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Saída do Reino Unido da União Europeia “cria alguma incerteza”, diz embaixador

Três meses após o 'Brexit', Alex Ellis analisa situação do Reino Unido em entrevista exclusiva

Internacional|Mariana Londres, do R7, em Brasília

Com saída da UE, relações do Reino Unido com o Brasil devem se estreitar
Com saída da UE, relações do Reino Unido com o Brasil devem se estreitar Com saída da UE, relações do Reino Unido com o Brasil devem se estreitar

Exatos três meses após a apertada decisão da população do Reino Unido de deixar a União Europeia, começam a ficar claras as consequências do que ficou conhecido por ´Brexit’ (Britain Exit). Uma delas é que o processo do ‘divórcio’ será longo, não deve terminar em menos de dois anos e deve trazer alguma incerteza já que não se sabe como ficarão as relações comerciais do Reino Unido com o bloco. Essa é a avaliação do embaixador do Reino Unido no Brasil, Alex Ellis, que recebeu o R7 para uma entrevista na residência oficial da Embaixada em Brasília. 

O prazo do processo de saída começa a contar assim que o Reino Unido acionar o artigo 50º do Tratado de Lisboa, o que segundo o embaixador não acontecerá neste ano. O artigo trata da saída voluntária de um Estado da União Europeia e desencadeará as negociações para estabelecer as condições para a saída. As negociações e a finalização do processo devem durar dois anos.

Nestes três meses desde o referendo, cujo resultado surpreendeu até ao embaixador, a avaliação do diplomata é que o Reino Unido mostrou que tem um sistema político eficiente, já que reagiu rapidamente à decisão de ruptura, e que um desastre econômico não aconteceu, apesar de algumas previsões iniciais.

Carismático, comunicativo e fluente em português, o embaixador falou ainda da pressão da crise dos refugiados na Europa, dos avanços das relações entre Brasil e Reino Unido e das surpreendentes conclusões de brasileiros que vão ao Reino Unido para estudar ou conhecer: “Ficam surpresos pelo nível de inovação do País, já que temos uma imagem de país conservador. E além disso se surpreendem porque somos muito mais calorosos do que vocês acham que somos”.

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Para Ellis, o símbolo do seu país é o cantor David Bowie, morto em janeiro deste ano: “Bowie tem uma excentricidade avant-garde [de vanguarda], e ao mesmo tempo consegue alcançar uma audiência em massa. Então há uma combinação entre tradição e inovação muito interessante [na cultura britânica].”

Leia abaixo a entrevista completa, concedida na varanda da residência oficial da Embaixada, com pontualidade britânica. A reportagem foi recebida com chá, uma tradição, às 17h.

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R7- Como está sendo esse processo de saída da UE após um resultado, que para muitos foi surpreendente, e teve uma pequena diferença de votos? É possível fazer uma análise mais clara agora que se passaram três meses do referendo?

Para Alex Ellis, resultado do referendo mostrou resiliência britânica
Para Alex Ellis, resultado do referendo mostrou resiliência britânica Para Alex Ellis, resultado do referendo mostrou resiliência britânica

Alex Ellis - Foi uma surpresa o resultado. Foi uma campanha dura, o resultado foi mais ou menos 52% a 48%. É normal você ter uma divisão. Quando você tem voto é assim. Não é tanto uma questão da diferença de votos mas a como você reage as consequências de voto. Primeiramente teve uma consequência política, e o primeiro-ministro David Cameron se demitiu na manhã seguinte. Claro que a vontade do povo britânico mostrou que o mandato tinha que ser entregue, nas palavras dele, já que ele não era a pessoa adequada a dar o próximo passo. Depois, dentro de duas semanas houve um novo primeiro ministro, Theresa May. Então isso mostra que no curto prazo nosso sistema político é muito eficiente. Reage, responde às circunstâncias, então só levou duas semanas para ter uma transformação política.

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Houve ainda uma primeira reação econômica em termos dos mercados com a desvalorização da moeda de mais ou menos 10%, 12%, e ao mesmo tempo uma reação de política monetária do Banco da Inglaterra com uma redução pequena da taxa de juros. Então realmente as previsões de desastre não aconteceram. Ou seja mostra a resiliência econômica também, além de política.

Quem não acompanha esse assunto de perto acha que o Reino Unido já deixou a União Europeia. Qual é a previsão do fim desse ‘divórcio’?

Agora que se passaram esses três meses o processo de renegociação com a União Europeia vai demorar. Não vai passar num dia só. Há um entendimento da parte dos outros membros da UE (União Europeia) que será necessária uma boa preparação antes de começarem as negociações, entendo que vai demorar algum tempo.

As negociações, em princípio, duram dois anos. Isso nunca foi feito antes. Nunca um país saiu. Houve parte de um país, a Groenlândia, que saiu da União Europeia, mas nunca um país inteiro. Então isso é uma novidade, algo que nunca foi feito. O relógio começa a mexer quando entregamos oficialmente o pedido de sair. E isso ainda não foi feito. Quando exatamente vamos fazer isso ainda não sei, mas não será esse ano. Então vai demorar algum tempo.

E quais serão as consequências econômicas após o fim do ‘divórcio’?

As consequências econômicas estão por vir. Isso cria alguma incerteza, porque não sabemos exatamente como será a relação com a União Europeia depois de sair, pois houve um ligeiro rebaixamento das previsões econômicas para o ano que vem, mas não é dramático.

E você tem um desejo claro de parte do governo britânico de focar ainda mais nas relações com o Brasil. O chanceler José Serra e o chanceler britânico Boris Johnson tiveram um breve encontro no início da semana em Nova Iorque e os dois falaram desse desejo de aproximar as relações.

Então a reação inicial [do Brexit] é de resiliência, no médio prazo é de pensar, refletir a avançar nas relações de países como o Brasil.

O Brexit pode ser votado novamente no parlamento?

Isso é outra questão. Como Cameron disse, a vontade do povo britânico é um mandato que tem que ser respeitado, então temos que respeitar. Vai ter sempre ter uma divisão na parte política, mas tem que haver respeito às urnas. A participação da população na votação foi alta, 73%, mais alto do que nas eleições gerais. Não temos voto obrigatório. Então temos que respeitar o resultado e pensar, refletir e avançar. Mas isso vai demorar algum tempo.

A crise dos refugiados está diretamente ligada a essa questão já que houve na campanha pelo Brexit uma discussão grande sobre isso. Você não concorda?

Não. Porque não é só uma questão de refugiados. Há a questão da migração e a questão dos refugiados. São questões diferentes. O nível de refugiados está aumentando rapidamente, mas não é tão grande. O nível de migração é muito maior. Foi um elemento entre vários de campanha [do referendo] sem dúvida nenhuma. A Theresa May [primeira-ministra] falou nas Nações Unidas na Assembleia Geral sobre isso. Sobre refugiados, o Reino Unido é o segundo maior doador do mundo de assistência humanitária. Até este momento são quase dois bilhões de dólares de ajuda monetária, o que é significativo. Também somos um grande doador para que em campos refugiados, no Líbano, Jordânia e Turquia, os refugiados possam educar os seus filhos, tenham saúde e emprego nos campos. Porque em parte, quem aproveita desses refugiados são criminosos que querem fazer um tipo de contrabando desses refugiados para países mais ricos. No fim você tem que tentar resolver a questão da Síria.

Na sua opinião, o Reino Unido e a Europa como um tudo estão agindo corretamente em relação aos conflitos em países da África e na Síria. A ação humanitária e militar nos locais em guerra estão sendo efetivos?

Nossa ação humanitária sim. A ação política depende muito do regime de Assad. Afinal quem vai decidir pelo fim da guerra na Síria são os sírios. Principalmente o regime de Assad.

Fica todo mundo de mãos atadas?

Atadas não vou dizer, mas o principal ator é o próprio regime. Então se você tem incidentes como ataques a um comboio de ajuda alimentar, não ajuda. A solução tem que ser política, afinal. E tem que ser uma transição para um governo que os próprios sírios respeitem. Então é uma solução difícil. Mas é bom lembrar que os refugiados não vêm só da Síria, há outros países como a Eritreia, que passam pela Líbia. Um país onde já houve alguns avanços, mas são obras de uma década, pelo menos, como está sendo no caso do Afeganistão. Mas somos um enorme doador e queremos avançar o debate sobre refugiados.

E sobre a migração?

Theresa May também falou sobre isso. Eu acho que qualquer país tem que ter uma sensação de controle. Houve um número pessoas que foram forçadas a sair das suas casas [refugiados], agora são 65 milhões, isso é a população do Reino Unido. Isso é um problema crescente. E você tem que ter política para refugiados, aceitar os refugiados. Nós recebemos 20 mil, com foco em crianças da Síria. E você tem que ter política para distinguir um refugiado de um migrante econômico. Migrante econômico é algo normal. Podemos citar o exemplo do meu país. A porcentagem de meu país que nasceu fora do Reino Unido é de cerca de 14%. E isso duplicou nos últimos vinte anos. E a porcentagem das pessoas em Londres, que são nascidas fora do Reino Unido é de 37%. É o mais alto do que qualquer cidade grande do mundo. É preciso ver que a migração acontece. Mas a sensação de não ter controle sobre as fronteiras é uma sensação perigosa.

Então novamente você acredita que isso possa ter afetado o resultado do Brexit, essa sensação de insegurança dos britânicos?

Não posso dizer que uma coisa causou outra. Isso é o seu papel. É evidente que Theresa May falou na necessidade de mostrar ao povo britânico que há a necessidade de termos sensação de controle das nossas fronteiras.

O senhor completou três anos aqui no Brasil, e deixará o posto na Embaixada no meio do ano que vem. Como avalia a sua atuação, conquistas?

É um pouco cedo para fazer balanço. Mas eu diria que até 1914 as relações entre os nossos países eram muito próximas em termos humanos e econômicos. O Reino Unido era o maior parceiro comercial do Brasil, em parte porque Reino Unido era a maior potência do mundo. E em termos humanos também. O meu bisavô nasceu aqui no Brasil, no Rio, meu trisavô teve uma grande empresa no Rio e em São Paulo. Então isso era bastante típico. Então era bastante normal este fluxo humano. Mas a partir da primeira Guerra Mundial e mais para a segundo guerra mundial o Brasil e o Reino Unido viraram um pouco as costas um para o outro. Houve uma transformação dessa relação nos últimos quinze, vinte anos. Porque o Brasil começou a se reimpor no mundo e o Reino Unido começou a se reintegrar com o Brasil. E isso nos últimos anos houve uma forte e rápida internacionalização do Brasil. De uma base muito baixa, muito pequena, para um País que não é muito internacional. Nós triplicamos o número de estudantes brasileiros para o Reino Unido. O fluxo comercial aumentou 70% em cinco anos e houve um forte aumento de pesquisa conjunta científica. E houve um aumento do investimento brasileiro no Reino Unido, que também tinha uma base muito baixa. Aumentou muito, pausou um pouco nos últimos dois anos por problemas internos do Brasil, mas não depreciou. O número de estudantes aumentou, em função do Ciência sem Fronteiras. E o investimento aumentou e o fluxo comercial não baixou. Tudo isso para dizer que não houve volta para trás.

Agora temos um novo contexto político, com o novo governo de Temer e o novo governo de Theresa May é um momento para recomeçar esse processo de reaproximação, quer em termos humanos, quer em termos econômicos também. E espero que as Olimpíadas e Paraolímpiadas possam contribuir para isso também.

Se o senhor fosse formular uma pergunta que os repórteres não te fazem e você acha que deveriam porque acha importante falar, qual seria?

Normalmente eu consigo dizer mesmo quando eles não perguntam... Mas uma coisa que surpreende quando eu vou para alguma cidade no Brasil falar com estudantes do Ciências sem Fronteiras e pergunto o que eles acham do País [Reino Unido]. E a primeira resposta, que não me surpreende, é ‘It works’, ou seja, tudo funciona.

Temos toda uma estrutura em volta da educação que funciona bem, serviços públicos que funcionam bem. Mas isso não é surpresa, porque é verdade.

E eles ficam surpresos pelo nível de inovação do País. Temos uma imagem de país conservador. Por causa da monarquia, castelos etc. Ser um país tão inovador surpreende um pouco. O símbolo para mim para o meu país é o David Bowie que tem uma excentricidade avant-garde, e ao mesmo tempo consegue alcançar uma audiência massiva. Então há uma combinação entre tradição e inovação muito interessante. E além disso é que somos muito mais calorosos do que vocês acham que somos.

Mas você não é um embaixador tradicional, é mais expansivo.

Não mas não sei bem o que isso quer dizer. Como é um embaixador tradicional? E acho que os estudantes brasileiros que vão para o Reino Unido acham que nós somos mais calorosos. Diferente em algumas coisas dos brasileiros, claro, respeitamos muito a privacidade, mas somos bastante calorosos. Mas como eu digo sempre ‘come and see for yourself’ [Venha e veja com os seus próprios olhos].

Para lembrar de uma pequena vantagem do voto pela saída da União Europeia, é que a nossa moeda está um pouco menos forte.

E nós brasileiros vamos poder viajar mais para o Reino Unido

Exatamente.

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