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Sobreviventes de deslizamento no Guarujá agora temem o coronavírus

Moradora do Morro da Barreira do João Guarda está grávida, não recebeu um centavo de auxílio e vive de favor. "Faço o que posso para me proteger"

Brasil|Marcos Rogério Lopes, do R7

Deslizamentos mataram 45 pessoas na Baixada Santista
Deslizamentos mataram 45 pessoas na Baixada Santista Deslizamentos mataram 45 pessoas na Baixada Santista

No dia 3 de março, pouco antes de 1h da madrugada, a vendedora ambulante Jaqueline Oliveira Silva, de 29 anos, não conseguia dormir preocupada com a chuva forte na Baixada Santista e com medo de vir abaixo o Morro da Barreira do João Guarda, no Guarujá, logo atrás de sua casa. Morreram 34 pessoas em sua região por causa daquele temporal.

"Eu ouvi longe um barulho de pedras rolando e de repente uma batida forte na parede da cozinha. Corri pro quintal da frente e gritei para o meu marido pegar nossa filha [Lívia, de 8 anos]." Jaqueline está grávida. A segunda filha, "Maju", nascerá no fim deste mês. "Agora não posso mais trabalhar, porque estou de 9 meses e com medo de pegar o coronavírus."

Jaqueline morava numa construção de alvenaria na última rua antes do Morro da Barreira. A água e a lama invadiram os cômodos, estragaram tudo e a residência foi uma das três que sobraram na rua. Todas foram interditadas. A família conseguiu salvar uma geladeira. "E um sofá, mas está tão sujo que nem conta."

Jaqueline, grávida de 9 meses
Jaqueline, grávida de 9 meses Jaqueline, grávida de 9 meses

Está vivendo de favor na casa de uma amiga de um bairro vizinho. Sem trabalho, mesmo que quisesse vender seus artesanatos na praia os turistas não estariam lá por causa dos alertas para evitar aglomerações, anda apreensiva com a falta de dinheiro. O marido, Guilherme, barbeiro, viu a clientela desaparecer e se vira como pode para levar algo para a família. 

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"Olho todo dia nos jornais para ver se meu nome aparece na lista dos beneficiados pela Prefeitura e nada. Sei de gente que precisava menos que eu e já está recebendo", conta. 

Jaqueline aguarda a ajuda anunciada pela Prefeitura do Guarujá de R$ 1.000 para comprar novos móveis e as 12 parcelas de R$ 500 mensais (R$ 300 liberados pelo Governo de São Paulo) que serviriam para cobrir o aluguel das pessoas que se viram desalojadas pelos temporais. "Esse dinheiro ajudaria, mas não daria para alugar nada, nem adianta."

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Ela conta que um aluguel razoável não sai por menos R$ 700 no Guarujá. "Para gastar R$ 500 eu teria que morar bem longe, o que atrapalharia nosso trabalho."

Ainda que falte dinheiro para tudo, da comida ao enxoval do bebê, não abre mão de usar álcool gel. "Faço o que posso para me proteger, não saio na rua e tento evitar proximidade com outras pessoas, mas é tudo o que dá." 

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"Já fomos esquecidos"

Também da Barreira do João Guarda, o líder comunitário Jaílton de Oliveira, de 41 anos, virou personagem de várias matérias sobre os deslizamentos por ter salvado um homem que estava soterrado. "Tenho dificuldade para andar, mas não podia deixá-lo ali, claro", justifica.

Hoje, no entanto, não tem muito do que se orgulhar. 

Jaílton em meio aos entulhos
Jaílton em meio aos entulhos Jaílton em meio aos entulhos

"Está todo mundo desamparado. Não temos água, a luz que usamos tivemos que puxar lá de baixo [de casas próximas] e ninguém da Prefeitura vem nos dar um auxílio sequer", reclama. "Falaram em obras de contenção nos barrancos, mas nunca fizeram nada. A Defesa Civil tirou o último corpo, virou as costas e desapareceu. Já fomos esquecidos."

O corpo da última vítima desaparecida foi encontrado dia 17: ela se chamava Evangleic Rodrigues de Oliveira, tinha 45 anos e era mãe de três filhos que também morreram soterrados: Jhonnantan, Jhennyfer e Alice, de 21, 19 e 9 anos, respectivamente. 

Jaílton conta que cerca de 200 pessoas continuam no morro, nas residências que sobraram e contando com o auxílio dos vizinhos. As duas entradas do local foram bloqueadas pelas chuvas do início do mês.

Até se diverte quando é questionado sobre como se previnem contra o virus responsável pela covid-19. "Rapaz, aqui falta coisa bem mais básica, o povo não tem a mínima condição de se proteger." 

"A sujeira está toda lá ainda, o morro está cheio de entulhos e a Defesa Civil nem se deu ao trabalho de limpar", lamenta o líder comunitário. "A situação é dramática, falta comida e todo tipo de serviço. Se um não desse a mão para o outro aqui, não sei o que teria acontecido."

Parte dos sobreviventes ficou temporariamente em duas escolas públicas próximas. Sem estrutura para atender aos desabrigados, os locais foram aos poucos sendo esvaziados. "Tem muita gente que teve que deixar a escola sem ter para onde ir, porque o dinheiro que a Prefeitura do Guarujá dá não serve para coisa alguma", explicou Jaílton.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura do Guarujá, que enviou nota dizendo que "a Secretaria de Habitação (Sehab) informa que cerca de 800 pessoas estão cadastradas na lista de triagem do programa de locação social municipal e seus dados estão sendo analisados minuciosamente" Segundo o órgão, "todas as famílias cadastradas em função dos deslizamentos nos morros serão beneficiadas com o auxílio aluguel".

De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social, ao todo, 762 famílias vítimas dos deslizamentos ficaram desalojadas e 177 foram acolhidas na E.M. Dirce Valério Gracia.

Em Santos, outro drama

Por causa do coronavírus, as equipes da Defesa Civil de Santos também interromperam as obras que evitariam novos desastres no Monte Serrat, próximo ao centro da cidade. Por lá, 20 famílias foram obrigadas a se mudar e outras se recusam a sair porque não têm para onde ir.

"Essa ajuda da Prefeitura e do Governo do Estado, de R$ 600, não dá para alugar nada em Santos", conta o advogado Roberto Mohamed, que representa quatro famílias que não querem abandonar o morro. "São lotes grandes onde constróem várias casas e moram muitas pessoas. Algumas estão lá há mais de 30 anos. E, com esse dinheiro, vão para onde? Não têm o que fazer."

A assessoria de imprensa da Prefeitura de Santos não foi encontrada para explicar a situação dessas pessoas.

As chuvas dos primeiros dias de março mataram 45 pessoas em toda a Baixada Santista.

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