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Nova Cracolândia tem símbolos do PCC e distribuição de droga de graça

R7 circulou pelo “fluxo” durante a semana  e flagrou feira de cachimbo, isqueiro e cachaça

São Paulo|Peu Araújo, do R7

Pichação recente na esquina das ruas Guaianases e General Rondon, ao lado da praça Princesa Isabel
Pichação recente na esquina das ruas Guaianases e General Rondon, ao lado da praça Princesa Isabel Pichação recente na esquina das ruas Guaianases e General Rondon, ao lado da praça Princesa Isabel

Dezenas de barracas e tendas formam um acampamento denso, quase impenetrável de lonas. Cordas cruzam como varais boa parte da praça Princesa Isabel, no centro da cidade de São Paulo. A grande quantidade de árvores facilita a construção dos abrigos que servem como comércio e moradia. Dentro do refúgio grandes pedras de crack continuam sendo vendidas quase como se fosse uma feira livre.

Por mais de uma hora o R7 circulou pela nova concentração do consumo de crack no centro da capital paulista e observou o consumo indiscriminado e a compra e venda da droga. Pichações e declarações de usuários ouvidos pela reportagem indicam a permanência da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) no local, onde, quase duas semanas após a operação da Prefeitura e do governo do Estado na antiga Cracolândia, formou-se um comércio informal de cachimbos para o uso da droga, isqueiro, cachaça, cigarro, e até biscoito recheado e pipoca doce.

O novo “fluxo” reúne centenas de pessoas e algumas particularidades, mas mantém a mesma dificuldade há mais de uma década: o tráfico e o consumo de crack.

Por questão de segurança não identificaremos nenhum dos entrevistados abaixo.

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De graça

Um homem alto, de olhos claros e barba comenta que no início da ocupação dos usuários na praça Princesa Isabel, no dia 21 de maio, o crack foi distribuído gratuitamente. “Eles jogaram pra cima.”

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Um rapaz de calça e camiseta esportiva não confirma que a droga foi dada dessa maneira, mas explica a intenção dos traficantes. “Eles [o PCC] entregaram só nas mãos dos ‘lagartos’ [pessoas que estão ali há muito tempo, sem familiares e mais vulneráveis]”. Segundo o homem, a ação foi tomada para que se formasse uma grande quantidade de pessoas no meio da praça Princesa Isabel e com isso, como numa cortina de fumaça, as barracas e tendas fossem levantadas sem levantar suspeita do policiamento.

Um homem com pouco mais de 50 anos está sentado confortavelmente com as pernas cruzadas em um sofá maltrapilho. As roupas aparentemente limpas dão a entender que ele está ali há poucos dias, ou que pelo menos tomou banho recentemente, mas a tranquilidade indica que está ambientado ao local. Outro senhor, com o rosto mais cansado e cabelos grisalhos, se aproxima e exibe a palma da mão direita. Nela uma pequena pedra, que se olhada de relance pode parecer apenas um pedaço esquecido de cimento. Ele dá o preço:

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— Três reais.

O senhor sentado desdenha da proposta:

— Eu não nasci ontem, rapaz. Tenho 55 anos.

O outro homem mostra a palma da mão esquerda com alguns farelos e fala que essa foi a parte que lhe sobrou. O homem sentado pega a pedra e não paga naquele momento. O outro vira as costas e vai embora desviando das cordas em meio às barracas.

O diálogo dá a entender que o comércio de crack barateou desde a mudança para a praça Princesa Isabel, mas os usuários não confirmam essa informação.

A alguns metros um jovem, que não parece ser usuário, segura uma sacola de supermercado com muitas pedras de crack ao lado do enorme monumento em homenagem a Duque de Caxias. Ele não anuncia o preço, não faz propaganda, apenas circula e é abordado rapidamente por alguns usuários. Segundos depois ele se perde no meio do “fluxo”.

Facção

Nas visitas à região, a reportagem do R7 viu algumas menções ao Primeiro Comando da Capital. Na esquina da rua Guaianases com a General Rondon, uma pichação em verde destaca a sigla da facção criminosa. Abaixo o número 1533 e o símbolo chinês de yin-yang, ambos os símbolos relacionados ao PCC. No meio do fluxo, uma lona branca também estampa uma pichação com as iniciais PCC.

Uma das citações mais curiosas está numa carcaça de uma cama box. Há novamente o símbolo chinês de yin-yang com uma coroa e as iniciais do PCC. Abaixo está escrito “Máfia Família” seguidos de um cifrão ($), um desenho de uma planta — em referência à maconha — e um triângulo simbolizando o pino da cocaína. Há ainda uma frase. “O senhor que mando (sic) o 1º [referência à facção] comando. Na paz do meu senhor.”

Menção ao PCC em carcaça de cama box no meio do "fluxo" na praça Princesa Isabel
Menção ao PCC em carcaça de cama box no meio do "fluxo" na praça Princesa Isabel Menção ao PCC em carcaça de cama box no meio do "fluxo" na praça Princesa Isabel

O movimento é intenso e a música é alta no novo “fluxo”. Pequenos rádios disputam a atenção. Um rapaz, concentrado em desmontar um eletroeletrônico já indistinguível ouve um subgênero do heavy metal. Metros adiante um casal escuta “Hotline Bling”, hit do rapper canadense Drake. You used to call me on my cell phone. Late night when you need my love. Call me on my cell phone… toca e quase ameniza o clima no meio do “fluxo”.

Comércio

Poucos passos a frente, um comércio se apresenta. Com iluminação, estrutura numa quantidade considerável, um homem e uma mulher, ambos bem jovens, exibem dezenas de garrafinhas de cachaça de má qualidade, dezenas de maços de cigarro “Eight” e algumas caixas de isqueiros. Um pouco a frente, em um grande isopor, um rapaz também vende cachaça. Dois homens jovens comercializam pacotes de biscoito recheado. Do outro lado outro homem com menos de 30 anos vende pacotes de pipoca doce. Um casal monta um tabuleiro e se empenha em produzir cachimbos para o consumo do crack. Lonas estão distribuídas pelo chão em vários lugares com roupas, calçados e outras bugigangas à venda.

Um homem e duas mulheres tentam manter uma fogueira dentro de um carrinho de supermercado. Eles improvisam uma espécie de grelha e mantêm timidamente aquecidos alguns pães de alho e uma marmita só com arroz e feijão. O cheiro de plástico queimado é forte próximo ao trio.

Os brinquedos do que até 12 dias atrás pertenciam a um parque infantil viraram moradia. O colorido trepa-trepa ganhou uma lona azulada, o túnel embaixo do escorregador abriga duas pessoas consumindo crack.

Um adolescente, com aparência saudável e sem camisa, cruza o “fluxo” de mobilete quase atropelando alguns usuários acocorados no chão. Minutos depois a pequena moto está sob o comando de outro jovem. Ele usa um chapéu modelo fedora e se diverte indo de um lado para o outro.

Circulando pelas ruas General Rondon e Conselheiro Nébias é inevitável não perceber a grande presença de fezes e um odor extremamente desagradável. O lixo se acumula na esquina e a frente dos edifícios está marcada pela sujeira. O local seria usado para a instalação de 25 contêineres e um abrigo com banheiros, refeitório, dormitórios e salas de atendimento médico. O prefeito regional da Sé, Eduardo Odloak, após reunião com moradores nesta quinta-feira (1º), suspendeu o plano e informou que vai discutir a proposta com os secretários do prefeito João Doria.

Equipamentos

A Prefeitura de São Paulo informou que “ampliará a rede de acolhimento. Em breve serão instalados equipamentos emergenciais e estruturas de acolhimento que funcionarão nas proximidades da Praça Princesa Isabel para oferecer alimentação, atendimento ambulatorial, higiene pessoal e local de descanso transitório para os dependentes químicos”, porém não precisou quando a estrutura estará disponível.

O R7 entrou em contato com a Prefeitura de São Paulo para informar o conteúdo apurado nesta reportagem e para saber qual a análise feita por elas a respeito desta situação.

Ao ser questionado sobre qual é a avaliação da operação feita no dia 21 de maio, a Prefeitura de São Paulo afirma que “a ação policial foi necessária, bem-sucedida, cirúrgica e sem feridos” e acrescenta que “resultou na prisão de 38 traficantes, além de líderes da facção criminosa que comandava o tráfico no local.”

A assessoria de imprensa da Prefeitura ressalta que “agentes de saúde e da assistência social eram ameaçados e impedidos de agir. A zeladoria urbana era limitada. Eram cometidos os maiores abusos aos direitos humanos: exploração sexual de mulheres e transexuais, trabalho análogo à escravidão, exploração de crianças, gravidez indesejada, sequestro, tráfico e até mesmo assassinatos. É importante lembrar que o lugar abrigava um tribunal do crime e contava com armas pesadas, como metralhadoras e fuzis.”

O R7 perguntou ainda se a Prefeitura considera que a Cracolândia tenha acabado depois da ação do dia 21 de maio. A assessoria de imprensa afirma que “essa estrutura física da chamada 'cracolândia' acabou.”

E sobre os próximos passos na região informa que “as novas medidas, com a implantação do programa Redenção, pretendem oferecer tratamento aos usuários, além de redirecioná-los ao mercado de trabalho posteriormente, através de ações desenvolvidas pelo “Programa Trabalho Novo.”

A Prefeitura informa que “onde hoje funciona o Espaço Luz será erguido um prédio para oferecer abrigo a quem desejar; no térreo vamos montar uma clínica; assim teremos capacidade de acolher mais pacientes no local”. Acrescenta ainda que “que se trata de um processo a longo prazo, em que primeiramente é oferecido o acolhimento e criação de vínculo com o usuário, para depois oferecer o tratamento médico e consequente recuperação do quadro. A prefeitura está realizando um cadastramento dessas pessoas. O processo já passa por uma digitalização destes dados, para poder agir com inteligência.”

A Prefeitura acrescenta ainda que “o local era um negócio lucrativo para os criminosos. Segundo o Denarc, eram comercializados 15 milhões de reais em drogas por mês. Pessoas de diversos locais da grande São Paulo visitavam o local para comprar e consumir drogas. Ou seja era um verdadeiro “shopping center da droga.”

A reportagem do R7 fez ainda os seguintes questionamentos:

- Em nossa visita ao “fluxo” notamos um comércio informal e numeroso de cigarro, cachaça e isqueiros, além de barracas menores que vendem biscoitos, pipocas, entre outras guloseimas. Vocês têm noção desta prática?

- Nós fomos informados de que uma das táticas do tráfico no local foi distribuir a droga gratuitamente e com isso montar sua estrutura. Vocês têm conhecimento deste fato?

- Além disso, percebemos a falta de banheiros na região. Como vocês pretendem resolver esta questão e em quanto tempo?

A Prefeitura de São Paulo não deu respostas para essas perguntas.

Ainda na nota, a Prefeitura de São Paulo deu os números da ação e informações sobre zeladoria, segurança e iluminação. Veja:

Equipes da assistência social da Prefeitura de São Paulo realizaram desde o dia 21 cerca de 8.350 abordagens na região da Nova Luz. Deste total, houve 4.615 encaminhamentos para acolhimento nos equipamentos da rede assistencial, como o Complexo Prates e o CTA (Centro Temporário de Acolhimento), e 3.741 recusas de atendimento. Apenas na última quinta-feira (1º), foram feitas 1.063 abordagens, com 523 acolhimentos e 540 recusas.

O Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) criou um esquema de atendimento prioritário para a região da Luz.

Segurança

Dezesseis viaturas da GCM (Guarda Civil Metropolitana) estão da região da Nova Luz na manhã desta sexta-feira, com 53 guardas. Cinco câmeras foram instaladas e há quatro ônibus de vigilância para aumentar a segurança na área.

Zeladoria

Diariamente, as equipes de limpeza da Prefeitura Regional da Sé fazem a limpeza na região, com serviços concentrados principalmente no entorno da Praça Princesa Isabel. A operação nesta quinta-feira (1º) coletou 2,4 toneladas de lixo, envolvendo 2 caminhões e 24 agentes de limpeza.

Iluminação

Com o objetivo de aumentar a segurança na região, a Prefeitura instalou 45 luminárias em postes do modelo LP19/400W. Equipes do Ilumine (Departamento de Iluminação Pública da cidade) executaram serviços nas ruas Guaianases, Helvetia, Coração de Jesus e Dino Bueno, além da Praça Princesa Isabel. Todo o material utilizado foi retirado do almoxarifado do Ilume.

Em nota, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Estado de São Paulo conta que "equipes das polícias Civil e Militar permanecem atuando na região da Nova Luz para, além de combater o tráfico no local, prestar apoio às equipes de saúde e assistência social, que providenciam o acolhimento dos usuários". O órgão afirma ainda que "o efetivo da PM continua com policiamento reforçado com 212 policiais, sendo 92 da Caep (Companhia de Ações Especiais de Polícia) e do Choque – Cavalaria e Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam), além dos 120 PMs que já atuam regularmente na área."

Acrescenta ainda que "o Denarc possui investigações em andamento na região, além dos flagrantes diários no entorno. Do dia 21 ao dia 31 de maio foram presos na região 80 suspeitos. Na segunda-feira (29), por exemplo, policiais do departamento prenderam em flagrante um traficante que abastecia a área. Roberto Cardoso Prato foi encontrado dentro de um antigo hotel na Av. Duque de Caxias, na altura da Praça Princesa Isabel, com porções de maconha e cocaína."

R7 questionou especificamente sobre a distribuição da droga na praça Princesa Isabel e a presença do tráfico na região, mas a SSP não deu retorno sobre estes questionamentos. 

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