O fundo de um armário, no 2º andar de um sobrado em Cidade A. E. Carvalho, na periferia da zona leste de São Paulo, a cozinheira Alieti da Silva, de 64 anos, guarda três carteiras de identidade. A do filho, Francisco Monteiro. A da filha, Gisele Monteiro. E a da neta, Thuany Tainá de Sousa Monteiro. Todos assassinados.
— O que está sobrando da minha família é isso: um pedaço de papel.
Monteiro foi vítima de homicídio há mais de dez anos com uma facada pelas costas. Gisele foi assassinada depois, com cinco tiros pelo ex-marido. Thuany Tainá, filha de Monteiro, morreu aos 19 anos, após ser agredida por uma vizinha. Mais recente, o assassinato completou um ano em 23 de janeiro.
— Não teve Natal, não teve ano-novo, não teve nada. Todo dia, eu saio de casa e fico esperando . Parece que eu vejo ela vindo, sabe?
Abandonada pela mãe e órfã do pai, Thuany Tainá viveu desde a infância com a avó. A jovem tornou-se ausência em uma noite de quinta-feira. Saiu de casa para buscar uma roupa emprestada. Foi surpreendida no caminho de volta, segundo familiares, por uma vizinha em quem havia batido e por quem havia sido jurada três semanas antes. Teve os cabelos puxados, sofreu uma pancada na nuca e dois chutes no rosto. Socorrida, já chegou morta ao hospital.
A mulher nunca mais foi vista na região: a família de Thuany Tainá ouviu dizer que fugiu para o interior. Em uma pasta de plástico, a cozinheira conserva uma foto rasgada e outros três retratos maiores, com o rosto e o nome da suposta agressora escrito em caligrafia infantil. Levantou as informações com amigos e foi por conta própria à delegacia, entregar uma cópia. Alieti investigou pela polícia.
Dos filhos dela, dois sobraram vivos. Para esquecer as perdas, já tentou sair caminhando a esmo pelas ruas. Pensou em virar andarilha. Também já tentou parar de caminhar. Jogou-se sobre um carro em movimento.
— Eu não tenho vontade de nada mais. Meus filhos nunca foram ladrões, nunca foram bandidos. O mal da gente é ser pobre. É o único mal que a gente teve.
No boletim de ocorrência de Thuany Tainá, a única informação que não diz respeito a uma morte violenta é que ela era usuária de drogas. Aos 14 anos, a jovem chegou a esconder uma sacola de lança-perfume na escola e acabou descoberta. Passou a usar cocaína, chegou a namorar um traficante e a ficar mais de 60 dias sem voltar para casa. A família conta, no entanto, que a situação havia mudado seis meses antes do assassinato.
A jovem conheceu um homem mais velho, com quem engatou um namoro, e teria parado de usar drogas. Também começou a frequentar a Igreja e até pensava em ser mãe.
— Eu fui lutando, lutando, lutando. Lutei muito por ela. Na hora que a menina estava livre. Isso é uma dor que não passa. Essa dor não passa nunca.
Lesão corporal
Inicialmente, a Secretaria da Segurança Pública informou que a jovem era mais uma vítima de lesão corporal seguida de morte — e, por isso, não seria correto incluí-la nas estatísticas de homicídio. Nesta quarta-feira (2), em nova nota, a pasta reconheceu o caso como homicídio.
O processo tramita na 4ª Vara do Júri da capital. A polícia solicitou prazo ao Fórum para relatar o inquérito. Faltam informações nos papéis.
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