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Os impactos das mudanças climáticas são muito piores do que imaginamos

Estudos apontam que até o aprendizado das crianças é prejudicado pelos frequentes dias de calor intenso

Internacional|R. Jisung Park, do The New York Times

Pessoas na rua em situação de sofrimento devido ao calor
Atualmente, o calor está matando mais pessoas do que a maioria dos outros desastres naturais juntos (Damon Winter/Damon Winter/The New York Times)

Muitos de nós sabemos que as mudanças climáticas são uma ameaça ao nosso bem-estar. Mas o que ainda não compreendemos é que a devastação causada por elas muitas vezes tem a ver tanto com catástrofes que chamam a atenção quanto com o acúmulo mais sutil de inúmeros eventos menos aparentes, porém igualmente devastadores. São custos quase invisíveis, que podem não gerar o mesmo alarme, mas que, em sua abrangência e desigualdade, podem ser muito mais prejudiciais do que geralmente se imagina. Reconhecer esses custos ocultos será essencial para nos prepararmos para o aquecimento que ainda teremos de enfrentar.

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A responsabilidade por mitigar as alterações climáticas em nível local cabe, em parte, às instituições públicas, não apenas incentivando a redução de emissões, mas também facilitando a adaptação. O discurso público em torno das mudanças climáticas muitas vezes deixa de lado o papel central que as instituições locais desempenham nessa última função e quanto do impacto percebido localmente depende não só dos fenômenos físicos das mudanças climáticas em si, mas também de como estes interagem com os sistemas humanos – econômicos, educacionais, legais e políticos.

Vamos começar falando do calor, que está matando mais pessoas do que a maioria dos outros desastres naturais juntos. Pesquisas mostram que ondas de calor que estão quebrando recordes são apenas parte da história. Em vez disso, talvez sejam os dias não tão quentes, muito mais numerosos, que causam a maior parte da destruição social, inclusive por meio de seus efeitos complexos e muitas vezes despercebidos sobre a saúde e a produtividade humanas. Nos Estados Unidos, mesmo temperaturas moderadamente elevadas – entre 26 e 32ºC – são responsáveis por tantas mortes em excesso quanto as ondas de calor recordes acima de 40ºC, se não mais, de acordo com meus cálculos, baseados em uma análise recente dos registros do Medicare.

Em alguns setores com alta exposição e exigência física, como o da mineração, um dia na casa dos 30ºC pode aumentar o risco de lesões em 65% em relação a um dia com temperaturas entre 15 e 20ºC. Embora alguns desses incidentes envolvam casos claros de males causados pelo calor, meus colegas e eu descobrimos que a grande maioria parece ter origem em acidentes aparentemente não relacionados, como um trabalhador da construção civil que cai de uma escada ou um operário industrial que se machuca ao operar maquinário pesado. Na Califórnia, nossa pesquisa mostra que o calor pode ter causado 20 mil lesões laborais por ano, das quais apenas uma pequena fração foi oficialmente registrada como relacionada ao calor.

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Um número crescente de publicações relaciona a temperatura ao desempenho cognitivo e à tomada de decisões. Pesquisas mostram que dias mais quentes ocasionam mais erros, inclusive entre atletas profissionais; mais crimes locais; e mais violência nas prisões, de acordo com documentos laborais. Também correspondem a um maior uso de palavrões nas redes sociais, sugerindo que um mundo cada vez mais quente tende a ser um mundo mais irritável, propenso a erros e cheio de conflitos.

As crianças não estão imunes a isso. Em uma pesquisa que usou mais de quatro milhões de resultados de exames de alunos, descobri que, de 1999 a 2011, os alunos que fizeram as provas padronizadas do ensino médio da cidade de Nova York em um dia de 32ºC tiveram 10% menos probabilidade de passar nas matérias, em comparação àqueles que fizeram os exames em um dia com temperatura de 15ºC. Em outra pesquisa, meus colegas Joshua Goodman, Michael Hurwitz, Jonathan Smith e eu descobrimos que, em todo o país, anos escolares mais quentes levaram a ganhos mais lentos em provas padronizadas. Em média, pode não parecer um grande impacto: cerca de um por cento de perda de aprendizado por ano letivo com temperaturas um grau mais elevadas. Isso talvez não seja perceptível em determinado ano, mas, como esses efeitos de aprendizado são cumulativos, as consequências podem ser significativas.

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E isso falando apenas do calor. Os pesquisadores estão trazendo à luz os efeitos mais sutis, porém prejudiciais quando cumulativos, do aumento dos incêndios florestais e de outros desastres naturais. As consequências ocultas da fumaça dos incêndios florestais podem ser ainda mais profundas do que a morte e a destruição visíveis causadas pelas chamas. Ao contabilizar os custos econômicos e de saúde decorrentes da exposição à fumaça, os pesquisadores estimaram, em artigo ainda não publicado, que o aumento da fumaça de incêndios florestais decorrente da mudança climática pode causar mais de 20 mil mortes adicionais por ano nos EUA até 2050. Pouquíssimas dessas doenças serão oficialmente classificadas como causadas por incêndios florestais, pois terão sido o resultado da influência cumulativa da piora da qualidade do ar e da saúde debilitada ao longo de muitas semanas e meses. As pesquisas agora sugerem que a fumaça dos incêndios florestais também pode afetar negativamente o aprendizado dos estudantes e os rendimentos dos trabalhadores.

Já que mesmo as mudanças climáticas “não catastróficas” podem ser mais sutilmente prejudiciais e amplificadoras da desigualdade do que costumávamos pensar, as intervenções locais são essenciais para ajudar na preparação para o aquecimento que está por vir.

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Atualmente, nossos sistemas sociais e econômicos não estão bem preparados para se ajustar aos danos acumulados causados pelas mudanças climáticas, embora muito do que determina se as mudanças climáticas nos prejudicam dependa das escolhas que fazemos como indivíduos e como sociedade. O fato de um dia quente causar um leve desconforto ou uma mortandade generalizada se resume a decisões individuais, como a instalação e o uso do ar-condicionado, e a decisões coletivas sobre o preço e a disponibilidade de seguros, a alocação de leitos hospitalares ou os procedimentos e normas que regem como e quando os trabalhadores laboram.

Pesquisas recentes indicam que a forma como a temperatura afeta a saúde humana depende muito das adaptações disponíveis no local. Por exemplo, um dia acima de 29ºC nas regiões mais frias dos EUA tem quase dez vezes mais efeito sobre a mortalidade de idosos do que nas mais quentes. Em outras palavras, uma série de dias como esses em um lugar como Seattle levará a um aumento muito maior na taxa de mortalidade do que em um lugar como Houston, mesmo que ambos tenham níveis de renda semelhantes. Na zona rural da Índia, fatores institucionais, como o acesso a serviços bancários, podem afetar o número de vidas perdidas em decorrência do calor; este pode também prejudicar a produtividade das colheitas, levando agricultores de subsistência a depender de fontes de financiamento para sobreviver.

Em nossa pesquisa a respeito da relação entre calor e aprendizado, descobrimos que os efeitos adversos de um ano letivo um grau mais quente causam de duas a três vezes mais impacto sobre alunos negros e hispânicos, que têm menos probabilidade de ter ar-condicionado em condições de uso na escola ou em casa, mesmo dentro de determinada cidade, e são praticamente inexistentes em escolas e bairros com alta incidência de aparelhos de ar-condicionado doméstico e escolar. Estimamos que as temperaturas mais altas talvez já sejam responsáveis por cinco por cento das diferenças raciais no desempenho acadêmico. Sem investimentos corretivos, é provável que as mudanças climáticas aumentem ainda mais essas diferenças. Mudando o foco para esses custos sociais mais sutis, será possível elaborar e executar estratégias mais eficazes. Mas, no momento, os esforços de adaptação permanecem extremamente fragmentados, e em geral se concentram em riscos climáticos mais visíveis, como tempestades.

E, é claro, uma compreensão empiricamente diferenciada dos danos climáticos deixa ainda mais evidente que a redução agressiva das emissões faz sentido em matéria de custo-benefício, não só porque queremos nos resguardar contra o colapso ecológico total (em que entram em cena a “rebelião da extinção” e os “pontos de inflexão”), mas também porque os custos econômicos até mesmo do aquecimento “não catastrófico” podem ser consideráveis. Estimativas recentes da Agência de Proteção Ambiental americana, que incorporam apenas alguns desses impactos cumulativos, sugerem que uma única tonelada de dióxido de carbono desencadeia custos sociais futuros no valor de US$ 190, o que significa que provavelmente vale a pena buscar tecnologias que possam reduzir o custo por tonelada dessas emissões.

As mudanças climáticas são um fenômeno complexo, cujos custos finais vão depender não só da rapidez com que vamos abandonar os combustíveis fósseis, mas também de como vamos adaptar nossos sistemas sociais e econômicos ao aquecimento que nos aguarda. Uma postura proativa em relação à adaptação e à resiliência pode ser útil do ponto de vista da proteção da própria segurança física e financeira, seja como proprietário de uma casa, seja como diretor de uma empresa da Fortune 500. Pode ser vital para garantir que as oportunidades econômicas não desapareçam para aqueles que se encontram em maior desvantagem.

(R. Jisung Park é economista ambiental e trabalhista, professor assistente da Universidade da Pensilvânia e autor de “Slow Burn: The Hidden Costs of a Warming World”.)

c. 2024 The New York Times Company

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