Dez, trinta, cinquenta, cem, duzentas...O número de mulheres que acusam o médium João de Deus de abuso sexual cresce na mesma velocidade do horror que assola a todos que tomam conhecimento dos detalhes das atrocidades praticadas.
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São relatos que provocaram imediatamente uma decomposição impressionante de uma celebridade que atraía gente do mundo todo para a sua pequena cidade e acostumada a transitar nos gabinetes mais poderosos do país.
Toda a podridão humana(?) parece estar ali.
Desde estupro da própria filha, aos nove anos de idade, até pedido de masturbação enquanto rezava o Pai Nosso.
No meio da enxurrada de lama que assusta até os de couro mais duro, aqui e acolá, uma voz masculina, do alto da estultice mais desabrida, pergunta a razão dessas mulheres terem demorado tanto para denunciarem a violência sofrida.
Geralmente são os mesmos sujeitos que defendem que colheres não devem ser metidas em brigas de marido e mulher, ou que as amarguradas são assim porque não trocam fluidos corporais.
Nenhum homem, inclusive eu, tem a capacidade plena de explicar o porquê delas terem ficado caladas até agora. Mas vou fazer uma tentativa.
Elas preferiram esconder suas dores, justamente, por saberem que existem homens ( e em grande número ) que acham estranho o silêncio de quem é destroçada na sua dignidade.
Têm consciência de que, por mais que tenha avançado, o mundo ainda é traçado e comandado pelos homens. E, entre estes, os que alcançam o posto mais alto na cadeia de poder, dificilmente, serão atingidos pelos que ficaram embaixo, sobretudo se forem do sexo feminino.
Todas essas mulheres foram atacadas quando se sentiam mais frágeis, debilitadas pela doença. E ao saírem do antro em que foram abusadas, naturalmente, ficaram meses, anos, digerindo, compreendendo, introspectando o que de fato tinha acontecido.
Elas ocultaram suas chagas porque têm medo. Medo de serem humilhadas, maltradas, achincalhadas pelos mesmos homens que vêem com naturalidade uma mulher ser apalpada em uma balada ou receber uma cantada grosseira na rua. "Elas reclamam, mas elas gostam", dizem. Óbvio, que muitas devem gostar, mas antes pergunte-se a elas.
Foi preciso a coragem de uma para que todas se libertassem de suas amarras morais, que, na grande maioria dos casos, são bem mais doídas que as físicas.
Essas mulheres não são só vítimas de João de Deus.
São vítimas também de todos aqueles que não entendem a dor que sofreram.