Catador recolhe 40 kg de papelão para poder comprar 5 kg de arroz
Crise do desemprego fez aumentar o número de pessoas que vivem da venda de recicláveis. Maior concorrência fez preço do material cair
São Paulo|Cleisla Garcia, da Record TV
Com o peso do corpo, Genaldo Saraiva, de 32 anos, levanta do chão a carroça lotada de papelão, ferro e lata. Não é o que se vê pelas ruas de São Paulo nos últimos meses. Os carroceiros estão trafegando por ruas e avenidas com uma carga mais leve. E isso, apesar de mais fácil, não tem sido motivo de comemoração.
Com o aumento do desemprego na pandemia, o setor de reciclagem acabou ganhando novos adeptos, e a concorrência na caça às latinhas e caixas de papelão aumentou. Latinhas, papelão, ferro e PET ficaram mais difíceis de serem encontrados. Há mais oferta, e o preço despencou. O quilo de papelão, por exemplo, caiu de R$ 1,40 para R$ 0,60, e o de ferro, de R$ 1,35 para R$ 0,70.
A queda na cotação dos reciclados contrasta com os preços das gôndolas dos supermercados, que subiram impulsionados pela inflação. Para comprarem hoje um pacote de 5 kg de arroz, por exemplo, Genaldo e outros catadores terão que tirar das ruas ou dos pontos de coleta pelo menos 40 kg de papelão. Não vale mais quanto pesa. E a conta não fecha.
Para conseguir encher a carroça, Genaldo estocou material em casa durante uma semana. Só então, com a carroça pesada, seguiu para a cooperativa onde vende tudo. Genaldo não lamenta a concorrência. Sabe que os tempos difíceis obrigaram muitos pais de família e até aposentados a sair à caça das latinhas, cada vez mais disputadas.
"Eu fico com pena. Sei que não é trabalho pra eles. Nem sabem fazer direito. Tem uns que lotam a carroça de caixa de papelão inteira, aí eu explico, tem que abrir que cabe mais. Senão é puro volume. A rua é de todo mundo, tem espaço pra todo mundo. A gente tem que ajudar", reconhece o catador experiente.
Maria Dias já foi doméstica e garçonete, até perder o emprego. Isso há 20 anos. Chegou a passar fome, morar na rua por dois meses. A saída foi a reciclagem. Hoje, ela é presidente de uma cooperativa, instalada embaixo de um dos viadutos mais movimentados da capital paulista, quase no subsolo da grande metrópole. Antes da pandemia, eram 27 cooperados, mas a procura por trabalho cresceu, e hoje são 34. "O que muita gente considera lixo é, pra gente, a única saída, a maior riqueza", diz Maria, limpando o rosto entre toneladas de reciclados.
A presidente da cooperativa fala sobre o atual cenário no mercado de reciclagem. "Faz muita diferença. Estamos tendo que trabalhar o dobro pra ganhar menos da metade."