O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados de São Paulo), Martim Sampaio, criticou a campanha da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que usou em sua conta no Instagram fotos de celebridades, majoritariamente brancas e ricas, empunhando um cartaz com o logo da corporação e os dizeres #podeconfiarpmesp. Para o advogado, a jogada de marketing visa a inebriar a realidade vivida pela população, principalmente a negra, pobre e periférica.
Sampaio destaca a crise de confiança pela qual a PM está passando e diz que prova disso é a necessidade de criar uma campanha para reduzi-la.
— Se existe [confiança], não precisa propagar. O déficit de confiança em relação à sociedade civil é nítido. Precisam de atores brancos, ricos e famosos para ter um argumento de validação. Algumas dessas celebridades nem moram em São Paulo. Quanto mais a campanha esconde atrás dessas personalidades, mais aparecem os graves problemas estruturais de nossa polícia como, por exemplo, o conhecido racismo estrutural.
Segundo a PM, o objetivo da campanha é "fortalecer ainda mais a marca" da instituição. O slogan "Você pode confiar!" viria da quantidade de atendimentos que a corporação realiza todos os dias. "Por ser acionada diariamente por mais de 150 mil pessoas no Estado, em média, pelo telefone 190, demonstra ser uma das mais confiáveis instituições brasileiras", diz, em nota enviada ao jornal O Estado de S.Paulo.
O advogado alerta para a falta de comprovação de que a corporação é "uma das mais confiáveis instituições brasileiras".
— É altamente improvável chegar a esta conclusão considerando a falência completa do Estado. Esse grande número de chamadas pode refletir o déficit estatal em atendimento ao público no geral. A população chama a PM até para casos médicos. É um pouco precipitado atribuir esse número de atendimentos a um suposto prestígio social.
Espontâneo
A Polícia afirma que as fotos são concedidas de forma "voluntária e espontânea" por pessoas que apoiam a instituição - e não somente com artistas ou personalidades. Por meio de assessoria, Fernando Prass diz que fez a foto há cerca de dois anos, não sabia do uso recente dela, mas que não vê problemas em participar da comemoração. Já a de Ana Carolina afirmou inicialmente que a cantora mora no Rio, não tem relação com a corporação e que não foi consultada sobre o uso da imagem. Em nova nota, disse que "certamente ela [Ana Carolina] não se oporia a destacar o trabalho de quem defende os cidadãos e zela pela segurança".
"Eu fiz essa foto?", pergunta o ator Luís Henrique, intérprete da personagem Mamma Bruschetta, ao ser questionado pela reportagem. Após ver a imagem, se lembra: recebeu uma equipe da PM para uma pauta no programa Mulheres, da TV Gazeta, sua ex-emissora, e aceitou posar com a placa. Publicada no dia 11 de julho, a postagem é uma das mais recentes. "Não foi agora, não. Foi já algum tempo atrás", afirma, com convicção. É que a foto ainda denuncia os quilos que perdeu em um regime feito em 2015.
O humorista Carlos Alberto de Nóbrega, apresentador de A Praça é Nossa, do SBT, diz que não sabia da campanha. "Não vou dizer que não fiz a foto, sinceramente não me lembro", afirma, em entrevista por telefone. "É alguma coisa que me compromete?", pergunta. O ator fica mais tranquilo com a descrição da imagem, em que aparece sentado no famoso banco da praça, segurando a placa da corporação. "Ah, isso pode. Não tem problema nenhum, eu confio neles."
Para Nóbrega, os policiais militares são alvo de "covardia".
— Quando um bandido mata um policial, não acontece absolutamente nada; mas quando um policial mata, o cara vira bandido. Eles ganham mal, arriscam a vida. Eu já cansei de dizer isso no programa: toda bala perdida é da polícia, nunca do bandido. É impressionante.
Sorridente, o ator posa em meio ao cenário de A Praça é Nossa. A PM, no entanto, afirma que as fotos são feitas sem produção, muitas vezes por meio de celular.
A reportagem do O Estado de S.Paulo entrou em contato com as assessorias de outras personalidades que aparecem nas imagens, mas não obteve resposta.