Por uma fresta da janela do apartamento de um amigo, o brasileiro Rony de Moura dos Reis, de 34 anos, observa as ruas desertas do bairro Boryspilska, em Kiev, a capital ucraniana. Do lado de dentro de casa, no 1º andar de um prédio, alimentos armazenados, mala e mochila prontas para deixar o país assim que possível. O quinto dia de guerra entre Rússia e Ucrânia faz com que a população apele para todos os meios a fim de resistir quanto possível e planejar cruzar as fronteiras em busca da sobrevivência.
“Eu me precavi bastante, mas tenho muita dificuldade para dormir com o barulho das explosões. Também percebi que tenho perdido peso com todo o estresse”, diz ele ao R7. “As pessoas que conheço aqui estão tentando se salvar. Ao mesmo tempo, sinto que a Ucrânia não vai ceder. Kiev está resistindo muito bem. Tem um ar de patriotismo muito forte. É algo bonito de ver, mas trágico ao mesmo tempo”, relata o brasileiro sobre a atuação do Exército ucraniano contra a ofensiva russa que teve início na quinta-feira (24).
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Nos últimos dias, Rony tem se organizado para se proteger e, ao mesmo tempo, planejado um meio de deixar o país. Segundo a Acnur (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), pelo menos 422 mil cidadãos com nacionalidade da Ucrânia deixaram o país após a invasão da Rússia. De acordo com previsões da agência, há ainda mais de 100 mil deslocados internos em território ucraniano. Países como Polônia, Hungria, Moldova e Romênia são os principais receptores desse fluxo de pessoas até o momento.
Rony é um dos moradores de Kiev que tentam se deslocar para a Romênia. O brasileiro conta que preparou hambúrgueres e colocou chocolates em mochilas para atravessar a fronteira e alimentar outros brasileiros que procuram fazer o mesmo. “Arrumei minhas malas e estou tentando sair pela Romênia porque uma das filiais da empresa em que trabalho está localizada lá.”
A impressão é que mais cedo ou mais tarde não vão resistir à pressão%2C os mercados já estão desabastecidos. Agora%2C esperamos que não haja abusos do Exército russo contra civis
Desde que os conflitos se intensificaram, Rony passou a morar com um amigo. Inicialmente, estava no 5º andar de um prédio. Depois que as ofensivas russas ganharam força, tratou de se mudar para o 1º andar, para obter alguma proteção contra o bombardeio.
“Há uma preocupação sobre como as bombas podem nos alcançar. Todo mundo está desesperado para sair do país”, diz ele. “A impressão é que mais cedo ou mais tarde não vão resistir à pressão, os mercados já estão desabastecidos. Agora, esperamos que não haja abusos do Exército russo contra civis.”
O estudante de medicina diz, contudo, que se sente esperançoso em relação à reunião que ocorre na manhã desta segunda-feira (28), em Belarus, com as comitivas da Ucrânia e da Rússia. Representantes dos dois países se reúnem para uma primeira negociação, conforme informou a assessoria do presidente ucraniano Volodmir Zelenski. A conversa deve se concentrar na decisão de um cessar-fogo imediato e na retirada das forças russas do território ucraniano.
“É inimaginável pensar que estamos em guerra”
Rony espera apreensivo por um telefonema para confirmar a saída do país para a Romênia. “É inimaginável pensar que estamos em guerra”, diz. Na Ucrânia há três meses, ele diz que há três anos saiu do estado de Goiás, no Brasil, para buscar na Rússia a possibilidade de estudar medicina por um preço mais acessível.
Sem se adaptar à cultura e à rotina russa, Rony se mudou para a Ucrânia. Mas, com a pandemia de Covid-19, ele voltou ao Brasil para ficar mais próximo da família. Finalmente no fim do ano passado, Rony pôde retornar à Ucrânia para continuar os estudos.
Com os conflitos, todas as expectativas do estudante foram suspensas. “Venho tentando me tranquilizar e passar tranquilidade aos meus parentes. Hoje foi um pouco mais difícil com a bomba que caiu próximo daqui”, afirma. “Estou esperando o telefonema para sair. Vou tentar fazer esse trajeto de carro.”
Esta é a segunda vez que Rony tenta sair da Ucrânia. No sábado (26), ele não conseguiu deixar a guerra para trás. “A polícia me mandou voltar para casa. Já era próximo das 17h, perto do horário do toque de recolher”, diz o brasileiro, que por falar russo não compreendeu todas as recomendações da polícia, que se comunicou no idioma ucraniano.
A casa em que Rony vive atualmente fica a cerca de 30 km da região em que ocorrem os bombardeios russos. Já a estação de trem, por onde os refugiados estão deixando o país, está localizada a 20 km da residência do brasileiro. Entretanto, os hábitos e distâncias não são mais os mesmos desde a quinta-feira (24), quando a guerra se iniciou.
“Fiz o percurso de uma hora e dez minutos do trabalho para casa em quase três horas. Vim trabalhar da minha casa”, lembra Rony. “Fui ao supermercado e já havia muita fila. [A situação] estava completamente fora do habitual. No fim de semana, fiquei em casa por causa do toque de recolher. Agora é ficar em casa esperando o momento de sair do país.”