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PM expulsa de base comunitária projeto social que afasta crianças do crime

Espaço emprestado há seis anos passa por "retomada forçada"; PM alega que área é de risco

São Paulo|Caroline Apple, do R7

Viatura estacionada próxima ao tatame com marcas de pisada e inviabilizando o uso da barra das aulas de balé
Viatura estacionada próxima ao tatame com marcas de pisada e inviabilizando o uso da barra das aulas de balé Viatura estacionada próxima ao tatame com marcas de pisada e inviabilizando o uso da barra das aulas de balé

Um projeto que promove educação por meio de esporte e cultura — e ajudou centenas de crianças em estado de vulnerabilidade a conquistarem autonomia e ficarem longe do crime — está ameaçado justamente por quem se esperava que o preservasse: a PM (Polícia Militar). Localizado na avenida Imirim, nº 1.676, no bairro do Imirim, zona norte São Paulo, dentro de uma base comunitária da PM, o Centro Cultural Chora Menino está sendo sufocado por "ações autoritárias e sabotadoras" por parte de alguns policiais, de acordo com familiares de alunos e com o fundador do centro, o professor de artes marciais Márcio Roberto Tom.

O professor conta que os percalços começaram em dezembro de 2015, quando o capitão Isaac Duarte Jurado assumiu o comando da base. Segundo Tom, desde então, o local vem sendo violado e desrespeitado por alguns policiais. Parte da área coberta se transformou em um cemitério de viaturas, que chegam a invadir a área onde as aulas são dadas. O tatame para a prática das artes marciais, considerado um espaço de respeito, hoje ostenta marcas de pisadas de botas.

— Há sete anos, um capitão acreditou no projeto e apostou que essa aproximação da comunidade com a polícia era uma forma de diminuir a criminalidade e retomar a confiança da população na corporação. Caminhamos com poucos problemas, apesar de sempre ter um policial ou outro que era resistente a nossa presença na base. Mas, desta vez, a coisa piorou muito e estamos sendo sucateados por policiais com mentalidade arcaica.

Procurada, a PM explicou que pretende tirar o projeto do local porque há a necessidade de obras para retirada de equipamentos de um posto de combustíveis desativado [que fica no terreno onde funciona a base comunitária e a ONG] e "esse fator, aliado às necessidades operacionais de uso do espaço para estacionamento de viaturas e treinamento de policiais, inviabiliza a continuidade do projeto".

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Em uma nota enviada primeiramente à reportagem, a corporação afirma que "[...] o Comando do 9º BPM/M, visando preservar a integridade física dos civis envolvidos no projeto, solicitou ao Sr. Marcio que mudasse suas atividades para outro endereço" porque "[...] no local ainda existem tanques de combustível e respectivas bombas, cujos materiais encontram-se em processo de descarte visto a possibilidade de riscos à segurança e ao meio ambiente". O trecho foi retirado de uma segunda nota enviada pela PM, cujo título pedia a desconsideração do e-mail anterior.

O professor rebate o argumento da polícia e diz que, além de nunca ter sido notificado oficialmente sobre a decisão de retirar o projeto do espaço, não entende o motivo da ONG não continuar na área, uma vez que policiais militares continuarão a trabalhar no local.

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— Querem nos tirar de lá alegando que estamos em risco, mas não entendo então o motivo de manterem policiais militares trabalhando nessas condições. Se eles podem ficar nós também podemos. Tenho laudo dos Bombeiros e de arquitetos dizendo que o local é seguro.

Estamos há sete anos na base e nunca tivemos problema. O lugar tem até churrasqueira, onde os policiais fazem churrasco aos fins de semana. Por que só agora dizem que corremos o risco de explodir?

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Márcio destaca que uma das maiores preocupações é não encontrar outro lugar e perder todas as doações e investimentos que ergueram o local, inclusive espaços usados pela PM.

— A PM mesmo já usou o projeto como uma forma de captar doações para melhorar a base. Agora querem que a gente saia com uma mão na frente e outra atrás e deixemos para trás tudo que a comunidade conquistou?

Questionada novamente pela reportagem sobre uma possível ajuda para encontrar um novo local para que o projeto não acabe, a PM não respondeu, assim como não respondeu a outras perguntas referentes à infraestrura, à notificação do fim do projeto no local e à manutenção da segurança dos policiais que continuarão atuando em uma área considerada de risco pela PM.

Aluna do Centro, Beatriz ganhou títulos como lutadora de jiu-jitsu
Aluna do Centro, Beatriz ganhou títulos como lutadora de jiu-jitsu Aluna do Centro, Beatriz ganhou títulos como lutadora de jiu-jitsu

Desistências e ameaças

O resultado da pressão velada pelo fim das atividades do centro foi o medo das famílias e a queda do número de alunos de 220 para 150. E o medo vem sendo justificado pelo clima de ameaça que paira na base.

Quem presenciou uma dessas cenas ameaçadoras foi a vendedora Tatiane Custódio Silvério, de 31 anos, mãe de Beatriz Silveira (foto), que ganhou títulos estaduais e um nacional de jiu-jitsu na categoria faixa azul. Tatiane conta que um policial militar discutiu com o professor de artes marciais na frente das crianças e o tom deixou todos os presentes abalados.

— Estou muito preocupada, porque não sabemos até onde vai o temperamento desses policiais. Houve bate-boca intenso. Me preocupa a segurança. Temos medo de retaliação. Me sinto oprimida. Por querer manter o projeto acabamos virando alvo de maus policiais. Devo muita coisa ao centro. Minha filha tinha problemas de comportamento e ia mal na escola. Quando começou a fazer parte das aulas a vida dela mudou. O lugar é importante para muitas famílias da região.

O professor Márcio acredita que a descontinuidade do projeto no local pode levar a um deterioramento das atividades, além de prejudicar o desenvolvimento das crianças.

— Enquanto vivermos essa situação vamos continuar vendo as crianças se afastarem. As famílias dizem que, quando as coisas melhorarem, voltam, mas eu duvido. Essas crianças estão voltando ao estado de vulnerabilidade do qual as tiramos.

O medo dos policiais também se estende ao professor, entretanto Márcio garante que não vai desistir do centro.

— Certa vez fui ameaçado por traficantes e isso consigo entender, porque afastamos as crianças da influência do crime. Mas não dá para admitir que eu seja ameaçado pela polícia. Fui ameaçado e tenho medo de represálias, mas faço isso pelas crianças e suas famílias.

A PM informa que, quanto às "supostas ameaças", até o presente momento, "não recebeu qualquer registro ou interessado na formalização da reclamação".

As críticas feitas pelo professor endereçadas ao capitão Jurado renderam uma ação de danos morais na Justiça. De acordo com a PM, foi aberto um processo contra Tom, que está pendente e a audiência marcada para agosto.

Márcio desconhecia a ação até ser informado pela reportagem.

— Não tenho o que esconder. Se ele me processar terá que processar a comunidade inteira. Todos sabem quem ele é.

Um abaixo-assinado virtual foi criado para pedir ao governador Geraldo Alckmin a manutenção e preservação do centro. Até a manhã desta terça-feira (26), pouco mais de 1.700 assinaturas haviam sido recolhidas.

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