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Os bastidores da viagem migratória mais perigosa do mundo

Equipe do Câmera Record embarcou em uma viagem perigosa através do México no trem de carga conhecido pelos imigrantes como 'La Bestia'

Internacional|Henrique Beirangê, da Record TV*

O trem de carga onde viajam os imigrantes é uma fonte de riscos
O trem de carga onde viajam os imigrantes é uma fonte de riscos O trem de carga onde viajam os imigrantes é uma fonte de riscos

15 de maio de 2019. Madrugada em Arriaga, México. A cidade no sul do país é o nosso ponto de partida e de outras dezenas de milhares de migrantes centro-americanos que embarcam todos os anos em uma das viagens mais perigosas do mundo. Fugindo da violência e da miséria, cerca de 150 mil pessoas - a maioria de Honduras, Guatemala e El Salvador - se arriscam em trens de transporte que matam ou mutilam pelo menos 1300 pessoas anualmente. O destino: os Estados Unidos.

Ironicamente, para alcançarem a terra dos sonhos, vão tomar o trem conhecido como “La Bestia”, a Fera. A máquina não tem hora certa para sair. Escolhemos um hotel às margens da ferrovia para chegarmos a tempo de embarcar ao primeiro som do apito da locomotiva. Dormimos com a própria roupa que faremos a viagem. Por volta das 3 horas da manhã, o guia que nos acompanha, nos liga dizendo que a máquina está pronta.

Leia também: Como sobrevivi no trem que leva imigrantes clandestinos para os EUA

Nossa equipe sai correndo com parte da bagagem até onde dezenas de migrantes começam a se amontoar nos vagões. Estamos na “gôndola”, um local onde é possível encostar, localizado na parte da frente do vagão. Em poucos minutos o trem parte. A região é mal iluminada e logo na chegada encontramos uma família de migrantes que havíamos conversado mais cedo. O hondurenho Roni, a esposa, um bebê de colo e um filho de 8 anos parecem assustados. A viagem pela Besta é cheia de relatos de estupros, assaltos e sequestros.

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Em 2010, 72 migrantes, incluindo dois brasileiros, foram mortos em Tamaulipas pelo grupo “Los Zetas”, um dos principais cartéis de narcotráfico do México. Segundo as investigações da polícia, eles teriam se recusado a trabalhar para os criminosos. No estado de Vera Cruz, há mais fossas coletivas do que município. A geografia do terror contabiliza 300 em um total de 200 cidades. Em todo o país, estima-se 1300 covas sem identificação. Segundo o governo, quatro mil migrantes podem ter encerrado o “sonho americano” nestes cemitérios clandestinos.

Alheio as histórias dos perigos que irá enfrentar pelo caminho, o filho de Roni come uma bolacha. Esta é a refeição da família, que ainda conta com uma garrafa de água de cinco litros para aguentar até a primeira parada, 12 horas depois, na cidade de Ixpetec. Maltrapilhos e cansados, os migrantes nos encaram desconfiados. Não sabemos quem viaja conosco e o risco de assalto é um alerta que nosso guia já havia dito.

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O trem atravessa áreas rurais sem qualquer iluminação e precisamos nos segurar para não entrarmos nas estatísticas de mortos e mutilados. Usamos um equipamento de rapel acoplado na cintura para podermos trabalhar sem correr o risco de cair. O “luxo” causa um pouco de constrangimento. Crianças, pessoas mais velhas se amontoam sem nenhuma segurança.

O trem balança na escuridão onde entrevistamos parte das pessoas que viajam conosco. Usamos lentes de gravação noturna e uma iluminação improvisada no celular. A cada pequena parada, os migrantes ficam preocupados. O governo mexicano aumentou as patrulhas em estradas e em ramais estratégicos dos trens contra a migração clandestina. A decisão é uma resposta à ameaça americana de sobretaxar os produtos mexicanos, caso o país não impeça a chegada de migrantes à fronteira sul dos Estados Unidos.

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Descemos em uma área rural para prosseguirmos nossa viagem em outro trecho. Roni e a família continuam sua odisseia. Despeço-me de Roni e deixo uma pequena ajuda. Ele sorri e o filho me abraça.

Nossa próxima viagem será na parte da manhã. O guia nos leva até um pequeno município nas proximidades de Ixpetec. Por volta das 12h, recebemos a notícia que a máquina deve sair. De repente, dezenas de pessoas que dormiam em uma casa de apoio a migrantes surgem às pressas ao som do apito da locomotiva. Nossa viagem agora será sob o calor do semideserto mexicano.

Estamos acompanhado de Joseph, um migrante Guatemalteco que sonha em ser ator. No teto do vagão a viagem na parte da manhã é mais perigosa. O trem sai. A viagem que leva a esperança de dezenas de pessoas poderia ter terminado em tragédia logo no começo. O trem passa por entre árvores e arbustos. Troncos grossos quase nos derrubam e um galho passa bem próximo a meu olho. Tombado por um galho, foi assim que um de nossos entrevistados que mora em Honduras perdeu uma perna faz cerca de um ano.

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Após o susto, a viagem continua em meio às paisagens secas do sul do México. O vento forte e seco aumenta a sede. O consumo da água aumenta bastante. Joseph parece não se incomodar. Carregando apenas uma mochila com alguns trapos dentro, ele conta que um dia sonha em trabalhar em alguma emissora de televisão. Joseph é simpático. Parece feliz com nossa presença.

Não podemos ficar muito tempo sobre o trem. O calor é escaldante e a sede muito forte. Diferente dos flagelados centroamericanos temos a escolha de descer na próxima parada. Joseph e seu amigo continuam a jornada. Vemos o trem ir embora com muitas pessoas pedindo água e comida. Doamos o que temos, mas não é suficiente para todos. Crianças e idosos terão que seguir em frente. Vemos pais e mães pedindo água, mas não temos mais nada além do que o levávamos conosco.

Encerramos nossa viagem em El Paso, Texas, nos Estados Unidos. Fizemos o trecho final de avião. Migrantes levarão dias ou até semanas para conseguirem chegar em uma das cidades fronteiriças dos Estados Unidos com o México, onde tentarão atravessar ilegalmente. Isso, se chegarem... De acordo com uma associação de famílias de migrantes de Honduras, 727 pessoas desapareceram nos últimos anos no México tentando chegar em território norte-americano.

Os detalhes desta viagem que começa em Honduras, passa por Guatemala, México e termina nos arredores dos centros de detenção de migrantes nos Estados Unidos você assiste em dois episódios no Câmera Record, às 23h15, nos domingos de 7 e 14 de julho.

Henrique Beirangê é repórter investigativo do Núcleo de Reportagens Especiais da Record TV

Veja imagem dos bastidores da matéria

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