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Constituição tem 160 itens pendentes de regulamentação 35 anos após promulgação

Levantamento feito pela Câmara dos Deputados também revela que foram aprovadas 132 emendas à Constituição no mesmo período

Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília

Ulysses Guimarães promulgou Constituição em 1988 (Agência Câmara/Divulgação)

Depois de 35 anos de sua promulgação, a Constituição Federal ainda tem 163 dispositivos pendentes de regulamentação. Entre os temas que esperam por detalhamento estão a mineração em terras indígenas, as atribuições do vice-presidente da República e o direito à greve de servidores públicos. Esse procedimento é a regra que especifica as diretrizes estabelecidas na Constituição, necessária para a aplicação prática do que foi estabelecido na Carta Magna.

A Constituição foi promulgada em 1988 com 436 dispositivos que necessitavam de regulamentação. Desses, 273 foram disciplinados (63%). Tecnicamente, as normas constitucionais são classificadas em três tipos: as de eficácia plena, que conferem direitos diretamente na Carta Magna e não necessitam de regulamentação adicional; as normas de eficácia contida, que estabelecem direitos garantidos, mas podem ser restringidos por legislação posterior; e as normas de eficácia limitada, que dependem de regulamentação para produzir efeitos.

Os dispositivos que precisam de regulamentação podem ser identificados na Constituição, pois enumeram direitos, deveres ou regras com a condição de serem cumpridos “na forma da lei” ou “nos termos definidos em lei”.

O mestre em direito constitucional pela USP (Universidade de São Paulo) e especialista em direito eleitoral Antonio Carlos de Freitas Jr explica que a falta de conclusão dessa regulamentação “traz completo prejuízo à sociedade”. “É um fantasma na Constituição. É como se as pessoas tivessem o direito, - juridicamente, os cidadãos até são titulares desses direitos -, mas na prática o direito não pode ser exercido. E isso provoca um prejuízo muito grande para a população porque dá uma falsa percepção de direitos.”

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Freitas Jr também diz que algumas características do período da Assembleia Nacional Constituinte, entre 1987 e 1988, explicam a existência abundante de normas constitucionais de eficácia limitada. A primeira razão está relacionada à fragmentação dos trabalhos durante a Assembleia Constituinte, que ocorreu em várias comissões ao longo do processo.

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“Isso fez com que nós tivéssemos muita falta de consenso. Criava-se o texto, mas aquele texto não havia um consenso sobre como seria exercido, a extensão e os limites daquele direito, na prática. Não havendo consenso, fez-se a opção pelo texto abstrato e sinalizado com o ‘pendente de regulamentação’, para que aí, com mais tempo, fosse construído o consenso que permitisse acesso àquele direito”, detalha.

Congresso aprova texto final da Constituição em 22/9/1988 (Josemar Gonçalves/Câmara dos Deputados)

Um exemplo clássico de norma de eficácia contida é o disposto no artigo 5º, sobre a liberdade de exercício profissional. Esse trecho estabelece que qualquer cidadão tem o direito constitucional de exercer qualquer profissão, mas, para se tornar advogado, por exemplo, é necessário cumprir certos requisitos estabelecidos por uma lei federal que regulamenta a profissão.

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Entre as normas constitucionais de eficácia limitada, que ainda precisam de regulamentação, está o direito à greve no funcionalismo público, assegurado pelo artigo 37. Devido à ausência de regulamentação desse dispositivo, na prática os servidores federais, estaduais e municipais não podem realizar greves oficialmente até que tais regras sejam estabelecidas por meio de legislação específica.

Como resultado, a Justiça determina parâmetros para essas situações. É o STF (Supremo Tribunal Federal), por exemplo, que fixa os critérios que devem ser seguidos para que uma greve seja considerada legal, como a notificação prévia à administração com 72 horas de antecedência e a garantia de funcionamento parcial dos serviços essenciais durante a paralisação.

Outro aspecto que carece de regulamentação diz respeito à criação, fusão ou desmembramento de municípios, prevista de forma genérica no artigo 18. Ao longo dos anos, o Congresso tentou regular essa questão, mas a falta de consenso entre os parlamentares e os interesses do governo federal quanto às regras resultou no arquivamento da maioria dos projetos de lei sobre o assunto.

Três projetos sobre regulamentação no governo Dilma foram vetados (LUIS MACEDO/Alex Ferreira/Câmara dos Deputados)

Durante o governo de Dilma Rousseff (PT), foram aprovados três projetos de lei sobre o tema, todos vetados. Ao justificar os vetos, a presidente considerou que as medidas poderiam gerar um ônus excessivo aos cofres públicos. O receio era de que as regras propostas favorecessem a criação indiscriminada de novos municípios, enquanto ofereceriam pouco estímulo à fusão e à incorporação de municípios já existentes. Esse caso ilustra como a articulação e vontade política também influenciam em quais regulamentações avançam ou não no parlamento.

Desde 1989, foram aprovadas 132 ECs (emendas à Constituição), que são alterações ou adições feitas no texto constitucional, visando adaptações às mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais ao longo do tempo. Elas são propostas por meio de um processo legislativo específico, geralmente exigindo uma aprovação mais rigorosa do que as leis ordinárias, pois estão condicionadas à maioria qualificada no legislativo. Isso significa que, tecnicamente, é mais fácil aprovar uma lei de regulamentação da Constituição do que uma emenda constitucional.

Ou seja, os números indicam um progresso gradual nesse procedimento ao longo do tempo, mas também apontam para a necessidade de completar o processo e garantir a plena efetividade das disposições constitucionais.

Na visão do doutor e especialista em direito constitucional Alexandre Vidigal, a ausência de regulamentação acarreta prejuízos também à democracia, sendo o mais grave deles a negação do próprio texto da Carta Magna. Essa omissão revela uma contradição, pois, ao impedir a concretização dos preceitos constitucionais, é como se estivéssemos agindo contra a própria essência da Carta Magna. “Trata-se de uma resistência ilegítima, de contenção indevida, e por isso mesmo inconstitucional.”

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