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Carne Fraca: e-mails mostram como frigorífico tentou abafar fraudes

Polícia Federal investiga se BRF fraudava testes de laboratório para burlar fiscalização sanitária e vender produtos de origem animal ao exterior

Brasil|Diego Junqueira, do R7, e Tony Chastinet, da Record TV

PF cumpriu mandados de busca em diversos endereços da BRF
PF cumpriu mandados de busca em diversos endereços da BRF PF cumpriu mandados de busca em diversos endereços da BRF (GERALDO BUBNIAK/ESTADÃO CONTEÚDO)

"É um absurdo! É impressionante como sempre levamos bucha dos mesmos lugares". Assim reagiu o executivo Pedro de Andrade Faria, ex-presidente da BRF, ao ser informado de que uma ex-funcionária da gigante do setor alimentício estava processando a empresa porque havia sido obrigada a fraudar exames de laboratório e esconder contaminação em carnes vendidas para fora do Brasil.

A mensagem de Faria, preso temporariamente nesta segunda-feira (5) durante a 3ª fase da operação Carne Fraca, faz parte de uma troca de e-mails interceptada pela Polícia Federal que levou à prisão do executivo e de mais dez pessoas. Todos são suspeitos de participar de um esquema que adulterava testes laboratoriais em produtos de origem animal para burlar regras de exportação e as fiscalizações sanitárias brasileiras. A empresa controla marcas como Sadia e Perdigão.

A troca de e-mails foi iniciada em 13 de agosto de 2015, com o assunto “Adriana Marques Carvalho - Supervisora de Laboratório”, em que funcionários do setor jurídico da empresa discutem o processo trabalhista de uma funcionária de Goiás que “afirma ter sido obrigada a alterar resultados de exames” para escapar da fiscalização e garantir a venda de um lote de produtos de frango para a Rússia.

Um ano antes, em junho de 2014, Adriana questionou uma superiora, também do setor de Garantia de Qualidade da BRF, Fabianne Baldo, para a quantidade excessiva de alterações em laudos que o laboratório sob sua supervisão era obrigado a fazer.

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“Está acontecendo MUITO esses pedidos de alteração nos resultados, causando grandes transtornos em “passar a limpo” todas as rastreabilidades das análises, sem falar que corremos o risco de sermos “pegos” na mentira”, disse Adriana em e-mail para sua superiora. Fabianne também foi presa temporariamente nesta segunda-feira, mas já foi liberada, segundo a Justiça Federal do Paraná.

“Se a análise constatasse a presença de salmonella ou outro tipo de contaminação%2C por ordens expressas dos superiores%2C devia alterar os registros nos laudos publicados”

(Adriana Marques Carvalho, em depoimento à Justiça do Trabalho)

Após ser demitida do cargo, logo depois do lote despachado para a Rússia, Adriana entrou com ação trabalhista contra a empresa, em um processo judicial que a cúpula da BRF tentou abafar mas que, três anos depois, levou para a cadeia altos executivos da companhia.

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BRF tenta abafar caso

O primeiro e-mail sobre o caso, preparado pelo departamento jurídico da BRF em Goiás, traz detalhes da ação trabalhista e as preocupações que poderiam ser causadas à empresa caso a história viesse à tona.

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“Passo ao conhecimento de vocês um pedido de uma ex-colaboradora onde faz acusações graves contra a empresa. Ela requer indenização por danos morais em razão de ter sido compelida a alterar resultados de exames. As acusações são graves e agora públicas. Desconheço outra ação dessa natureza”, diz a advogada.

Duas semanas depois, em 26 de agosto de 2015, a mensagem chega a André Luís Baldissera, diretor de Operações da BRF em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Baldissera foi preso temporariamente nesta segunda pela PF.

No dia 2 de setembro, o caso é informado por e-mail para o gerente-jurídico da BRF, Luciano Wienke. Ele demonstra preocupação com o andamento do processo e a possibilidade de as informações chegarem aos órgãos públicos.

Em mensagem no dia seguinte para José Roberto Rodrigues (diretor vice-presidente Legal e Relações) e Ana Luisa Fagundes Rovai Hieaux (diretora Jurídica), Wienke sugere um acordo para barrar o processo e abafar o caso. Seu receio era de o caso continuar e o juiz "enviar as informações para os órgãos competentes e complicar ainda mais a situação da empresa" (veja abaixo). O gerente-jurídico da BRF também foi preso temporariamente nesta segunda.

Em mensagem no mesmo dia, Ana Rovai diz que está “de acordo com a estratégia”. “Preocupa o fato desta infos já estarem em processo judicial público”, escreve a diretora-jurídica.

No mesmo dia o caso já tinha chegado à caixa de e-mails do então presidente global da BRF, Pedro de Andrade Faria, por mensagem de Roberto Rodrigues.

Na resposta, Faria chama o caso de “absurdo” e comenta que “sempre levamos bucha dos mesmos lugares”. O então presidente ainda pede a Hélio Rubens Santos Júnior, diretor vice-presidente da BRF, para avaliar “algo drástico por lá”. Veja o e-mail:

No dia seguinte, Santos Júnior — outro que foi preso temporariamente nesta segunda-feira — pede apoio a André Baldissera para solucionar o caso. “Vamos ter bastante trabalho pela frente! Vamos juntos eliminar todas as exposições!”, escreve.

Santos Jr. se apresenta para prisão na sede da PF em SP
Santos Jr. se apresenta para prisão na sede da PF em SP Santos Jr. se apresenta para prisão na sede da PF em SP

Resolução do caso

O caso volta a ser tratado pela cúpula um mês depois, no dia 4 de outubro de 2015, quando Baldissera volta a cobrar Luciano Wienke, gerente-jurídico da BRF.

O caso é solucionado no dia seguinte em conversa entre Baldissera, Wienke e o advogado que tratava diretamente do caso.

“Luciano, Entendo que precisamos encerrar o assunto rápido!! Quanto ao valor, deixo para área jurídica conduzir dentro dos valores entendidos justos pela empresa”, escreve Baldissera.

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A dúvida do setor jurídico naquele momento era com relação ao valor do acordo.

O advogado que tratava diretamente do caso na Justiça do Trabalho propôs acordo inicial de R$ 29 mil, enquanto a ex-funcionária cobrava R$ 90 mil. As negociações avançaram para R$ 55 mil oferecidos pela empresa, contra R$ 70 mil pedidos pela ex-supervisora de laboratório.

“Valor de uma reclamatória com menos de 02 anos não chegaria nem a R$ 15.000,00 mas como esse assunto temos esse problema vamos ter que pagar mais. (...) Vamos fazer o acordo”, escreveu Wienke, colocando ponto final na discussão.

Após a operação da Polícia Federal, as ações da BRF despencaram 19,75% nesta segunda, levando a empresa a perder somente hoje cerca de R$ 5 bilhões em valor de mercado.

Para a PF, a troca de e-mails mostra que a cúpula da empresa tinha conhecimento das adulterações em laboratório.

“Observa-se, através dos diálogos acima, que a situação da ex-supervisora ADRIANA MARQUES CARVALHO foi levada à ciência da alta cúpula da BRF, e que a preocupação com a exposição do processo judicial foi consenso entre os executivos. Também demonstraram preocupação com o risco de o conteúdo da ação movida por ADRIANA ser encaminhado a órgãos competentes para apuração de irregularidades sanitárias”, escreve o delegado da PF Maurício Moscardi Grillo, que assina o relatório entregue em janeiro à Justiça Federal do Paraná.

Outro lado

O R7 não conseguiu contato com a defesa dos suspeitos até a publicação desta reportagem.

Em nota divulgada à imprensa, a BRF diz que "as acusações da ex-funcionária foram tomadas com seriedade pela companhia, e medidas técnicas e administrativas foram implementadas para aprimorar seus procedimentos internos".

A empresa destaca também que as carnes vendidas pela empresa não causam danos à saúde. "Com base nos documentos disponíveis, a BRF entende que nenhuma das frentes de investigação da Polícia Federal diz respeito a algo que possa causar dano à saúde pública", diz o texto. A empresa afirma ainda que "segue normas e regulamentos brasileiros e internacionais". Leia o comunicado:

"Comunicado Geral sobre a Operação Trapaça

A empresa está mobilizada para prestar todos os esclarecimentos à sociedade.

A BRF segue normas e regulamentos brasileiros e internacionais referentes à produção e comercialização de seus produtos. Há mais de 80 anos demonstra seus compromissos com a qualidade e segurança alimentar, que estão presentes em todas as suas operações no Brasil e no mundo. A BRF possui importantes certificações internacionais de qualidade. É a única empresa brasileira a participar do GFSI (Global Food Safety Initiative).

Com base nos documentos disponíveis, a BRF entende que nenhuma das frentes de investigação da Polícia Federal diz respeito a algo que possa causar dano à saúde pública.

A Companhia reitera que permanece inteiramente à disposição das autoridades, mantendo total transparência na interlocução com seus clientes, consumidores, acionistas e o mercado em geral.

Sobre as denúncias até então divulgadas, a empresa esclarece o seguinte.

1) Sobre a Salmonella Pullorum em Carambeí

• Existem cerca de 2.600 tipos de salmonela. A Salmonella Pullorum é essencialmente de aves e não causa nenhum dano à saúde humana.

• A BRF segue todos os monitoramentos estabelecidos pelo PNSA (Plano Nacional de Sanidade Avícola) e Instrução Normativa nº 20. Estão inclusos o monitoramento e a pesquisa de S.Pullorum.

• No lote de 46 mil pintos citado na acusação foram realizadas análises microbiológicas que não identificaram presença da bactéria S.Pullorum. Porém, ela foi identificada em matrizes e lotes de frango de corte no mesmo período em Carambeí.

• Os resultados dessas análises foram devidamente notificados ao Serviço Veterinário Estadual e ao Serviço de Inspeção Federal, como determina a legislação. O ofício nº 016/16/Matrizes foi encaminhado no dia 18 de abril de 2016 ao Serviço Estadual. Outros 28 ofícios relacionados ao assunto foram encaminhados ao Serviço Federal.

2) Sobre o uso do composto Premix

• O Premix é um composto de vitaminas, minerais e aditivos para rações animais. É utilizado no mundo inteiro. Tem como finalidade complementar os níveis nutricionais da ração.

• Os processos de produção do Premix seguem normas técnicas nacionais e internacionais. Pela rastreabilidade do produto é possível identificar tudo o que foi incluído no Premix, suas concentrações, origem e destino. Para cada fase da vida do animal, existe uma composição diferente de Premix.

• As fábricas da BRF que produzem o Premix são registradas e certificadas pelo MAPA conforme as Instruções Normativas IN04 e IN14. As fábricas passam por fiscalização constantemente. As informações são auditáveis por clientes, MAPA e outros órgãos fiscalizadores.

• A última auditoria do MAPA na BRF ocorreu em outubro de 2017, e todos os parâmetros estavam devidamente dentro das normas.

• Os e-mails revelados pela investigação em curso são de três anos atrás. O teor das mensagens está sendo investigado pela empresa.

3) Sobre as acusações da ex-funcionária Adriana Marques Carvalho

• Tratam-se de denúncias de uma profissional que foi desligada em julho de 2014 e ingressou com ação trabalhista contra a empresa.

• As acusações da ex-funcionária foram tomadas com seriedade pela companhia, e medidas técnicas e administrativas foram implementadas para aprimorar seus procedimentos internos. Cabe ressaltar que esse aprimoramento é um processo contínuo dentro da governança da BRF. Entre essas medidas, umas das principais foi desvincular a hierarquia das unidades produtoras sobre os laboratórios, que passaram a responder diretamente à estrutura global de Qualidade".

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