Desde que o Barão de Coubertin criou as Olimpíadas da Era Moderna, em 1896, sempre foi complicado separar a política das competições. São 125 anos de alianças, boicotes, manifestações e até atentados que ocorrem na principal competição desportiva do mundo.
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Na Olimpíada de Tóquio, que começa na próxima sexta-feira (23), haverá um foco ainda maior nos atletas devido à ausência de público por conta do estado de emergência no Japão pela pandemia de covid-19. Essa situação pode abrir o caminho para manifestações individuais e até protestos mais numerosos.
Para a psicóloga Katia Rubio, pesquisadora de Jogos Olímpicos e professora da Faculdade de Educação da USP, esse será um dos pontos mais interessantes a se observar nas competições.
“Os atletas foram proibidos de fazer qualquer manifestação no pódio, mas não em outros locais. Eles poderão se manifestar, vamos ver como isso vai acontecer e como será recebido. Acho que como os jogos vão ficar muito restritos às arenas, é possível que esse espaço seja disputado com muito desejo por todos.
Para ela, a história das Olimpíadas está intrinsecamente ligada à geopolítica e ao contexto global na qual elas são realizadas.
Competição x cooperação
O episódio mais recente disso aconteceu nos Jogos de Inverno de PyeongChang, na Coreia do Sul, em 2018. Na época, buscando uma maior aproximação, as delegações das Coreias do Norte e do Sul desfilaram juntas na abertura e no encerramento, competiram como uma só nação e montaram uma seleção conjunta para a disputa do hóquei no gelo feminino.
Essa tentativa de cooperação resultou em uma candidatura conjunta de Seul e Pyongyang como sedes dos Jogos de 2032.
“A partir do momento que os Jogos são uma competição com caráter nacional e um atleta não pode se inscrever individualmente, as questões geopolíticas interferem, desde a realização deles em si. Essa vinculação entre o Estado nacional e o atleta leva a essa relação”, explica ela.
Em 1920, lembra a professora, a Alemanha foi impedida de disputar os Jogos de Antuérpia, na Bélgica. “Foi o primeiro boicote olímpico, logo depois da 1ª Guerra Mundial, porque os belgas não queriam que os alemães entrassem no país. A história dos jogos no século 20 é atravessada pelos Jogos. É impossível separar uma coisa da outra”, relata.
O boicote liderado pelos EUA por conta da invasão da União Soviética ao Afeganistão tirou 65 países, como China, Índia, Argentina e Israel dos Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980. Outros 14 países do bloco soviético acabaram não disputando a edição seguinte, em Los Angeles-84, em retaliação. O Brasil disputou as duas edições, lembra a professora.
“Mesmo assim, o Brasil foi pressionado de todas as formas pelo então presidente Jimmy Carter a boicotar os Jogos de Moscou”, recorda Katia. “A China ficou fora das Olimpíadas diversas vezes porque o COI reconhece Taiwan como nação. Houve também o boicote à África do Sul (de 1964 a 1988) por conta do apartheid”.
Essas questões podem invadir até mesmo as arenas de competição. Na violenta final do pólo aquático masculino nos Jogos de Melbourne-1956, entre húngaros e soviéticos, a água da piscina ficou cheia de sangue, dois meses depois que a União Soviética invadiu a Hungria com tanques e artilharia.
“Durante o período da Guerra Fria, os Jogos também eram a oportunidade de se resolver esses conflitos de forma figurada”, afirma a pesquisadora. Antes mesmo da 2ª Guerra, Adolf Hitler tentou demonstrar a superioridade alemã nos Jogos de Berlim-1936, mas acabou com seus planos frustrados pelas quatro medalhas de ouro do norte-americano Jesse Owens.