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Promotor diz que torturas na Fundação Casa são “frequentes” e critica formação de funcionários

MP afirmou que está fazendo o mapeamento das ocorrências de agressões

São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7

O promotor de Justiça da Infância e da Juventude Matheus Jacob Fialdini, que participou nesta segunda-feira (19) de uma vistoria na unidade João do Pulo, no Complexo da Vila Maria, destacou que os relatos de agressões praticadas por funcionários da Fundação Casa são frequentes. A visita do Ministério Público na unidade, na zona norte de São Paulo, foi motivada pela denúncia de tortura contra seis internos, ocorrida após uma tentativa de fuga neste ano.

— Eu diria que, quase semanalmente, alguma denúncia de agressão chega ao Ministério Público, à Defensoria Pública, e à própria Justiça.

Ainda segundo o promotor, diante das dificuldades de se comprovar a materialidade das denúncias, a promotoria está fazendo o mapeamento das ocorrências.

— A agressão, normalmente, quando é praticada não deixa marcas. Justamente para maquiar, para impedir a produção probatória. Então, o nosso trabalho é mapear, porque no momento em que os relatos de agressões convergem, aí, conseguimos tomar uma providência, ainda que não haja uma prova, como é o exame de corpo de delito. A questão da agressão vai despertar um olhar pontual para combater essa prática que, lamentavelmente, parece corriqueira dentro da unidade.

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Sobre o episódio na unidade João do Pulo, o promotor acrescentou:

—Uma imagem muito forte como essa projeta o Ministério Público e todas as autoridades competentes em um olhar novo, ainda mais cauteloso sobre essa realidade lamentável da tortura em uma unidade que tem como fim a ressocialização de um adolescente.

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Fialdini ressaltou que nenhum relato de agressão que chega ao Ministério Público é ignorado.

— O problema é a questão da prova. Esse mapeamento permite que, em alguns casos, a gente consiga um afastamento, uma punição, ainda que o adolescente não passe por um exame de corpo de delito. Agora, existem sim, providências, que por uma razão de sigilo, eu devo manter a questão sem expor nomes, contra diretores de outras unidades. O que posso lhes garantir é que alguns resultados vêm sendo bem razoáveis, positivos no que diz respeito a essa matéria. O Ministério Público não tolera esse tipo de prática.

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"Deficiência preocupante"

Na visita realizada nesta segunda-feira, os trabalhos foram concentrados nas oitivas dos agentes socioeducativos. Quatro coordenadores de equipe e 12 agentes foram ouvidos por um grupo formado por Fialdini e outro promotor, que contava também com um assistente social e um psicólogo.

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O representante do Ministério Público verificou algo que, segundo ele, já havia se confirmando: os funcionários, especialmente os agentes que convivem com os adolescentes no pátio, não estão sendo capacitados e não têm recebido cursos permanentes de formação.

— [Esses funcionários] Passaram no concurso, foram aprovados e recebem uma formação inicial, que os relatos convergem de 15 dias aproximadamente. E nos pareceu muito pouco, sobretudo, se considerarmos que depois dessa formação inicial, eles praticamente não recebem nenhuma formação permanente. Pegamos funcionários há trinta anos na Fundação Casa, sem um curso, sem uma capacitação.

Fialdini prosseguiu com as críticas.

— Realmente é uma deficiência muito grande e preocupante nessa questão de capacitação dos profissionais. Eu também perguntei se quando a Febem se converteu na Fundação Casa, se eles [funcionários] receberam nesse intervalo, nesse momento, alguma capacitação, algum curso em caráter extraordinário e a resposta foi unânime no sentido de que não, o que me fez pensar se a Fundação Casa é mais um recurso linguístico do que uma mudança substancial.

Outro lado

Em nota divulgada na noite desta segunda-feira, a Fundação Casa destacou a "capacitação permanente de todos seus funcionários, de acordo com os critérios previstos no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo”.

Informou que “todos os servidores ingressantes recebem capacitação inicial, assim como os que já compunham o quadro funcional passam por capacitações constantes, realizadas pela Escola para Formação e Capacitação, da CASA”.

Segundo a nota, entre os programas de aperfeiçoamento contínuos, estão a formação de gestores, cursos nos centros socioeducativos com as equipes multiprofissionais e a realização de ciclos anuais de palestras temáticas, com transmissão por videoconferência. O texto informou ainda a carga horária de formação dos servidores.

— Os funcionários ingressantes da área administrativa recebem 16 horas de carga horária de formação, enquanto os servidores da área técnica (psicólogos, assistentes sociais, agentes de apoio socioeducativo, entre outros) passam por 80 horas de curso, dividido em módulo básico e específico.

Completou afirmando que a Fundação Casa é considerada modelo para o país pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e “elogiada pelo Conselho Nacional do Ministério Público por ter o maior número de centros em condições salubres para o atendimento de menores infratores do país, com 91,3%, enquanto a média da região Sudeste, a maior no Brasil, é de 77,5%”.

Duas frentes de investigação

O representante do Ministério Público enfatizou que as visitas às unidades da Fundação Casa na capital são bimestrais. O objetivo é aferir as condições dos locais. A avaliação passa por questões estruturais, recursos humanos, conteúdo pedagógico, entre outros.

Informou ainda que o Ministério Público abriu duas frentes de investigação para apurar o episódio na unidade João do Pulo: uma civil e outra criminal.

— Uma é a responsabilização criminal dos envolvidos. Outra é o acompanhamento da unidade para, não só inibir que as mesmas ações aconteçam no futuro, como para exigir da Fundação Casa, a capacitação que os funcionários não estão recebendo.

De acordo com ele, alguns pontos merecem investigação, como o suposto envolvimento do diretor da unidade e se havia outros funcionários que teriam participado das agressões aos seis adolescentes.

O caso

Neste domingo, a Fundação Casa afastou o diretor da unidade João do Pulo do Complexo da Vila Maria e mais três funcionários acusados de espancar seis adolescentes internados. A sessão de espancamento ocorreu após uma tentativa de fuga e foi filmada. As imagens foram exibidas pelo Fantástico, da TV Globo. Nesta segunda-feira, mais um funcionário acusado de participar dos atos de violência foi afastado da instituição.

Nas imagens exibidas, os funcionários dão socos, tapas, pontapés e até cotoveladas nos adolescentes, que estão apenas de cuecas, em uma sala do local. As imagens seriam de 3 de maio.

O complexo da Vila Maria abriga 521 adolescentes em oito unidades. A João do Pulo tem capacidade para 40 internos, mas abrigava ontem 64 adolescentes, a maioria apreendida sob as acusações de roubo e tráfico de drogas.

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