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A facção morreu, nova máfia nasceu

Arquivo Vivo|Percival de Souza, da Record TV

Ataques a bancos em Araçatuba
Ataques a bancos em Araçatuba Ataques a bancos em Araçatuba

Marcola nunca foi Dillinger. “Sem Cérebro”, bandidão raivoso, nunca foi Baby Face. O PCC teve e tem duplas, mas nunca teve Bonnie e Clyde.

Os nomes em português são do Primeiro Comando da Capital, o PCC, que em código prefere identificar-se por números: 1533, ou seja, “P”, a décima quinta letra do alfabeto, e “C”, as três primeiras. Os outros nomes acima referidos são de perigosos assaltantes de bancos que agiram durante os anos trinta, nos Estados Unidos, fase da Grande Depressão, causada pela queda da Bolsa de Nova York, com repercussão na economia mundial.

Dillinger, que em suas fugas usava um carro Ford com motor V-8, chegou a escrever uma carta para Henry Ford, em Detroit, elogiando-o pela performance do veículo. O casal Bonnie-Clyde era romanticamente charmoso e, na região de Dallas, no Texas, praticou inúmeros assaltos a banco. Os algozes dos assaltantes foram os eficientes Melvin Purvis e Eliot Ness, do FBI, na caçada a grandes bandidos, entre eles Al Capone.

O tupiniquim Marcola, poucos sabem, também começou como ladrão de banco, em Cuiabá, MT, onde roubou um posto do Banco Central, instalado em dependências do Banco do Brasil. Preso, escapou com suspeita facilidade da prisão, dando início, em São Paulo, à organização que aterroriza até hoje. Jovem, era viciado em fumar maconha e cheirar cola, daí o apelido Marcola.

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A organização criminosa tem evoluído a cada ano, modernizando-se e ampliando seus poderosos tentáculos envolventes. A tal ponto que, a rigor, não deveria mais ser mais chamada de “facção”, pois em nada difere da organização criminosa siciliana. Mataram o juiz antimáfia Giovani Falcone, num atentado na estrada para Palermo? Sim, mas a máfia brasileira, não mais facção, matou o juiz Antonio Machado Dias, à saída do Fórum em Presidente Prudente (SP).

A nova máfia cresceu tanto que conseguiu o monopólio absoluto para três vertentes dos setores mais rentáveis do crime: grandes assaltos, tráfico de drogas e contrabando de armas e munições. As três se retroalimentam. A organização passou, como se fosse uma espécie de empresa do crime, a financiar assaltos, alugar veículos e armas e criar esquemas sofisticados do tráfico para o exterior. Não há mais individualismo, existe o coletivo entre “irmãos“. Voo solo não é permitido e sim punido.

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Portanto, quem quiser combater a nova máfia precisa ser ardiloso, criativo e competente profissionalmente. Se for amador, alicerçar-se apenas em teses e não fatos, lançando olhares limitados e burocráticos para tudo isso, perderá a batalha. E é uma batalha que está sendo travada, na qual nem todos os fatos são conhecidos e os bastidores envolventes são horripilantes, porque não existe poder paralelo criminoso, em nenhum lugar do mundo, sem o conluio de agentes do Estado. Aqui, isso já aconteceu várias vezes, em formatos que podem ser considerados vergonhosos. Quer dizer: a nova máfia está em parte.

Gate realiza trabalhos para a retirada de explosivos em Araçatuba após ataques
Gate realiza trabalhos para a retirada de explosivos em Araçatuba após ataques Gate realiza trabalhos para a retirada de explosivos em Araçatuba após ataques

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Araçatuba foi o último dos exemplos. A cidade foi literalmente tomada. A bandidagem espalhou explosivos em pontos estratégicos, miguelitos para murchar os pneus dos carros de quem estivesse em perseguição e usou carros com vidros traseiros preparados com orifícios para abrigar canos de armamento ponto 50, capazes de ao abrir fogo em rajadas e arrebentar qualquer obstáculo, inclusive blindagens de proteção com limite até ponto 30. Contra alguém, projétil desse tipo transforma alvo humano em picadinho. Reféns foram amarrados, de maneira aterrorizante, em capôs de carros, para intimidar a Polícia em caso de perseguição. Ninguém reclamou de direitos humanos violados.

A Polícia sabe, desde os tempos de Al Capone, que seguir o dinheiro é a principal técnica para abalar os alicerces do crime. Alguns êxitos, nem todos, foram obtidos pós-assalto em Araçatuba. Os responsáveis pelo armazenamento de dinheiro num cofre regional, que recebe o numerário depositado nas agências de várias cidades, falharam grotescamente. Como a polícia não dispõe de bola de cristal para adivinhar o que pode acontecer, nada sabia sobre isso: os responsáveis pela segurança do banco não se dignaram a informá-la, o que foi lamentável.

Ressalte-se, aqui, que os tempos mudaram. A criminalidade é mutante. No passado, aconteciam tantos roubos a banco que nas agências foram instalados alarmes, conectados com a delegacia mais próxima, acionada imediatamente. Depois, a Polícia montou uma “Ronda Bancária”, destinada a proteger especialmente os bancos mais visados. A Ronda era financiada literalmente por bancos. A legislação sobre esse tipo de assalto foi endurecida pela lei de segurança nacional, transferindo-se para o DOPS, a polícia política, as investigações sobre esse tipo de roubo. Um dos bancos foi vítima tantas vezes seguidas que precisou mudar o seu slogan publicitário: “entre que a casa é sua”. Não pegava bem...

Houve um momento em que esse tipo de roubo mudou de configuração: terroristas passaram a fazê-lo, em nome de uma causa, que ideologicamente se referia a cada caso como sendo “expropriação”. Muitos usaram esse artifício semântico-ideológico para as suas aventuras e, no futuro, conseguiriam alçar altos postos da administração pública. Expropriadores ou simplesmente assaltantes, muitos deles chegaram a ficar juntos na antiga Casa de Detenção, onde os primeiros passaram a dar aulas (haviam feitos cursos na Albânia e em Cuba) para os segundos.

Dentro desse cenário, acontecem coisas inadmissíveis em matéria de investigação e inteligência. Registre-se que em matéria de explosivos, por exemplo, a máfia tupiniquim não dá a mínima paras o que se convencionou chamar de “produtos controlados”, entre eles a dinamite. Foi o caso de Araçatuba, o 33º caso registrado desse tipo de ataque, desde 2018, atingindo cidades como Botucatu, Bauru, Ourinhos, entre outras.

No caso de Araçatuba, foi empregado, de maneira caseira, uma super-dinamite, que estoura cofres, caixas e portões. A técnica, apurada pelo Gate, o Grupo de Ações Táticas Especiais da Polícia Militar, é empregar o Metalon, colocado dentro de uma estrutura oca, metálica, que fica cheia de explosivos, acionados à distância, com aparelho celular ou um sensor que capta qualquer tipo de aproximação, humana inclusive, provocando detonação automática.

Refém foi colocado no teto de carro pelos bandidos em Araçatuba
Refém foi colocado no teto de carro pelos bandidos em Araçatuba Refém foi colocado no teto de carro pelos bandidos em Araçatuba

É uma técnica refinada, que exige das quadrilhas dispor de técnicos especializados em explosivos, para serem instalados e detonados. Esse detalhe evidencia que na nova máfia existem técnicos que atuam como professores de explosões, pois é impossível ser amador nessa área.

O que dizer da inteligência?

Destaque-se, também, o poderoso sistema de coletar informações da máfia tupiniquim. Como ela sabia que havia uma

fortuna num cofre subterrâneo de Araçatuba? Se a Polícia não foi comunicada, claro que foi utilizada uma infiltração para obter a preciosa informação. Qual a tradução desse fato, da teoria para a prática? Primeiro: informação não é, tão somente, intimar alguém para prestar depoimento. É muito mais: escuta, ambiental inclusive, infiltração, disfarces, falsa identidade, aprimorar fórmulas para descobrir aquilo que ninguém sabe. Somente assim é possível antecipar-se, prever, saltar da preparação para o consumado.

Esta é a tônica dos serviços secretos, dos segredos que não são partilhados com ninguém. Nos Estados Unidos, este grau de conhecimento é tão rigoroso que há setores nos quais agentes especiais não podem comentar sobre o que sabem nem para parentes ou amigos mais próximos. Portanto, investigar não é apenas colher depoimentos – esta, uma tarefa adicional, complementar, para a formalização de uma apuração.

Junte-se a tudo isso os conhecimentos de sociologia, psicologia e psiquiatria, quando necessários para análise de personalidade. Nos anos setenta, o então assaltante de bancos mais procurado do País, conhecido como “Xepa” (seu nome era Carlos Alberto de Oliveira) foi gravemente baleado ao ser preso pelo Deic.

Estava no hospital e o delegado Jair Cesário da Silva foi ver se ele estava ou não em condições de falar. Fui junto como delegado. Fiz apenas uma pergunta, sabendo que ele havia marcado casamento, mesmo preso e hospitalizado. Curioso, quis saber a razão disso. Ele me respondeu com tranquilidade: “porque vou morrer”. Garantidas algumas coisas para a mulher, “Xepa” de fato morreu.

É incrível, mas as relações humanas também possuem um peso muito forte na criminalidade. Aprenda quem quiser.

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