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Ambulantes no Brás: imigrantes relatam drama e perda de sonhos

Número de pedidos de registro de documentação brasileira, assim como as assistências prestadas pela prefeitura, caíram nos últimos anos em São Paulo

São Paulo|Plínio Aguiar, do R7

Vistas do cruzamento das ruas Oriente e Maria Marcolina, no Brás, centro de SP
Vistas do cruzamento das ruas Oriente e Maria Marcolina, no Brás, centro de SP Vistas do cruzamento das ruas Oriente e Maria Marcolina, no Brás, centro de SP

"Assim que os policiais levaram minha mercadoria, é como se parte do meu sonho fosse destruída. Isso aqui é o meu sustento", disse o haitiano Papito Gilles, de 26 anos, depois de perder R$ 2 mil em produtos enquanto os vendia no Brás, região de comércio popular da cidade mais cara da América do Sul.

Nascido em Porto Príncipe, capital do Haiti, o ambulante veio há dois para São Paulo em busca da realização de seu maior sonho: formar-se em jornalismo.

Ele conta que busca, primeiro, uma escola de idiomas com um preço razoável, para que, assim, ele consiga se comunicar e escrever facilmente em português. Depois, diz que irá prestar o vestibular. “O meu sonho é entrar na USP”, sorri.

Enquanto o sonho é colocado de lado, Gilles vende roupas como shorts e calças na movimentada rua Oriente, uma das principais vias de comércio no Brás. O preço de seus produtos varia de R$ 30 a R$ 50, mas, vez ou outra, conta que acaba diminuindo ainda mais para não perder o cliente. “É abaixar o preço ou não ter R$ 1 no bolso”, diz.

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No último sábado (24), a carteira de Gilles estava vazia. Em seus olhos, lágrimas. Toda sua mercadoria foi tomada por policiais militares que realizavam patrulhamento na área, sem uma explicação. “Eles levaram tudo que eu tinha. Não me deixaram com nada”, conta. Os produtos foram avaliados em R$ 2 mil, mas o prejuízo, segundo o comerciante, foi maior. “Por causa disso, esse mês eu não vou conseguir enviar dinheiro para a minha família”, diz, abaixando a cabeça.

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A quase 10 horas de distância de avião de São Paulo, está a mulher do ambulante com o filho, de seis anos, morando em Porto Príncipe, a capital com 2,5 milhões de habitantes. Fundada por franceses, a cidade sofre frequentemente com terremotos.

Em 2010, por exemplo, a Câmara Municipal foi destruída pelo evento natural. Na ocasião, o ambulante residia por lá, trabalhava ensinando francês e inglês, e também teve sua casa arruinada. 

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“A vida é assim. Sempre muito difícil. Mas, ultimamente, aqui em São Paulo, está pior”, reconhece. “Todos os dias eu coloco minhas mercadorias aqui na rua, mas sempre com o medo de que os policiais venham tomar de mim novamente”, acrescenta.

Gilles possui toda documentação brasileira em dia. No entanto, ainda não pediu apoio formal da prefeitura.

Os imigrantes em situação de vulnerabilidade social podem solicitar ajuda para a Prefeitura de São Paulo. Existem quatro centros de acolhida para a comunidade: Bela Vista, Pari, Penha (atendimento exclusivo a mulheres) e Bom Retiro. No entanto, os espaços estão cada vez menos com vagas preenchidas.

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A pasta registrou 2.374 imigrantes atendidos nos serviços da rede socioassistencial em 2016. No ano seguinte, caiu para 2.052 e, até o final de outubro deste ano, 2.340. Nesses lugares, é possível se ter acolhida, orientação, alimentação, cuidados de higiene, inserção em programas sociais, capitação e preparação para o mercado de trabalho.

“O problema é que limitador. Você tem horário pra fazer isso, horário para fazer aquilo. Tem limite para tudo”, argumenta Gilles. “Eu prefiro pagar R$ 400 no meu quarto e ter os meus horários”, finaliza.

Número de pedidos de documentação brasileira caem em São Paulo
Número de pedidos de documentação brasileira caem em São Paulo Número de pedidos de documentação brasileira caem em São Paulo

Documentação

A Polícia Federal de São Paulo informou que o número de pedidos de regularização de permanência para imigrantes que se encontram na capital paulista caíram neste ano, se comparado com os dois últimos. No primeiro ano, em 2016, o órgão registrou 33.677 pedidos, número que abaixou para 31.101 em 2017, chegando em 25.865 neste ano.

Os pedidos podem ser feitos por acolhida humanitária, acordo ou tratado de residência feito pelo bloco do Mercosul (Mercado Comum do Sul), asilo político, hipossuficiência econômica, fins de estudo, entre outros modelos. Neste site é possível listar todos os tipos e solicitar o específico.

O mês que mais registrou pedidos em 2016 foi fevereiro, com 4.182 solicitações. Em 2017, agosto recebeu 3.902 pedidos. Neste ano, destacou-se também o mês de agosto, com 4.155. As nacionalidades que possuem mais registros ativos na capital paulista, até o último dia 19, são Bolívia, Portugal, China, Japão e Estados Unidos da América.

Brás

O bairro nasceu como uma região de chácaras em 1818, cresceu e se desenvolveu como operário, além de ser considerado uma “pátria” aos imigrantes italianos, que em seguida acolheu nordestinos. Após uma fase de decadência e deterioração urbana, hoje é conhecido como um dos principais centros de comércio popular da cidade.

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Nascido em Dakar, capital do Senegal, Osmar Lo, de 28 anos, veio para o Brasil há cinco anos. Primeiro, instalou-se em Passo Fundo, município do Rio Grande do Sul, onde vendeu roupas e produtos tecnológicos.

“Não deu muito certo”, conta. Mas, antes mesmo de vir para o país, ouviu falar do Brás. “Já conhecia umas pessoas que vieram para cá, então eu sabia que era um bairro bom pra comércio”, diz. Segundo o ambulante, o Brás apresenta maior estabilidade financeira para os que ali comercializam. “Eu recebo uns R$ 500 a mais aqui do que em Passo Fundo”, relata.

De acordo com a Alobrás (Associação de Lojistas do Brás), ao todo são 55 ruas comerciais com 5.000 lojas e 4.000 confeccionistas. São 150 mil empregos diretos e 300 mil indiretos, com uma circulação diária de 300 mil pessoas — em horário de pico chega a um milhão.

“É daqui que eu tiro dinheiro para pagar aluguel, comprar comida, beber água, entre outras coisas”, relata Lo. Assim como o haitiano, ele envia, mensalmente, dinheiro para sua família, que ainda mora na capital senegalesa. O ambulante diz que possui a documentação brasileira.

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Imigrantes podem pedir apoio para a Prefeitura de SP
Imigrantes podem pedir apoio para a Prefeitura de SP Imigrantes podem pedir apoio para a Prefeitura de SP (ADRIANO LIMA/ESTADÃO CONTEÚDO)

Serviço

No CRAI (Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes), da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, é possível obter orientação jurídica e apoio para que o solicitante tenha acesso à rede de serviços públicos. Ali, é dado cursos e oficinas voltados à qualificação profissional e o funcionamento do mercado de trabalho.

Paralelamente, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico oferece ao imigrante a possibilidade de emprego. Pode-se emitir carteira de trabalho e solicitar seguro-desemprego. Os imigrantes jovens, com idade entre 16 e 20 anos, podem participar do Bolsa Trabalho, que visa formação profissional e reinserção na vida escolar — neste ano, no entanto, somente 10% das vagas foram reservadas aos imigrantes. Oito venezuelanos já conseguiram emprego, informou a pasta.

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