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Advogado de caso Amarildo sobre João Pedro: ação indigna e genocida

Conhecido por atuar em "causas invisíveis", João Tancredo critica operação que matou garoto de 14 anos e questiona respeito ao isolamento social

Rio de Janeiro|Fabíola Perez, do R7

João Pedro, 14 anos, morto em operação policial no RJ
João Pedro, 14 anos, morto em operação policial no RJ João Pedro, 14 anos, morto em operação policial no RJ

"O governo diz que é preciso ter um isolamento, no entanto, faz operações policiais nas favelas. É um comportamento indigno, genocida." A avaliação sobre a operação policial no Complexo do Salgueiro, São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que matou o jovem João Pedro, de 14 anos, é do advogado João Tancredo, que atua na defesa dos familiares do pedreiro Amarildo, ajudante de pedreiro sequestrado e morto por policiais militares na favela da Rocinha, em julho de 2013.

Tancredo atendeu cerca de 480 vítimas de incursões policiais no Rio de Janeiro, no período de cinco anos, atuou na defesa de pessoas que perderam familiares em quase todas as chacinas do estado e vê semelhança em casos como estes. "Em todas essas ações, a polícia diz que presta socorro, mas a verdade é que não dão valor para a vida dessas pessoas."

Para o "advogado das causas invisíveis", como ficou conhecido, é estranho que o governo do estado pregue a política de isolamento social e a obrigatoriedade de máscaras como formas de proteção ao novo coronavírus e ao mesmo tempo ordene que a polícia continue atirando.

"O isolamento é só para uma parte da população%2C quando um policial entra na casa de alguém essa política se quebra"

(João Tancredo, advogado)

"O isolamento é só para uma parte da população, quando um policial entra na casa de alguém, essa política se quebra", afirma. “São conhecidos e reiterados os saques que os policiais fazem quando entram em casas de moradores de periferia.”

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O jovem João Pedro foi baleado e morto durante uma operação da Polícia Federal em conjunto com a Polícia Civil, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio, na segunda-feira (18). "Esse caso é a reiteração de tantos outros", diz Tancredo.

Este tipo de ação, segundo o advogado, não reduz a criminalidade. "Mas a classe média dá carta branca a esse comportamento do Estado quando endossa a fala de um governador que vem a público e diz que 'a polícia vai mirar na cabecinha.' Vão morrer mais negros, a polícia vai continuar envolvida com os mesmos crimes.”

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"Enxugar gelo com o sangue"

Tancredo lembra que o caso do pedreiro Amarildo não se encerrou até hoje, sete anos após sua morte, e compara este tipo de política de segurança pública a "enxugar gelo com o sangue de pessoas periféricas".

João Tancredo, advogado: operação indigna e genocida
João Tancredo, advogado: operação indigna e genocida João Tancredo, advogado: operação indigna e genocida

A morte de João Pedro é investigada pela Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, mas Tancredo afirma que, em casos como estes, é difícil identificar o autor do disparo. "No processo, é preciso ter o autor do disparo e é difícil saber, porque os policiais entram nos lugares sem a identificação e capuz”, afirma. “Precisamos pensar em punir a autoridade que autoriza uma ação assim: uma política genocida do governo que mata pobre e negro.”

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Tancredo cita um outro caso que acompanhou, o de um jovem que estava dentro de uma barbearia em uma comunidade carioca quando a polícia chegou em viaturas. Policiais desceram dos veículos, segundo ele, e subiram o morro. "Atingiram o rapaz, que chegou ao hospital com um tiro na cabeça. Mas ele conseguiu sobreviver", lembra. "Essa política de atirar diversas vezes, de ser executado na viatura ou a caminho do hospital é rotineira." 

Para ele, João Pedro pode ter morrido durante a ação, vítima dos disparos, ou ter sido executado depois, uma vez que o garoto ficou mais de 12 horas desaparecido.

"Temos todas as marcas de morte na nossa história e vamos ficar com mais essa pela covid-19."

(João Tancredo, advogado)

Nesse contexto, Tancredo lembra a frase da Comissão Nacional da Verdade, órgão criado para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas no período da ditadura militar, de que é preciso "lembrar para não se esquecer." "Precisamos sempre relembrar casos como esses para não naturalizar esse tipo de política de segurança pública. É preciso se espantar sempre."

Tancredo afirma ainda que o caso de Amarildo não se encerrou, embora tenha ocorrido o afastamentos dos 25 policiais envolvidos na morte do ajudante de pedreiro e a condenação por sequestro, tortura e morte de 12 policiais. "O Estado do Rio de Janeiro entrou com recurso para reduzir o valor da indenização a ser pago aos familiares de Amarildo", relata. "Muito embora tenha ocorrido o reconhecimento com a expulsão dos policiais."

Combate à pandemia em favelas

Acostumado a ver de perto as "pessoas invisíveis", João Tancredo critica a forma como os governos vêm conduzindo o combate à crise do coronavírus em favelas e comunidades no país. "Temos todas as marcas de morte na nossa história e vamos ficar com mais essa pelas mortes da covid-19."

Para ele, é preciso repensar a política de segurança em locais marcados pela desigualdade. "Há uma necessidade de uma política e polícia de inteligência, não de extermínio. Mas parece que agora chegou a hora da população mais pobre morrer", afirma. "Uma população que não tem saúde pública, não tem plano de saúde em um contexto já caótico com as doenças naturais, imagina com a chegada do covid-19."

A política para o combate ao coronavírus, diz o advogado, é seletiva. "Sob o ponto de vista econômico, a classe média pode estar em casa", afirma. "Para o trabalhador, que não tem reservas financeiras, o estado deveria criar políticas públicas para dar subsídios a essa população. Não existe economia sem vida."

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