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Ives Gandra: 'STF se tornou um poder político e não um poder legal'

Juristas e entidades criticam decisão do STF contra a liberação de cultos e missas. Especialistas citam desrespeito à Constituição

Brasil|Do R7

Maioria do Supremo votou contra a realização de missas e cultos durante a pandemia de covid
Maioria do Supremo votou contra a realização de missas e cultos durante a pandemia de covid Maioria do Supremo votou contra a realização de missas e cultos durante a pandemia de covid

Entidades e juristas criticaram o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu, por 9 votos a 2, proibir celebrações religiosas presenciais durante a pandemia de covid-19. Com a decisão, estados e municípios estão autorizados a vetar a realização de cultos e missas. Especialistas ouvidos pelo R7 apontaram o desrespeito à Constituição para contestar a decisão do Supremo.

Para o advogado Jean Marques Regina, 2º vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), a fé é uma dimensão da existência humana que também se expressa na arena pública. "Manter templos e igrejas fechados é um desrespeito do Estado a essa dimensão espiritual", afirma. 

Marques acredita que foi criada uma falsa dicotomia entre saúde pública e liberdade religiosa. "O IBDR sempre defendeu a proporcionalidade das restrições, de acordo com a severidade de cada momento", disse. "Os 25% de capacidade sugeridos pelo ministro Kassio Nunes Marques em seu despacho de sábado (3), por exemplo, consideramos razoável. O fundamental é que haja um diálogo para que se chegue a um critério adequado."

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A mera proibição da abertura de templos e igrejas, contudo, é considerada uma interferência inadmissível pelo advogado. "É uma questão de cidadania e democracia. A decisão do STF, além de se chocar com os princípios universais dos direitos humanos, fere a laicidade colaborativa." O IBDR pretende manter sua postura a respeito do tema e buscar a consolidação de seu entendimento junto a outros tribunais do país.

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Desrespeito à Constituição

O pastor Eduardo Bravo, presidente da Unigrejas (União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos), também criticou a decisão do Supremo. "A pandemia não pode ser uma justificativa para rasgar a Constituição. A liberdade religiosa não foi defendida", disse. Segundo Bravo, a Unigrejas tem uma posição contrária às aglomeraçoes e defende o equilíbrio entre fé e saúde pública. "Nossa luta sempre foi para que as igrejas funcionassem dentro de todas as normas sanitárias, inclusive com a capacidade limitada."

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Mas a decisão pelo fechamento foi considerada drástica e desproporcional. "Trata-se de um exemplo clássico de retrocesso democrático", afirmou Bravo. "As igrejas complementam o trabalho do poder público, principalmente levando orientação num momento como o que estamos vivendo. O governante inteligente deveria enxergar a igreja como uma parceira."

Bravo lamentou que, em vez de defender o cumprimento da Constituição, que garante os cultos e suas liturgias, "infelizmente os ministros do STF entraram em um mérito teológico que desconhecem, excluindo as necessidades da alma do ser humano". "A saúde do corpo e a saúde da alma estão conectadas entre si”, finalizou.

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Distanciamento

Com mais de 63 anos de advocacia, o jurista Ives Gandra Martins, especialista em direito constitucional e tributário, também citou o despacho do ministro Nunes Marques para defender a abertura de templos e igrejas. "O limite de 25% proposto por ele garante um distanciamento social maior do que os deslocamentos feitos pelas pessoas normalmente no trajeto de casa para o trabalho, por exemplo", afirmou.

Gandra Martins discorda da maioria do STF e defende a essencialidade das atividades religiosas. "Elas garantem conforto interior num momento crítico como o da pandemia", disse. "Infelizmente, contudo, o Supremo se tornou um poder político e não um poder legal."

Garantia constitucional

O advogado Ricardo Peake Braga, especialista em compliance, direito trabalhista e constitucional, também condenou o entendimento do Supremo. "Existe uma garantia expressa na Constituição sobre o direito às atividades religiosas. Não é possível afastar essa garantia com base em direitos genéricos, como o direito à saúde ou o direito à vida", afirmou.

Essa possibilidade só seria viável, segundo Braga, com a eventual decretação do estado de sítio, o que não é caso do Brasil. "Não se pode delegar a estados e municípios que afastem um princípio constitucional. A decisão, sem dúvida, fere esse princípio."

Medida desproporcional

A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), autora da ação que teve decisão favorável do ministro Nunes Marques no sábado (3) pela liberação de celebrações religiosas presenciais, contestou a maioria do plenário. Em nota, a entidade se manifestou a favor do cumprimento de protocolos e medidas sanitárias, mas afirmou que "a restrição absoluta à realização de atividades religiosas mostra-se desproporcional e contrária às disposições constitucionais e de tratados internacionais de direitos humanos".

A Anajure afirma, ainda, que a liberdade religiosa é um direito fundamental e que os atores religiosos e comunidades de fé desempenham na sociedade um papel insubstituível, especialmente em contextos de calamidade e desastres. "A decisão de fechar ou proibir o funcionamento dessas organizações não é apenas uma medida inconstitucional. Ela também não valoriza a dimensão da espiritualidade dos seres humanos em sua completude", diz a nota.

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