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Vacinas, drones e micróbios: cientistas estudam maneiras (que funcionam) de salvar o coala

Marsupial típico da Austrália é ameaçado por doenças, uma dieta tóxica e mudanças climáticas

Internacional|Emily Anthes, do The New York Times

O coala, que há muito tempo é um dos ícones australianos, tornou-se um emblema infeliz da crise de biodiversidade (Chang W. Lee/The New York Times - 03.11.2023)

Era primavera em Queensland, na Austrália, estação em que muitos animais selvagens se encontram em apuros, e o piso do hospital veterinário Currumbin Wildlife estava forrado de pelos e penas.

Um cisne-negro meio grogue saiu da sala de raio X balançando a cabeça com seu longo pescoço. Uma raposa usava uma pequena máscara anestésica. Um pássaro lóris molucano ferido grasnava em sua gaiola (“Muito zangado”, avisava uma placa presa à tela.)

“Aqui vemos de tudo”, disse o dr. Michael Pyne, veterinário sênior do hospital. Também esperavam tratamento na programação do dia: três águias, dois pítons, um pássaro comedor de mel de cara azul, um gambá de orelhas curtas e, segundo Pyne, “um monte de coalas”.

Mais de uma dúzia de coalas estava convalescendo em recintos ao ar livre, envolvendo seus braços lanosos nos troncos das árvores de eucalipto. As enfermarias estão sempre cheias. Em 2023, o hospital admitiu mais de 400 coalas, aumento quatro vezes superior em relação a 2010.

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O crescimento do número de coalas foi impulsionado, principalmente, pela disseminação da clamídia, infecção bacteriana devastadora. Mas o hospital também estava atendendo mais coalas com lesões traumáticas, inclusive as causadas por carros e cachorros. Coalas famintos e desidratados chegam durante as secas; coalas queimados aparecem depois de incêndios florestais. Ocasionalmente, surgem até mesmo com ferimentos causados por vacas. “É por isso que os coalas estão em perigo de extinção. Tudo parece estar contra eles”, comentou Pyne.

O coala, que há muito tempo é um dos ícones australianos, tornou-se um emblema infeliz da crise de biodiversidade que o país atravessa. O animal está ameaçado pelo desmatamento, pelas mudanças climáticas e por doenças infecciosas. Juntas, essas forças o colocam em risco real de extinção. Embora seja um animalzinho notoriamente difícil de contar, sabe-se que as populações, em alguns lugares, despencaram em até 80 por cento, conforme estimam pesquisadores. “Não sabemos qual é o limite, qual o ponto de não retorno. Portanto, precisamos agir urgentemente”, afirmou Tanya Pritchard, gerente sênior de recuperação de espécies e restauração de paisagens do World Wide Fund for Nature, da Austrália.

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Cientistas e grupos conservacionistas estão fazendo um grande esforço para salvar o coala. Alguns estão adotando estratégias tradicionais já testadas pelo tempo, incluindo, por exemplo, a proteção dos habitats desses animais e a defesa de leis de conservação mais rígidas.

Outros tentam abordagens experimentais, que vão da aplicação de probióticos ao uso de drones para plantar árvores. Muitos destes projetos estão em fase inicial e nenhum apresenta uma solução completa. Mas, dada a grande variedade de ameaças que os coalas enfrentam, salvá-los exige a implantação de todas as ferramentas disponíveis. “Neste momento, cada coala conta”, observou Pritchard.

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Aqui estão algumas das ferramentas em desenvolvimento.

Vacinas explosivas

A clamídia é uma infecção sexualmente transmissível comum em humanos e também comum no reino animal. Não se sabe como o coala fori infectado pela primeira vez, mas uma possibilidade é que esse marsupial tenha contraído clamídia nas fezes do gado.

A doença se espalha mediante o contato sexual e das mães para os filhotes. Tornou-se surpreendentemente difundida em partes da Austrália. A clamídia pode causar infecções do trato urinário, cegueira e infertilidade, sugerindo que o coala está em situação ainda pior do que, aparentemente, seu número decrescente indica. “Quantos coalas existem por aí que não conseguem mais procriar porque a clamídia os tornou estéreis?”, disse Pyne.

Os medicamentos contra a doença podem desequilibrar o microbioma intestinal (Chang W. Lee/The New York Times - 03.11.2023)

No momento, cientistas estão colaborando com o Currumbin Wildlife Hospital, em Currumbin, na Austrália, para testar uma nova vacina contra a clamídia em coalas selvagens. Até agora, a vacina produziu “resultados espetaculares”, de acordo com Ken Beagley, imunologista da Universidade de Tecnologia de Queensland que liderou o desenvolvimento da vacina.

Dois estudos em andamento mostram que mais de 300 coalas selvagens foram vacinados. Muitas fêmeas vacinadas passaram a ter filhotes saudáveis, alguns dos quais já tiveram os próprios filhotes. “Foi muito melhor do que esperávamos”, afirmou Beagley sobre o resultado.

Ainda assim, será um desafio inocular milhares de coalas selvagens com a vacina atual, que requer duas injeções com 30 dias de intervalo. Beagley e seus colegas procuram agora desenvolver um implante de vacina de ação retardada, que poderia ser injetado sob a pele quando o coala recebe a primeira dose. Ao longo de várias semanas, a pequena cápsula absorveria água lentamente e depois explodiria, administrando assim a segunda dose.

Os bons micróbios

O coala é notoriamente exigente com sabores e prefere aqueles altamente incomuns. “Ele se alimenta com uma dieta realmente intragável de folhas de eucalipto, rica em fibras, pobre em proteínas e repleta de toxinas”, disse Michaela Blyton, ecologista molecular e microbiologista da Universidade de Queensland.

Viver de eucalipto requer uma comunidade cooperativa de micróbios intestinais, que ajudam a digerir as folhas. O trabalho de Blyton sugere que essas comunidades microbianas estão tão bem sintonizadas que podem ditar quais espécies de eucalipto, das muitas que se espalham pela Austrália, um coala sozinho pode comer. Essa especificidade microbiana explica por que o coala às vezes é incapaz de diversificar sua dieta, mesmo diante da fome.

Viver de eucalipto requer uma comunidade cooperativa de micróbios intestinais, que ajudam a digerir as folhas (Chang W. Lee/The New York Times - 03.11.2023)

Em um estudo de 2019, Blyton mostrou que poderia proporcionar uma mudança no microbioma intestinal dos coalas e expandir sua dieta, oferecendo a eles transplantes fecais de outros espécimes que comiam um tipo diferente de eucalipto. (Para fazer o transplante, Blyton embalou amostras fecais de coalas doadores em pequenas cápsulas, que foram administradas por via oral.)

Agora, ela espera utilizar a mesma abordagem para manter o equilíbrio microbiano em coalas que tomam antibióticos, o tratamento preferencial para a clamídia. Os medicamentos contra a doença podem desequilibrar o microbioma intestinal, fazendo com que o marsupial pare de comer completamente, com resultados às vezes fatais. “É difícil fazer o animal voltar a funcionar e, muitas vezes, simplesmente não conseguimos”, afirmou Blyton, que colabora com o Currumbin e outros hospitais que cuidam da vida selvagem.

Blyton desenvolveu uma técnica para liofilizar (um método de desidratação) amostras fecais de coalas saudáveis, produzindo cápsulas de longa duração que podem ser administradas em coalas com clamídia. Elas servem como uma espécie de probiótico oral. Infelizmente, os primeiros resultados dos testes sugeriram que a administração das cápsulas era estressante para os coalas doentes, de modo que Blyton quer agora transformar as amostras fecais liofilizadas em um pó que poderia ser adicionado a outros suplementos nutricionais que os animais já recebem.

Drones e árvores

O coala é um animal sedentário que vive em árvores. É difícil de detectar na natureza, o que aumenta o desafio de acompanhar o estado das populações, identificar habitats críticos e protegê-lo de ameaças.

Grant Hamilton, ecologista quantitativo da Universidade de Tecnologia de Queensland, desenvolveu um novo sistema de localização de coalas alimentado por inteligência artificial (IA). Um drone equipado com uma câmera térmica sobrevoa as árvores em busca de bolsas de calor corporal escondidas sob a copa. Algoritmos que fazem a máquina aprender processam rapidamente essas imagens, contabilizando os coalas. Em seguida, os cientistas usam modelos estatísticos para calcular a população total dos marsupiais em determinada área.

O crescimento do número de coalas foi impulsionado, principalmente, pela disseminação da clamídia, infecção bacteriana devastadora (Chang W. Lee/The New York Times - 03.11.2023)

Cientistas começaram a ensinar grupos de organizações conservacionistas locais a pilotar um drone nos próprios bairros. Hamilton e seus colegas analisarão os dados colhidos para ajudar essas organizações a identificar habitats críticos para os coalas que precisem de proteção ou recuperação. “Podemos usar a IA para ajudar pessoas a administrar seus quintais e seus parques. É uma ideia envolvente”, comentou ele.

O Fundo Mundial para a Natureza, da Austrália, está fazendo uma campanha para salvar ou plantar dois bilhões de árvores até 2030. Para isso, utiliza drones que ajudam na restauração de habitats. Ao longo de oito horas, um único drone plantador de árvores pode despejar cerca de 40 mil sementes sobre uma área. “Os drones não são adequados para todos os ambientes, mas oferecem uma forma de ampliar o trabalho. É um pouco simbólico da nossa situação. Se não podemos salvar o coala, como nossa espécie mais importante e mais amada, qual o significado disso para nossa situação e para a saúde dos nossos habitats?”, disse Pritchard.

Uma etiqueta de energia solar (e humana)

Apesar das ameaças que enfrenta, o coala tem uma coisa a seu favor. “É um dos animais mais fofos da Terra”, disse a dra. Romane Cristescu, ecologista conservacionista da Universidade de Sunshine Coast.

A clamídia pode causar infecções do trato urinário, cegueira e infertilidade (Chang W. Lee/The New York Times - 03.11.2023)

Para aproveitar a afeição natural do público pelo coala, Cristescu e seus colegas estão desenvolvendo um conjunto de ferramentas tecnológicas, incluindo etiquetas auriculares alimentadas por energia solar para rastreio de localização, que enviam dados para um aplicativo móvel. O aplicativo, ainda em fase de testes, vai ajudar os australianos a conhecer os coalas que vivem em seus bairros. “Para onde vão, quem encontram, o que fazem seus filhos, têm namorado? Vamos mostrar às pessoas que os coalas, assim como nós, têm uma vida também”, afirmou a ecologista.

Cristescu espera que os moradores desenvolvam ligações com seus coalas locais e se inclinem a apoiar os esforços de conservação. A começar pela mudança de comportamento, como não cortar as árvores de seus quintais. “A ideia é que tenhamos muito mais empatia por um coala que tem um nome e uma história”, observou ela.

O aplicativo também incentiva o usuário a registrar avistamentos de coalas e relatar coalas doentes, dados que podem ser enviados a cientistas e equipes de cuidado da vida selvagem.

E as etiquetas auriculares também podem ser usadas para outros fins.

Cristescu lidera um programa de pesquisa que usa cachorros treinados para farejar coalas e excrementos destes. Depois dos catastróficos incêndios florestais que abateram a Austrália, em 2019 e 2020, sua equipe utilizou cachorros e drones para encontrar e resgatar coalas feridos. Mas ela disse que as etiquetas auriculares de rastreamento de localização fornecem uma maneira mais rápida de encontrar coalas em perigo.

c. 2024 The New York Times Company

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