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Admire sim, mas com moderação

Sem entrar no campo do amor ao sagrado e do carnal, idolatrar mitos carece de alguma reserva de si para não perder a essência de cada um

Eduardo Olimpio|Do R7

Maradona comemora seu gol de mão na copa do mundo de 1986
Maradona comemora seu gol de mão na copa do mundo de 1986 Maradona comemora seu gol de mão na copa do mundo de 1986

A morte de Diego Maradona há poucos dias foi mais uma perda pelas quais passamos de tempos em tempos, enquanto admiradores de pessoas que se vão e que, por aqui, grifaram sua passagem. Assim foi com outros tantos seres de destaque na aldeia global em setores variados como esporte, cultura, política, artes, ciências, religião etc. que, com seus feitos, acabaram atraindo nossa atenção, conquistando nosso respeito e estima. Se merecido ou não, a pessoalidade dá conta de dizer.

Este desaparecimento de um ídolo, como uns preferem se referir ao derradeiro instante em que um emérito se desliga da tomada, é sempre um momento doloroso a quem fica, pois marca de forma ímpar o relacionamento com o qual o agora cadáver tinha com seu admirador antes de seu obituário ser publicado. Mesmo aos distantes de intimidade cotidiana e física, a depender até da causa mortis de alguém, a emoção toma conta e tal fenômeno se explica pelos traços ou laços de afinidade que interligavam o morto ao(s) vivo(s); empatia, admiração pura, inveja boa, saciedade, completude, preenchimento existencial, tudo exageradamente unilateral.

Quando essa ‘parceria’ é elevada a suma potência, a construção de uma relação entre fã e ídolo cria, a favor deste, uma característica de entidade iluminada, um semideus, um ser inalcançável que, tal qual um zumbi involuntário, suga a personalidade do admirador e, no lugar dela, de suas maneiras de vida e de anseios, bota sua identidade ‘dentro’, vampirizando a criatura, esvaziando dela traços e sonhos próprios em nome dos seus. Quem nunca ouviu de alguém próximo ser ‘doente’ por algum astro do rock, para ficarmos num clichê master que enche o camarada de roupas, acessórios, tatuagens, pôsteres, broches e cores enquanto esvazia sua persona e bolso?

Ok, nosso pai, nossa mãe, nosso parente cuidador e amoroso pode ser o ocupante do cargo de ídolo sem ser famoso ou sugador de nossas almas. Aliás, é mais que comum e bem explicado na psicologia esse tipo de referência. Não cabe discutir o papel preponderante dos genitores/tutores em relação ao olhar de um filho quando este o fita com olhos brilhantes, abre um sorriso sincero e o abraça ‘do nada’ sem crítica alguma.

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O que vejo, aí sim de modo universal, é a entidade admirada mobilizar sua legião de ferrenhos admiradores e tornar-se um mito (por próprio esforço ou alçado ao posto sem querer), cuja principal característica é a capacidade de integrar forças da natureza e humanas e, nesse mix de virtudes, gozar de prestígio que encobre suas deficiências, também naturalmente presentes em qualquer ser vivo.

Isso incomoda um pouco porque, claro, é legal gostar e admirar o feito de alguém, mas quando se perde neste horizonte qualquer racionalidade que venha a ser requerida para, por exemplo, criticar, essa relação torna-se algo entre hospedeiro e parasita, uma doença, que apaga aspectos - nem que sutis - que nos diferenciam e impõem a beleza distinta que nos revela e releva.

Muito cuidado, portanto, quando babar por alguém. Não se deixe invadir nem perca de vista o seu ‘eu’. Curta, se delicie, tenha prazer, seja feliz, consuma mas não se esqueça que, por trás ou debaixo do manto sagrado há alguém que, como você, vai ao banheiro, lava o rosto para tirar dos olhos material pegajoso, se coça e chora sentado ao vaso. Há um humano ali como você.

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