter lances de um mundo meio confuso. Autoritários são eleitos em países, com um discurso moralizador, que esconde discriminação e preconceito. E são aceitos, com a falsa ilusão de que eles resolvem. Refugiados são escorraçados de países que foram inclusive formados por refugiados.

Publicidade

Na internet, posts assinados criticam vítimas de direitos humanos mortas, culpam a estuprada, colocam nos sem-teto e sem recursos a responsabilidade pelo desabamento de um prédio.

Já não estamos mais na época em que as crianças eram espancadas pelos pais, sem que nada fosse feito. Mas o fortalecimento da lei ainda não serviu para reeducar verdadeiramente o ímpeto humano pela banalização do mal, sempre colocado no outro. Não dar tapinha em criança, afinal, para muitos ainda é coisa de "politicamente correto".

Publicidade

Hoje, no futebol, algo de ruim também está à solta, atacando a criatividade, concordando com os que peitam os ousados. Os renegados do morro que partem para cima, que desenham rabiscos inimagináveis no campo, deixando os pés adversários entrelaçados e enfurecidos, estão ameaçados. Como os refugiados, diante da sanha embrutecida que tomou conta de corações e mentes.

A Europa, tida como séria, é a referência. Lá, quem dribla muito é desrespeitoso. Essa submissão a uma ideia massacrante tem destruído o futebol brasileiro. Até por aqui, Neymar, em vez de receber apoio, é condenado por sua ginga. Estão seguindo a cartilha que interessa a outros.

Publicidade

Ninguém se indigna quando um zagueiro francês ou espanhol o agride com o argumento de que ele estava driblando muito. Pelo contrário, dizem até que os hornados carniçeiros têm o direito.

Onde está o brasileiro para bradar quando tentam espicaçar sua identidade? Ele adere a essa malhação. Não se lembra dos Didis e Garrinchas que passavam as tardes brincando com a bola, em jogadas lúdicas, geniais. Driblavam inclusive o entardecer que envolvia os campinhos de terra e as ruas de gente humilde. Mas com o tempo, seus dribles perderam força.

Não me surpreendo se daqui a pouco ouvir algum comentarista falando: "Rodrygo tem de se controlar, tem de ser inteligente, desse jeito os adversários se inflamam contra ele". Muitos brasileiros, hoje, acuados pela volta do velho complexo de vira-latas, estão se identificando com o agressor. E dando de bandeja para o futebol europeu, em um 7 x 1 diário.

Vivemos mesmo tempos estranhos. Fucile, sincero ou não, deve estar sendo idolatrado por seus torcedores. Mas, vamos supor que, mesmo sendo verdadeiras as boas intenções dele em relação ao jovem santista, o resultado delas foi oposto. Rodrygo se contundiu e poderia ser sério. Ele é a vítima, não o culpado por driblar.

Mas o senso da punição, hoje, está deturpado. E o da reflexão, esvaziado. À insanidade, resta aproveitar as brechas. E outros jogadores, estimulados, terão o mesmo orgulho do supostamente brincalhão Fucile em usar suas "ferramentas". Para aplauso de parte do público.

O mais importante hoje, porém, parece ser falar do VAR. Já está ficando repetitivo. É o que está em voga. O que não está na moda é se indignar enquanto Neymar é caçado em campo sem que o juiz faça nada.

Mais do que se falar do VAR, em exigências que são cansativos replays, a solução do futebol passa muito mais pela apropriação de um senso ético, por parte dos jogadores e de todo o entorno, do que de qualquer outra coisa.

Os editores, certamente, terão dor de cabeça em encontrar, em seus arquivos recentes, críticas àqueles que abusam da violência e da deslealdade dentro de campo. Inclusive com os árbitros - muitas vezes coniventes com a violência, mas também a parte fraca da história.

Piadista ou não, Fucile vai se manter com a moral tão alta que, daqui a pouco, estará exigindo que lhe peçam desculpas. E que lhe agradeçam pela sua benevolência. Afinal, ele não quebrou a perna do menino. Ainda bem que foi só torção. Era apenas uma brincadeira.

Últimas

Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.